Um ano após ser descoberta, ômicron está rapidamente ganhando mutações

Biólogos ainda lutam para acompanhar as surpreendentes alterações evolutivas da variante

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Carl Zimmer
The New York Times

Em 26 de novembro de 2021, a OMS (Organização Mundial da Saúde) anunciou que uma nova variante preocupante do coronavírus, conhecida como ômicron, tinha sido descoberta no sul da África. Logo ela conquistou o predomínio no mundo todo, causando um aumento recorde de casos.

Agora, um ano depois, os biólogos ainda lutam para acompanhar as surpreendentes alterações evolutivas da ômicron. A variante está rapidamente ganhando mutações. Mas, em vez de uma única linhagem, ela explodiu em centenas, cada uma com resistência às nossas defesas imunológicas e seu próprio nome alfanumérico, como XBB, BQ.1.1 e CH.1.

0
Cientistas da Universidade de Hong Kong conseguiram capturar pela primeira vez a imagem da variante ômicron do coronavírus com a ajuda de um microscópio em dezembro de 2021 - HKU-MED

"É difícil lembrar o que é o quê", disse Jesse Bloom, especialista em vírus do Centro de Câncer Fred Hutchinson, em Seattle.

A menos que surja uma variante radicalmente diferente, previu Bloom, essa mistura confusa de subvariantes irá perdurar, tornando mais desafiador para os cientistas planejar novas vacinas e tratamentos. "Sempre vai ser como é agora", disse ele. "Sempre haverá uma sopa de novas variantes por aí."

Quando a ômicron surgiu, em novembro de 2021, carregava mais de 50 mutações que a diferenciavam de outras variantes do coronavírus. Muitos pesquisadores defendem a ideia de que surgiu em uma única pessoa, talvez com um sistema imunológico comprometido, que teve um caso crônico de Covid que durou meses.

No mês passado, entretanto, uma equipe de cientistas da Universidade de Minnesota sugeriu que uma forma inicial do coronavírus havia infectado camundongos. No cenário deles, ela evoluiu para a ômicron nos roedores e depois infectou novamente os humanos.

Independentemente de como surgiu, a ômicron atingiu o predomínio nas semanas após sua descoberta por causa de suas mutações. Algumas delas permitiam que o vírus entrasse nas células com mais sucesso. Outras permitiam que ele escapasse de alguns anticorpos gerados por vacinas ou infecções anteriores.

A maioria dos anticorpos adere às proteínas "espículas" na superfície dos coronavírus, impedindo-os de entrar em nossas células. Mas algumas mutações da ômicron modificaram partes dessa proteína, de modo que alguns anticorpos mais potentes não podiam mais aderir a ela.

À medida que a ômicron se multiplicava, continuava a sofrer mutações. Novas versões surgiram, mas nos primeiros meses elas se substituíram como uma série de ondas quebrando na praia. A primeira versão, BA.1, foi substituída por BA.2, depois BA.5, ambas as quais evadiram alguns anticorpos produzidos por infecções anteriores por ômicron.

Em fevereiro, Theodora Hatziioannou, especialista em vírus da Universidade Rockefeller em Nova York, e seus colegas realizaram um experimento que sugeria que a ômicron estava pronta para uma explosão evolutiva.

A equipe de Hatziioannou testou a ômicron contra 40 anticorpos diferentes que ainda poderiam bloquear a variante. Eles descobriram que era extremamente fácil para algumas mutações extras torná-la resistente a quase todos esses anticorpos.

Surpreendentemente, quando os pesquisadores adicionaram essas mesmas mutações à proteína espícula da versão original do coronavírus, não houve efeito na resistência dos anticorpos. Hatziioannou suspeitou que o grande número de novas mutações na ômicron modificou sua paisagem evolutiva, tornando muito mais fácil desenvolver ainda mais resistência.

"Ficamos realmente preocupados quando vimos isso", disse ela.

Nos meses seguintes, a ômicron superou essas preocupações. Graças ao grande número de infecções por ômicron, o vírus teve mais oportunidades de sofrer mutações. E ganhou algumas das mutações preocupantes que Hatziioannou e seus colegas identificaram em seus experimentos.

As novas mutações estão se desenvolvendo com rapidez, provavelmente porque fornecem aos vírus uma grande vantagem evolutiva. No primeiro ano da pandemia, a maioria das pessoas infectadas não tinha anticorpos para Covid. Agora a maioria das pessoas os possui. Portanto, os vírus que têm resistência extra a anticorpos superam facilmente outros que não têm.

"A evolução que está acontecendo é a taxa mais rápida até agora", disse Sergei Pond, especialista em vírus da Universidade Temple, na Filadélfia.

No entanto, uma única subvariante não está ganhando todas as novas mutações. Ben Murrell, biólogo computacional do Instituto Karolinska em Estocolmo (Suécia), e seus colegas estão rastreando mais de 180 subvariantes de ômicron que ganharam mutações independentemente, fazendo com que crescessem mais rápido do que a BA.5.

Essas subvariantes estão passando por um processo que Charles Darwin reconheceu há cerca de 160 anos, chamado convergência. Darwin observou como pássaros e morcegos evoluíram de forma independente asas que funcionam da mesma maneira. Hoje, subvariantes de ômicron estão escapando independentemente dos mesmos anticorpos com mutações nos mesmos pontos de suas proteínas espículas.

A competição que ocorre no enxame de subvariante pode estar impedindo que um deles assuma o controle, pelo menos por enquanto. Nos Estados Unidos, a outrora dominante BA.5 agora responde por apenas 19% dos novos casos. Sua descendente BQ.1 subiu para 28%. E a BQ1.1, descendente de BQ1, é a causa de 29%. Treze outras subvariantes de ômicrons compõem o resto.

À medida que cada cepa ganha mutações, menos tipos de anticorpos funcionam contra ela. No mês passado, Yunlong Cao, bioquímico da Universidade de Pequim, e seus colegas relataram que a XBB e três outras subvariantes se tornaram totalmente resistentes aos anticorpos em amostras de sangue de pessoas vacinadas ou com infecções por Covid.

Esse desenvolvimento ameaça o que foi uma das defesas mais importantes contra a Covid: anticorpos monoclonais. Para criar esses tratamentos, os cientistas coletaram sangue de pacientes com Covid no início da pandemia, isolaram seus anticorpos mais potentes e fizeram um grande número de cópias das moléculas. Uma formulação, chamada Evusheld, pode impedir que pessoas com sistema imunológico comprometido sejam infectadas. Mas, à medida que as subvariantes resistentes se tornam mais comuns, esses tratamentos deixam de funcionar.

"Não posso realmente ter certeza se os anticorpos monoclonais desempenharão ou não um papel importante no tratamento daqui para a frente", disse Bloom, do Centro de Câncer Fred Hutchinson. "Será muito importante projetar outra geração de coquetéis de anticorpos que, com sorte, resistam por mais tempo."

As últimas doses de reforço produzem proteínas espículas tanto da versão original do vírus quanto da BA.5. Estudos em pessoas que receberam o chamado reforço bivalente mostram que seus anticorpos são melhores para neutralizar a BQ.1.1 e outras novas subvariantes do que os anticorpos produzidos pela vacina original contra Covid. Mesmo assim, as subvariantes podem escapar de muitos dos anticorpos bivalentes.

Felizmente, as novas subvariantes não parecem ser mais mortais do que as formas anteriores de ômicron. Apesar de sua capacidade cada vez maior de escapar dos anticorpos, as subvariantes provavelmente não conseguirão escapar totalmente da imunidade gerada por vacinas ou infecções anteriores, disse Hatziioannou.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.