Fifa resiste em utilizar VAR na Copa feminina e decepciona jogadoras

Infantino elogiou tecnologia, que está presente em larga escala no futebol masculino

Andrew Keh
Paris | The New York Times

Perto do final da Copa do Mundo de futebol masculino, em julho, Gianni Infantino, o presidente da Fifa, aproveitou sua última entrevista coletiva para cobrir de elogios o sistema de assistência por vídeo à arbitragem (VAR, na sigla em inglês), que havia sido empregado pela primeira vez no torneio. Infantino declarou que "se tornou difícil imaginar uma Copa do Mundo sem o VAR".

Resta determinar se Infantino estava falando apenas do futebol masculino, ao basicamente afirmar que essa tecnologia é indispensável.

Para decepção de algumas das principais jogadoras e treinadoras do futebol feminino, a Fifa, organização que comanda o futebol mundial, não confirmou se o VAR será usado na Copa do Mundo feminina do ano que vem. Para alguns observadores, caso a organização decida não tirar vantagem dessa tecnologia - que já está em uso em larga escala nas ligas nacionais de futebol masculino e em breve começará a ser empregada na Uefa Champions League, a competição interclubes mais importante do futebol -, isso seria um novo sinal de que ela encara as mulheres como cidadãs de segunda classe.

Mulher opera computadores do árbitro de vídeo, na Copa do Mundo
Sala de operação do VAR (sistema de árbitro de vídeo) montada no Centro Internacional de Transmissão em Moscou. - Divulgação

"Os homens tiveram o VAR em sua Copa do Mundo", disse Becky Sauerbrunn, veterana zagueira da seleção dos Estados Unidos. "As mulheres deveriam ter o mesmo".

As mulheres da seleção americana e sua treinadora, Jill Ellis, vêm expressando claramente sua opinião de que o VAR deveria ser usado em seu torneio, em junho do que ano que vem. Há diversas outras questões, mais prementes, no futebol feminino, elas reconhecem, e diversas iniciativas que poderiam ter efeitos maiores sobre o esporte.

Mas aos seus olhos, o VAR é uma escolha óbvia - uma maneira fácil de melhorar o esporte e, além disso, simplesmente a coisa certa a fazer, especialmente para a Fifa, que vem enfatizando seus esforços para promover a igualdade entre os sexos no esporte.

"Quando o sistema apareceu inicialmente, não gostei dele", disse Sam Kerr, atacante da seleção australiana, à rede de TVF SBS, em outubro. "Mas depois de assistir a jogos em que o sistema foi e não foi usado, e de vê-lo ajudar a confirmar que uma bola não entrou no gol, acredito que funciona".

Ainda assim, a seis meses da partida de abertura da Copa do Mundo e dias antes do sorteio que definirá os grupos para a competição, o fato de que a Fifa não tenha revelado sua decisão sobre o VAR no torneio incomoda algumas jogadoras.

"Eles não ligam para o futebol feminino, não da mesma maneira que ligam para o futebol masculino", disse Megan Rapinoe, atacante da seleção americana. "Não quero dizer que toda e qualquer coisa tenha que ser igual. Compreendo que, comercialmente, o futebol masculino é muito maior e traz mais dinheiro. Mas há coisas que deixam bem claro que eles não ligam para nós, ou na verdade nem mesmo pensam em nós".

Ellis disse que participou de um seminário de treinadores em Zurique, em outubro, no qual um dirigente da Fifa explicou que a organização havia estipulado março como data-limite para a decisão de se implementar a tecnologia de vídeo para uso no torneio feminino.

Ellis disse que ela e seus colegas continuaram a pressionar pelo uso do sistema na competição - ela definiu a questão como "imensamente importante" - e que não haviam gostado daquilo que veem como desculpas preventivas para seu não uso, por exemplo a falta de tempo para treinar as equipes de arbitragem femininas no uso do VAR.

Um porta-voz da Fifa afirmou em email que "continuamos em fase de avaliação", mas se recusou a acrescentar outros comentários sobre o processo. No entanto, é possível que a organização esteja trabalhando discretamente em uma solução.

Esta semana a Fifa apontou 27 árbitros e 48 bandeirinhas - todos mulheres - para a Copa do Mundo do ano que vem.

Este mês, em Abu Dhabi, as equipes de arbitragem selecionadas participarão do primeiro de diversos seminários de treinamento antes da Copa do Mundo. O programa do primeiro seminário inclui, no momento, sessões cujo foco será a revisão em vídeo, de acordo com uma pessoa informada sobre o calendário do evento. Isso aponta que a Fifa fará um esforço para começar a treinar as juízas quanto ao uso do sistema VAR, ainda que não ofereça garantia de que será usado na Copa.

O sistema de revisão por vídeo da Fifa emprega um árbitro assistente de vídeo, trabalhando no local do jogo ou em um local remoto, além de uma equipe adicional de quatro árbitros em campo. O uso do VAR requer treinamento especializado, de acordo com diversos juízes experimentados no uso de sistema, e os juízes de campo teriam de praticar procedimentos de comunicação com a equipe de vídeo em um ambiente de jogo ao vivo.

Isso levou alguns observadores a imaginar uma situação hipotética (entre muitas) na qual um grupo de árbitros homens treinados no uso do sistema de vídeo - a grande maioria dos árbitros treinados no uso do sistema é de homens, no momento - poderia ser adicionado ao quadro 100% feminino de arbitragem da Copa. A decisão seria controversa - a Copa do Mundo feminina há muito tempo é arbitrada apenas por mulheres - mas Ellis a apoia.

"Que eles contratem homens para a cabine, então", disse Ellis sobre a ideia de que talvez não haja tempo para treinar mulheres para o papel. "Não ligo para o gênero dos árbitros. Quero igualdade".

Rapinoe disse que as dúvidas sobre o uso do VAR na Copa do Mundo feminina eram um pequeno exemplo de um problema mais amplo que continua a prejudicar a administração do futebol feminino no cenário mundial. As lembranças sobre o debate que emergiu antes da Copa do Mundo feminina do Canadá, em 2015, sobre o uso de campos com gramados artificiais continuam frescas em sua memória.

"Seria bacana, em termos gerais, que quando as organizações do futebol mundial estivessem lançando alguma nova iniciativa, nova tecnologia, qualquer coisa de novo, o fizessem para todo o esporte", disse Rapinoe. "Para mim é como se tivéssemos de ficar cobrando constantemente - 'ei, e o nosso lado? E o nosso lado?'"

"É realmente frustrante e decepcionante, e nos causa a sensação de que resmungamos o tempo todo. Temos de chamar a atenção dos dirigentes para essas coisas o tempo todo".

Enquanto isso, o uso de sistemas de revisão por vídeo continua a avançar no futebol masculino. Esta semana, a Uefa, a organização que comanda o futebol europeu, anunciou que o VAR entraria em uso em diversos torneios, entre os quais nas rodadas de mata-mata da Champion Leagues, a partir do ano que vem, e as finais dos torneios Europa League e Liga das Nações. A Premier League da Inglaterra já aprovou o uso do VAR a partir da próxima temporada.

As jogadoras da seleção americana disseram que ficariam tristes mas não surpresas se a Copa do Mundo do ano que vem acontecesse sem o uso da tecnologia de vídeo. Mas como todo mundo mais, só podem esperar para ver o que a Fifa decide.

"Continuo a ter esperanças de que eles façam a coisa certa, disse Sauerbrunn. "Pelo menos uma vez".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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