Descrição de chapéu Tendências Debates

Outras bobagens

Livro de Pasternak e Orsi investe contra os adversários errados

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Juliana Belo Diniz

Pesquisadora, psiquiatra clínica e psicanalista, é doutora com pós-doutorado em psiquiatria (USP)

No seu livro mais recente ("Que Bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério", (ed. Contexto), a dupla Natalia Pasternak e Carlos Orsi ataca novos e velhos adversários: de astrologia e deuses astronautas a todas as formas de psicoterapia, com especial virulência dirigida contra a psicanálise. Somente a terapia cognitivo-comportamental ganha alguns pontos por, segundo eles, pelo menos tentar (sem conseguir) se provar eficiente.

Durante a pandemia, Pasternak, alguém que abandonou a academia para se dedicar à comunicação científica e que nunca exerceu qualquer atividade clínica, ganhou notoriedade como suposta voz da sensatez, pronta a combater o obscurantismo promovido pelo governo da época e por grupos anticiência e antivacina.

A microbiologista e divulgaroda científica Natalia Pasternak é ouvida na CPI da Covid, no Senado - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

Mas a cruzada pandêmica não era a única guerra em que Pasternak estava envolvida. Antes mesmo da pandemia, ela já lutava contra um outro inimigo: as terapias alternativas.

Para fomentar o combate, em uma palestra de 2018, ela insinua que existe relação de causa e efeito entre elementos que não têm qualquer relação entre si. Ela parte de uma sequência: primeiro veio o xampu de DNA vegetal; depois as bananas com fator de necrose tumoral; aí a dieta detox; e, mais adiante, a inclusão de terapias alternativas no sistema público de saúde e a pílula do câncer. O subtexto é que uma coisa levou a outra e que estávamos cada vez mais ameaçados.

Era muito mais provável a ciência se vir cerceada em meio à ameaça de fim das democracias, ou mesmo a humanidade ser destruída pelas mudanças climáticas, do que ser arrasada pelo suco detox de couve ou por práticas que não davam qualquer sinal de estar em expansão. Mas ela preferiu eleger os últimos como inimigos.

Em "Que bobagem!", Pasternak e Orsi repetem o expediente de 2018.

Enquanto o mundo queima, as democracias morrem, vivemos uma crise de financiamento dos sistemas de saúde, enfrentamos os desafios da mudança da composição etária da população, da piora das desigualdades, da degradação das relações de trabalho e avançamos no tempo com uma guerra interminável, Pasternak e Orsi lutam contra adversários irrelevantes ou imaginários.

Para a dupla, os problemas não são as agendas políticas de grupos de interesse que distorcem o discurso científico para negar os efeitos das atividades humanas, os custos exorbitantes da incorporação de tecnologias cada vez mais sofisticadas à medicina convencional, a nossa complicada relação com a indústria farmacêutica, a piora das condições de trabalho dos profissionais de saúde, as ameaças à liberdade de expressão e à imprensa ou os rompantes imperialistas. O problema são crenças místicas e esotéricas inexpressivas e os (parcos) salários de acupunturistas, homeopatas e psicoterapeutas.

Investir contra os adversários errados pode não ser só autoritarismo. Desviar o discurso para falsas ameaças pode ser uma estratégia. Algo capaz de corroer a ciência por dentro. Por isso, é urgente deixar claro que essa dupla definitivamente não está do lado da ciência, nem da medicina.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.