Descrição de chapéu

Série da Amazon sobre Manchester City é ode a Guardiola

Rico em imagens de bastidores do clube, documentário mostra história de só um lado

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São Paulo

All or Nothing: Manchester City

​“O técnico do Manchester City, Pep Guardiola, sabe como vencer.”

Na voz do ator Ben Kingsley, vencedor do Oscar de 1982, a frase abre a série “All or Nothing: Manchester City”, lançada pelo Prime, plataforma de streaming da Amazon.

Em oito episódios, o documentário mostra os bastidores da equipe na temporada 2017-2018 que terminou com a conquista do campeonato inglês e da Copa da Liga do país.

A Amazon já havia lançado outras séries esportivas com o mesmo nome. Arizona Cardinals, Los Angeles Rams, Dallas Cowboys (da NFL), Michigan Wolverines (de futebol americano universitário) e os All Blacks (a seleção da Nova Zelândia de rúgbi) tiveram um ano acompanhados pela equipe de filmagem da empresa.

A Amazon pagou cerca de R$ 50 milhões ao Manchester City para ter acesso aos vestiários, centro de treinamento, comissão técnica e jogadores. O clube tinha direito a veto se quisesse que alguma imagem não aparecesse na versão final.

O título do documentário tem o nome do clube mas, no fundo, poderia ser “All or Nothing: Pep Guardiola”.

Do primeiro ao último episódio, o treinador espanhol é o herói. Em um espaço de segundos, é chamado de “artista”, “gênio”, “Michelangelo” do futebol. É uma tentativa de canonização de Guardiola, que tenta na nova temporada, iniciada neste mês, a conquista da Liga dos Campeões da Europa pelo City. Ele é mostrado beijando os jogadores e cantando músicas em homenagens a eles (como a de Kevin de Bruyne).

Como para cada herói existe um vilão, o escolhido é José Mourinho, técnico do Manchester United e rival de Guardiola desde os tempos de Real Madrid e Barcelona.

Na apresentação da partida entre as duas equipes no primeiro turno, Kingsley lê o roteiro que define que o time de Guardiola vai a campo para atacar, jogar futebol. Mourinho quer se defender. Ou como é chamado depois, o português é “maquiavélico.”

“Minha primeira reação é que se você é um clube rico, pode comprar jogadores top, mas não pode comprar classe. Minha segunda reação é que se eu estou no filme deles, vou cobrar royalties”, disse Mourinho após o lançamento do documentário, o considerando desrespeitoso.

Guardiola respondeu não ter considerado o filme ofensivo ao adversário, mas deixou claro que a edição final foi de responsabilidade da Amazon.

Não que o catalão não mereça reverência e sua carreira como técnico mostra que sim. A cena em que confessa não ter todas as respostas, mas que faz os jogadores acreditarem que sim porque assim entram em campo confiantes, é primorosa. Mas em vários momentos, a série resvala no exagero.

Por ter acesso a momentos não vistos pelo público de um time campeão e recheado de atletas importantes, o documentário ganha fôlego quando mostra pós-jogo e treinamentos. Surpreende também com personagens inusitados, como o roupeiro ou as funcionárias da lavanderia.

A narrativa e a forma de mostrar a campanha é tirada de estilo criado pela NFL Films, empresa que realiza os documentários no futebol americano profissional.

Há uma grandiloquência que tenta transformar partidas mornas em epopeias. Como jogos que o City venceu com facilidade e por goleada, por exemplo. Ou a lesão do lateral Mendy que tenta convencer que o Manchester City, um dos times mais ricos do planeta, estará em apuros por ter perdido o lateral francês.

A trilha sonora vai fundo na fonte do rock de Manchester, com The Smiths, Joy Division e Oasis. Noel Gallagher, guitarrista e compositor desta última, aparece no documentário, assim como Johnny Marr, guitarrista do The Smiths. É um ponto alto.

Rico em imagens interessantes sobre os bastidores da elite do futebol, “All or Nothing: Manchester City”, é uma espécie de “Player’s Tribune” (site com textos teoricamente de esportistas de elite) para TV. É muito profissional e bem feito, mas tem o problema de ser a narrativa de um lado só. Não tem outro lado. Deixa a sensação de ser chapa branca e transborda de uma reverência cansativa.

Nos primeiros minutos do episódio inicial, há até um elogio para o sheik Mansour bin Zayed Al Nahyan, dono do Abu Dhabi United Group, empresa que comprou o clube em 2008. Ele seria um benfeitor da comunidade em Manchester. Quando os jogadores viajam durante a temporada para um período de treinos em Abu Dhabi, o nome de Al Nahyan e seu cargo é mostrado em letras garrafais.

O dirigente é vice-primeiro-ministro e membro da família real dos Emirados Árabes. O país, segundo relatório deste ano da ONU, comete “sérias agressões à liberdade de expressão de seus residentes. Residentes da região que falam sobre questões de direitos humanos estão em sérios riscos de detenção arbitrária e tortura.”

Era melhor ter usado estes segundos dedicados ao sheik para fazer mais elogios a Pep Guardiola. Pelo menos ele merece.


 

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