Países discutem definição de 'pandemia' e tratado para moldar resposta global a novos surtos

Objetivo é concluir debates em 2024, mas nações discordam sobre princípios básicos; Brasil e África do Sul pressionam países ricos

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Donato Paolo Mancini
Londres | Financial Times

Países que negociam um tratado crucial destinado a moldar a resposta mundial a futuras pandemias têm lutado para chegar a um consenso sobre pontos-chave, incluindo a definição básica de "pandemia", mas mantêm a ideia de fechar um acordo em 2024.

O rascunho "zero", ou inicial, do grupo intergovernamental que desenvolve o tratado na OMS (Organização Mundial da Saúde), obtido pelo Financial Times, mostra um complexo debate entre países sobre se um surto considerado "pandemia" teria que ser viral, transmitido de humano para humano, ou afetar populações com baixa imunidade, entre outros pontos.

O rascunho data do mês passado, mas pessoas próximas ao processo disseram que não houve progresso significativo desde então, embora as negociações continuem. A OMS não respondeu a um pedido de comentário.

Passageiros em estação de trem em Xangai, na China; países tentam elaborar tratado sobre resposta global a futuras pandemias - Aly Song - 18.jan.23/Reuters

Um diplomata que trabalha de perto no processo, relacionado à pandemia de Covid-19, disse: "Está claro que não há acordo sobre nada". E acrescentou que os processos da ONU geralmente tendem a ser longos.

Outro diplomata também envolvido nas negociações disse ao Financial Times: "O que está ficando muito claro é que há expectativas e prioridades muito diferentes" entre os países. Houve uma "grande divisão crescente entre o norte global e o sul global", acrescentou o diplomata.

A meta de concluir as negociações em 2024 é "muito ambiciosa", disse o segundo diplomata. "Seria sem precedentes chegar a um tratado global de saúde nesse prazo", afirmou, observando que um calendário normal seria de aproximadamente dez anos.

Embora as divergências sejam comuns nas negociações multilaterais, especialmente nos estágios iniciais, elas destacam o grande desafio enfrentado pelos países negociadores no desenvolvimento de um acordo para ser votado pelos países membros da OMS na Assembleia Mundial de Saúde, em maio de 2024.

Quando o projeto foi anunciado, em 2021, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que a mudança representava uma oportunidade única em uma geração para abordar "as muitas falhas do sistema global para proteger as populações de pandemias", como o acesso desigual a vacinas, medicamentos e testes.

Ellen 't Hoen, diretora de leis e políticas de medicamentos, disse que o documento mostra "muita discordância entre os países".

Um grupo de países liderados pelo Brasil e pela África do Sul está pressionando por obrigações juridicamente vinculativas sobre o fornecimento de recursos aos países em desenvolvimento. Esse impulso está encontrando certa resistência, disse um dos diplomatas. No auge da pandemia, a África do Sul liderou uma campanha para remover restrições de propriedade intelectual de testes, medicamentos e vacinas para a Covid-19.

"As nações estão jogando jogos diferentes, dependendo do que desejam, mas [é um] processo de tratado curto", acrescentaram. "Nesse contexto, parece que não estamos nos movendo rápido o suficiente."

Os países também estão indecisos sobre se o diretor-geral da OMS teria o poder de "acionar" uma declaração de pandemia, disseram os diplomatas.

Uma proposta da União Europeia de limitar os preços de vacinas, medicamentos e testes em níveis sem fins lucrativos e de aplicar preços diferenciados para países pobres e de média renda, respectivamente, recebeu até agora uma "recepção morna" do sul global, disse uma das fontes.

Thiru Balasubramaniam, representante em Genebra do Knowledge Ecology International, grupo que defende a reforma das patentes, afirmou que o "relógio está correndo".

"Divisões rígidas sobre a definição de [uma] pandemia e a linguagem dos princípios sobre equidade e transparência fornecem um barômetro para discussões difíceis sobre propriedade intelectual, acesso a contramedidas pandêmicas, transferência de tecnologia e know-how e financiamento de pesquisa e desenvolvimento", disse ele.

Outros pontos de discórdia incluem como regular o acesso de autoridades de grupos como a OMS a áreas de surto, disseram os diplomatas, com o Irã e a China se opondo a medidas mais liberais.

Isto se segue a repreensões públicas da OMS dirigidas à China sobre o que o órgão da ONU disse ser uma abordagem lenta e pouco transparente para permitir que investigadores internacionais busquem as origens da Covid.

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