Instituto Butantan desenvolve teste capaz de detectar a leptospirose em estágio inicial

Exame convencional só identifica anticorpos quando a doença já está avançada

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São Paulo

Pesquisadores do Instituto Butantan desenvolveram em laboratório uma nova proteína para o diagnóstico da leptospirose no estágio inicial da doença. O teste é superior ao MAT (microaglutinação), que é o recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

O exame —criado pelo grupo da pesquisadora Ana Lucia Tabet Oller Nascimento, do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Butantan— detectou a leptospirose no início em mais de 70% dos pacientes que tinham obtido resultados falsos negativos nos primeiros dias de sintomas.

Para o estudo, foi utilizada uma proteína quimérica recombinante, construída de forma sintética e denominada rChi2, composta por fragmentos das dez principais proteínas de superfície da bactéria Leptospira.

Pesquisadora Ana Lucia Tabet Oller Nascimento, do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Instituto Butantan
Pesquisadora Ana Lucia Tabet Oller Nascimento, do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Instituto Butantan - Divulgação/Instituto Butantan

A proteína foi reconhecida por anticorpos tanto no início da doença, quando o MAT deu negativo, como na fase de recuperação, em 75% e 82% das amostras, respectivamente.

"No diagnóstico convencional, o soro do paciente é colocado em contato com Leptospiras vivas que se aglutinam na presença de anticorpos [resultado positivo]. O problema é que demora mais de dez dias para o indivíduo produzir esses anticorpos aglutinantes, dificultando a identificação precoce da doença", explica o primeiro autor da pesquisa Luis Guilherme Virgílio Fernandes, biotecnólogo com doutorado e pós-doutorado pelo Butantan.

"O meu orientando de doutorado e pós-doutorado, o Luis Guilherme, montou uma proteína pegando diferentes pedaços de outras proteínas já conhecidas na literatura e gerou uma nova. Nós testamos essa proteína com os soros de pacientes diagnosticados com leptospirose. A tecnologia usada foi o ELISA [que avalia a presença de anticorpos no soro de pacientes por meio da reação com antígenos]", explica Nascimento.

Não é possível afirmar quanto tempo após a infecção pela bactéria a proteína identificou a doença nos pacientes porque os pesquisadores não tiveram acesso aos prontuários.

"O que nós sabemos é que enquanto o teste convencional dá negativo nós já conseguimos ser positivos", afirma a pesquisadora. Ao diagnosticar a doença no início é possível tratá-la de forma precoce e melhorar a qualidade de vida do paciente.

O teste convencional permite o diagnóstico de 7 a 14 dias após a infecção, segundo a literatura, a depender da resposta imune de cada um. "A sequência é assim. A pessoa se sente mal, vai ao PS. Lá é colhido o soro, que vai para o laboratório de referência, o Instituto Adolfo Lutz. É encaminhado para a sorologia para ver se tem malária, dengue, leptospirose. Suponhamos que deu tudo negativo. Esse paciente vai embora, mas não sara. Depois de um tempo, ele volta ao hospital. É feita outra sorologia. E aí, é que, muitas vezes, ele é diagnosticado com leptospirose.

É importante ressaltar que o teste padrão é uma importante ferramenta para a saúde pública e a epidemiologia, e deverá continuar sendo aplicado. "Ele contém culturas de bactérias Leptospira de diferentes sorotipos, ajudando a identificar qual tipo está em maior circulação ou causando epidemias. As Leptospiras patogênicas [que causam doença] possuem mais de 200 sorotipos", esclarece a pesquisadora.

As amostras de soro utilizadas no estudo foram obtidas de pesquisadores parceiros do Instituto Adolfo Lutz e do Laboratório de Referência Nacional para Leptospirose da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

O novo diagnóstico mostrou 99% de especificidade para leptospirose e não apresentou reação cruzada com outras doenças infecciosas como dengue, malária, HIV e Doença de Chagas.

Para a pesquisa, foram utilizadas 142 amostras. Ana Lucia disse que a proteína não está pronta para ser usada e que são necessários mais estudos.

O Instituto Butantan já solicitou a patente. "O mundo inteiro tem buscado um diagnóstico mais precoce e esse teste é melhor do que o MAC, mais simples e detecta a doença mais rápido", diz a pesquisadora.

A ideia, no futuro, é desenvolver um teste rápido (semelhante ao da Covid encontrado em farmácias), utilizando a mesma proteína quimérica.

O que é leptospirose?
Doença infecciosa causada pela bactéria Leptospira interrogans. Ela é muito presente no cachorro, no rato, no porco, na vaca e na cabra. A bactéria se aloja nos rins desses animais, que a eliminam pela urina.

Como se dá a transmissão?
Pela urina de animais infectados, alimentos que tiveram contato com a água contaminada pela bactéria e não foram higienizados corretamente, em especial as frutas, os legumes e as verduras, e nas enchentes.

De que forma ocorre o contágio?
Através do consumo de alimentos mal higienizados e o contato com a urina dos animais infectados, que pode ocorrer na água das enchentes. Machucados favorecem, mas a bactéria penetra na pele mesmo quando não há lesões.

"Uma pele levantada no pé ou unha mal cortada já são suficientes para a bactéria penetrar. Estamos falando de bactérias que são microscópicas, então não precisa de um ferimento grande", afirma Lina Paola Miranda Ruiz Rodrigues, infectologista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Quais são os sintomas da leptospirose?
A doença pode ser assintomática. Quando há sintomas, o paciente tem dor no corpo e na cabeça, febre alta, de 38,5ºC, 39ºC, diarreia, náuseas, vômitos, dor na panturrilha, conjuntivite (ou olhos avermelhados). Por ser confundida com uma doença infecciosa mais frequente, muitas vezes, o atendimento é postergado.

Nas formas graves, a manifestação da leptospirose é a síndrome de Weil. "O paciente tem icterícia, hemorragia pulmonar e insuficiência renal, ele para de urinar. Ele fica sonolento, confuso e precisa ser cuidado numa UTI", explica a médica.

Os sintomas aparecem quanto tempo após a contaminação?
O período de incubação —intervalo de tempo entre a transmissão da infecção até o início dos sintomas—, pode variar de 1 a 30 dias e normalmente ocorre entre 7 a 14 dias após a exposição a situações de risco.

"Às vezes, o paciente até esquece que teve contato com água de enchente, que atravessou uma rua alagada e já passaram de 7 a 14 dias. Ele não faz a conexão com esse episódio".

"É importante recomendar para as pessoas que, nessa época de chuva, se atravessarem uma rua alagada e estiverem de sandália, chinelo, ou se forem lavar quintal com água de enchente, que lavem o pé com água limpa e sabão imediatamente. Se estiverem na rua, comprem uma garrafa de água para lavarem rapidamente e ao chegarem em casa, repitam com água e sabão", orienta Rodrigues.

"Se forem limpar uma área alagada, usem bota de borracha", finaliza.

Segundo a especialista, também é importante vacinar os cães para que não adoeçam e levem a leptospirose para dentro de casa.

De 1º de janeiro de 2023 até 4 de janeiro de 2024, a cidade de são Paulo registrou 179 casos de leptospirose com 18 mortos, de acordo com o boletim epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde. O número de infectados é menor do que o confirmado em 2022 (201), mas o de óbitos superou (20).

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