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Bruno Filardi

Livro de Orsi e Pasternak é filho do monstro chamado ciência

Dura mas fiel aos seus princípios, obra peca nos adjetivos pejorativos ao não considerar a seriedade das pessoas por trás de práticas como acupuntura e psicanálise

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Bruno Filardi

É médico oncologista e oncogeneticista. Doutor em medicina pela USP-Ribeirão. Oncologista da ProOncoGen em Ribeirão Preto e oncogeneticista do Serviço de Genética do HC da USP de Ribeirão Preto.

Nos últimos anos "convivi" com Natalia Pasternak nas mídias sociais e com muitos dos seus, agora, adversários na divulgação científica durante a pandemia do coronavírus. Ao mesmo tempo que me sinto confortável para falar sobre o assunto, claudiquei antes de aceitar o convite para escrever sobre o livro "Que Bobagem!", do casal Carlos Orsi e Natalia Pasternak, devido à grande celeuma criada em torno dele.

"Que Bobagem!" começa com uma introdução bem fundamentada onde ficam explícitos a base e o alicerce epistemológico que descrevem o "modo de olhar para o mundo" de Orsi e Pasternak. Trazem o objetivismo do método científico moderno quase que palpável na leitura. De Pavlov ao clássico trabalho da fisiologia do placebo. Os autores são tão claros e didáticos que chegam a elencar os critérios que fazem um estudo científico na área da saúde ser metodologicamente adequado.

Seguindo esses princípios dados ao leitor, Orsi e Pasternak se aprofundam em cada um dos 12 assuntos. Ou famílias de "bobagens". Seja uma estratégia de marketing proposital com intuito de causar indignação ou não, a mim –que não sou adepto de nenhuma das práticas analisadas– causou certo incômodo.

Ok, respondendo a Daniel Dennett, não existe uma maneira educada de perguntar a alguém se ele considerou a possibilidade de que toda a sua vida foi devotada a uma ilusão. E, se a simples pergunta pode soar como ofensa, lembro que Orsi e Pasternak não trazem muito a sutileza da dúvida em suas páginas.

Quem pode usar homeopatia?
Oliver King/Pexels

Quem entende que a ciência é um método ou uma ferramenta cuja utilidade é avaliar desfechos objetivos e, só a partir desses resultados, pode-se construir uma teoria do conhecimento, leu o livro com enorme naturalidade e compactuou com a maioria das afirmações dos autores.

Este presente artigo foi escrito por alguém que também possui uma visão mais reducionista, excludente e objetiva do método científico. Mas sei que o conceito de objetividade é anterior à humanidade que o conceito de ciência.

Cada cultura em sua época ou cada ideologia predominante é capaz de se achar possuidora de objetividade e dos princípios universais que definem os conceitos pelos quais o conhecimento é construído e criar, assim, sua própria definição de ciência.

Indubitavelmente há médicos e outros tantos enganadores que preconizam curas quânticas, energéticas, soros de imunidade, caixas térmicas e outras, agora sim, bobagens. Basta dar uma passeada pelo Instagram para imediatamente reconhecê-los. Merecem todas as críticas e a alcunha de pseudocientistas. Creio que o livro peca ao colocar acupuntura, psicanálise e algumas outras práticas nessa mesma cesta. Porque a seriedade e intenção das pessoas por trás dessas práticas deveria ter sido levada em consideração antes de adjetivá-las pejorativamente.

Não entrarei, pelo limitado espaço, no mérito de suas respectivas eficácias. Há literatura específica para isso. A ciência pelo ponto de vista dos autores (e meu), mesmo sendo capaz de avaliar a eficácia dessas práticas, dificilmente poderia se estender satisfatoriamente a avaliar o arcabouço teórico da acupuntura, o inconsciente psicanalítico, pulsões, libidos, etc. Da mesma forma que essa nossa ciência não abarca a filosofia ou espiritualidade.

Apesar disso, os autores não pessoalizaram suas críticas. Em contrapartida choveram ataques pessoais voltados à Pasternak inferindo-lhe ausência de legitimidade para participar da discussão. Esses, além de mostrarem postura anticientífica e pequenez intelectual, apenas exemplificaram o viés de autoridade em ciência também discutido no livro. Ideias devem ser rebatidas com outras ideias.

Os dados apresentados em "Que bobagem!" devem ser rebatidos com dados melhores. Discordo, entretanto, da tese de misoginia como motivadora das críticas, defendida em recente artigo da própria Pasternak. Poucas pessoas, homens ou mulheres, tiveram mais holofotes para falar sobre ciência nos últimos anos.

É um livro prepotente? Talvez. Duro? Sim. Mas honesto porque desde o início está descrita a forma de olhar para o mundo dos seus autores e sua definição de ciência. Foram fiéis a esses princípios durante todo o livro.

Por fim, me arrisco a dizer que a maioria das pessoas define ciência em um meio-termo entre Popper e Feyerabend. Mais próxima a este. E ele diria que Pasternak e Orsi acreditam existir um monstro: a ciência. E que quando ele fala repete uma única mensagem coerente. Que bobagem! é um dos filhos mais diletos que o monstro já pariu.

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