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Mulher acusa médico do SUS em Americana (SP) por inserção errada de DIU

Polícia Civil abriu inquérito para apurar o caso; prefeitura de Americana nega erro e diz que dispositivo deslocou

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São Paulo

A polícia civil instaurou inquérito para apurar um caso de lesão corporal contra a dona de casa Andréia Rodrigues do Nascimento, 42.

Ela acusa um ginecologista da UBS Dona Rosa, em Americana (a 127 km de São Paulo), de ter colocado um DIU (dispositivo intrauterino) no abdômen, e não no útero.

Introduzido no interior do útero —através da vagina—, o DIU é um método contraceptivo que impede a fecundação ou a fixação do óvulo fecundado.

Andréia Rodrigues do Nascimento, 42, acusa um médico do SUS de Americana pela inserção errada do DIU; paciente registrou boletim de ocorrência no 1º DP da cidade
Andréia Rodrigues do Nascimento, 42, acusa um médico do SUS de Americana pela inserção errada do DIU; paciente registrou boletim de ocorrência no 1º DP da cidade - Arquivo pessoal

A Prefeitura de Americana afirmou, em nota, que a inserção foi realizada da maneira correta e de acordo com os protocolos médicos. E que, 30 dias depois do procedimento, um exame de ultrassom constatou o deslocamento do DIU.

A paciente registrou um boletim de ocorrência no 1ª DP de Americana. O caso aconteceu em abril de 2023. As diligências ainda estão em andamento para o esclarecimento dos fatos, segundo a Secretaria de Segurança Pública.

Nascimento contou à reportagem que houve duas tentativas de inserção do DIU seguidas. "Eu fui no postinho. O médico colocou o primeiro DIU em mim e jogou fora porque estava errado. Aí colocou o segundo e senti muita dor. Passei muito mal. Fiquei mais de uma hora para tentar dirigir meu carro. Ele [o médico] não tinha prática para isso", relata. A prefeitura afirmou que o dispositivo foi de difícil inserção.

"Depois de um mês ele pediu um ultrassom para ver se o DIU estava no lugar certo. Não estava no meu útero, mas na minha barriga. Fui urgente para o pronto-socorro, fiquei três dias internada no Hospital Municipal de Americana, fizeram tomografia e me mandaram embora. Falaram que iriam marcar para retirar com a vídeo [videolaparoscopia] para não cortar minha barriga."

A paciente disse que sentia desconforto ao sentar, deitar, levantar e ir ao banheiro. A cirurgia para a retirada aconteceu em junho, no mesmo hospital.

"No total, fiquei dois meses com o DIU na minha barriga correndo risco de vida. Aí internei às pressas, na emergência. Fiquei uma hora na mesa de cirurgia e não achavam o DIU. Ele estava atrás do meu intestino. O médico me falou que se demorasse mais uns dias perfuraria o intestino", conta a dona de casa.

De acordo com a dona de casa, o médico que fez a inserção do DIU continua trabalhando na UBS. "Eu não quero que aconteça com outras mulheres o que aconteceu comigo. Eu quero tirar esse médico de lá. Ele é ginecologista mesmo? Para mim não é. Americana está contratando muito médico que se formou agora, sem experiência", comenta Nascimento.

O Ministério da Saúde recomenda que a colocação e retirada do DIU também podem ser feitas por enfermeiros, desde que sejam capacitados para isso, como estratégia de ampliação do acesso ao DIU no SUS (Sistema Único de Saúde). Uma nota técnica a respeito do assunto foi publicada em junho de 2023.

"E minha barriga está horrível, toda costurada. A minha cesárea está bonitinha, não dá nem para ver o corte, mas essa do DIU ficou feia demais."

A dona de casa Andréia Rodrigues do Nascimento, 42, mostra a barriga após a cirurgia para retirada do DIU
A dona de casa Andréia Rodrigues do Nascimento, 42, mostra a barriga após a cirurgia para retirada do DIU - Arquivo pessoal

Prefeitura de Americana diz que paciente não sofreu danos ou sequelas

A Prefeitura de Americana afirmou que a paciente foi atendida por um ginecologista e obstetra contratado, que a orientou sobre as vantagens e desvantagens do DIU.

De acordo com a nota enviada à reportagem, a dona de casa foi orientada sobre a possibilidade de reação do corpo ao dispositivo, que pode fazer com que ele mude de lugar ou seja expulso.

"A inserção foi realizada da maneira correta e ela foi encaminhada para exame de ultrassom 30 dias após a inserção, seguindo os protocolos médicos. No exame, foi constatado que o DIU havia se deslocado e, imediatamente, a paciente foi encaminhada para cirurgia de remoção do dispositivo. A cirurgia foi realizada no Hospital Municipal e o DIU removido", diz parte do texto.

Segundo a prefeitura, o pedido médico para a cirurgia de remoção "foi atendido de acordo com a organização do setor de Regulação, uma vez que não se tratava de emergência e a paciente não corria riscos".

A Secretaria Municipal de Saúde reforça que foram adotados todos os procedimentos preconizados pelo Ministério da Saúde. A paciente foi assistida em todo o processo e não sofreu danos ou sequelas por conta da remoção.

Perfuração de útero com DIU pode ocorrer em uma a cada 1.000 inserções

É possível colocar o DIU no abdômen? E a perfuração?
Antes da inserção é feita a medida do útero, que varia de seis a nove centímetros. O mais comum é que a perfuração aconteça neste momento. Portanto, se a medida for bem maior que nove centímetros suspeita-se de perfuração e o DIU não deve ser inserido. A explicação é da médica Ilza Maria Urbano, vice-presidente da Comissão de Anticoncepção da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).

"Então, é raro que um médico coloque o DIU dentro do abdômen. O que ocorre, na maioria das vezes, é que o DIU migra para dentro. E quando o médico vai avaliar, um mês depois, identifica que o dispositivo está dentro da pelve, no abdômen inferior. Quando não é feito por quem está qualificado, qualquer método tem mais complicação", afirma a especialista.

A perfuração uterina é um evento raro, mas pode ocorrer em uma a cada 1.000 inserções. Essa complicação é inerente ao procedimento e pode ocorrer quando todos os cuidados foram tomados.

Como saber que o DIU foi colocado errado? Quais os sinais?
Os sintomas que acontecem nesse período —como cólica, sangramento irregular ou corrimento— não são sinais exclusivos de DIUs que estejam mal colocados. Podem acontecer mesmo com o DIU inserido corretamente, mas em situações normais não costumam ser muito intensos.

Durante a inserção do DIU, o médico bem treinado e experiente tem a percepção se o procedimento foi fácil e dentro do esperado. Em mais de 80% dos casos, é simples e não exige nenhum exame a mais. A mulher é orientada a procurar o serviço de saúde para revisão após um mês da colocação.

"Neste momento, a visualização do fio do DIU e o toque vaginal confirmam se o dispositivo não está sendo expulso pelo útero. Além disso, a mulher pode aprender a perceber o fio do DIU saindo pelo colo uterino, através de um autoexame de toque vaginal", diz Ilza Maria.

Em casos onde houve dificuldade na inserção, o médico realiza ou solicita um ultrassom (em geral, transvaginal), para avaliação da posição do DIU dentro do útero.

Quais as consequências de um DIU mal inserido?
Em relação à gravidez, ainda não se sabe ao certo, se o DIU baixo tem eficácia diminuída, mas ele é trocado para evitar a expulsão.

As consequências dos DIUs mal posicionados podem ser dor mais intensa, dores durante a relação sexual ou gravidez não planejada (em geral, por expulsão não percebida).

A posição correta do DIU dentro do útero é acima do orifício interno do colo uterino. Às vezes, o DIU fica em posição mais baixa, descendo para dentro do canal cervical (dentro do colo). Quando isso acontece, existe o risco de ser expulso pelo orifício externo do colo. A mulher pode perceber o DIU saindo pelo colo através de um toque vaginal. O diagnóstico de expulsão é importante, pois caso não seja percebido e a mulher continue tendo relações sexuais desprotegidas, a gravidez não planejada pode acontecer.

Quando o DIU encontra-se penetrando a parede do útero, considera-se como uma perfuração parcial. Nesses casos, a cólica pode ser mais intensa.

O DIU em posição baixa pode estar mal colocado, mas um DIU que foi colocado em posição correta, pode estar sendo expulso, o que ocorre com 2% a 5% dos dispositivos. Essa taxa é um pouco maior se ele foi colocado no pós parto imediato.

O que a paciente deve fazer ao desconfiar que pode estar com problemas em relação ao implante do DIU?
Procurar um serviço de saúde para ser avaliada sempre que houver sintomas mais intensos, como dor em baixo do ventre e dor importante durante a relação sexual, por exemplo.

"Caso apresente febre e corrimento, principalmente no primeiro mês após a colocação, deve procurar atendimento rápido, pois pode estar com infecção nas trompas uterinas", finaliza a médica.

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