Descrição de chapéu The New York Times

Rússia coloca Wada em nova encruzilhada na luta contra o doping

Entidade sofre críticas de atletas e terá que decidir sobre futuro russo no esporte

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Kevin Draper
Montreal (Canadá) | The New York Times

Nesta segunda (14) e terça-feira (15), o comitê de revisão disciplinar da Associação Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês) vai se reunir em Montreal, onde fica a sede da organização, para discutir um problema que se recusa a desaparecer –os laboratórios antidoping da Rússia e o que fazer sobre o não cumprimento pelo país de um importante prazo expirado no final de 2018.

Não importa qual seja a recomendação do comitê –e as possibilidades variam da inação à exclusão de equipes russas de diversas competições, passando por uma advertência formal desacompanhada de sanções – a longa história sobre as irregularidades dos laboratórios antidoping russos deve continuar.

O que está em jogo é a credibilidade da principal organização mundial de combate ao doping, que nos últimos meses vem sofrendo críticas severas dos atletas, para os quais a organização permitiu que um país renegado ignorasse com impunidade suas tentativas de impor as normas.

Olivier Niggli, diretor geral da Wada, palestra durante evento da entidade.
Olivier Niggli, diretor geral da Wada, durante evento da entidade. - Denis Balibouse-21.mar.18/REUTERS

Em carta aberta encaminhada na semana passada a Jonathan Taylor, presidente do comitê de revisão disciplinar da Wada, o biatleta sueco Sebastian Samuelsson escreveu que "dado que a crise do doping envolvendo a Rússia é a mais grave da história, e o fato de que muitos atletas perderam vergonhosamente posições de pódio, sem mencionar recompensas financeiras, por conta do sistema de doping patrocinado pelo Estado, a questão requer boa liderança e comunicação aberta e honesta - duas coisas que foram muito negligenciadas pela atual Liderança da Wada".

Os líderes da Wada declararam que continuam comprometidos a limpar o esporte e a responsabilizar a Rússia por seus delitos.

Cerca de quatro anos depois que a corrupção no processo de testes de drogas pela Rússia foi exposta inicialmente, o comitê executivo da Wada decidiu por nove votos a dois autorizar que a Rússia volte a ser responsável por testar seus atletas quanto ao uso de substâncias que melhorem seu desempenho, ainda que o país não tenha cumprido todas as cláusulas do acordo disciplinar.

A agência antidoping russa foi desqualificada em 2015, depois da descoberta de um grande esquema de doping patrocinado pelo Estado. Embora cerca de 160 atletas russos tenham sido liberados para competir na Olimpíada de Inverno de 2018, em Pyeongchang, Coreia do Sul, eles o fizeram como "Atletas Olímpicos da Rússia" e não como uma delegação oficial do país, e a Rússia continua a ser um membro controvertido da comunidade esportiva internacional. Em 2016, os atletas russos precisaram, obter permissões especiais das federações de suas modalidades para competir na Olimpíada do Rio.

Cada federação lidou com a situação de modo diferentes. Algumas, como a Associação Internacional de Federações de Atletismo, proibiram todos os atletas russos de competir, desde 2015. Outras, como a Fifa, que comanda o futebol, permitiram a participação russa.

O recredenciamento dos laboratórios da Agência Antidoping Russa tinha certas condições, todas as quais a Rússia acatou. A mais importante envolvia a entrega pelos russos de dados de seus laboratórios antidoping corrompidos, até o final de 2018. Numerosas equipes da Wada foram enviadas à Rússia mas não receberam os dados, e o prazo se esgotou sem que a Rússia cumprisse o prometido.

Na semana passada, uma equipe de três pessoas da Wada em Moscou foi enfim admitida ao laboratório para começar a recolher dados. Os dados de computadores buscados pelos investigadores da Wada haviam sido selados pelas autoridades russas, o que criou a bizarra situação de a Agência Antidoping Russa ter de insistir junto ao governo do país para que este cooperasse com a Wada na investigação de seus laboratórios.

Não estava claro se o trabalho seria concluído antes do início da reunião do comitê de revisão disciplinar na sede da Wada, segunda-feira, ou se as autoridades russas criariam mais obstáculos. Mas mesmo que o trabalho seja concluído, é altamente improvável que os dirigentes da Wada sejam capazes de certificar rapidamente que os dados são autênticos e estão completos, e alguns céticos não confiarão nos dados entregues, não importa o que aconteça, por a Rússia não ter cumprido o prazo.

"Na segunda-feira, perguntarei se recebemos os dados e, se a resposta for negativa, a discussão será curta", disse Taylor, advogado radicado em Londres. Ele estava dando a entender que, se os dados estivessem incompletos, o comitê não teria escolha a não ser recomendar uma declaração de que a Rússia violou o acordo.

Se isso acontecer, a futura participação de atletas russos em competições internacionais voltará a ficar em dúvida, situação que grandes organizações esportivas como o COI estão desesperadas por evitar.

Diversas figuras esportivas apelaram por uma declaração de que a Rússia violou o acordo, ao descumprir o prazo. O comitê de atletas da Wada, por exemplo, afirmou esperar que uma violação do acordo pela Rússia seja declarada, e que qualquer coisa menos do que isso seria considerado como "inação da Wada em defesa dos atletas limpos".

Travis Tygart, presidente da Agência Antidoping dos Estados Unidos e crítico ferrenho do tratamento da Wada quanto à questão russa, expressou cautela na sexta-feira.

"É claro que, se as informações procedem, é bom que os sinais que estão surgindo da Wada sejam de que sua equipe foi admitida ao laboratório de Moscou", ele declarou em comunicado. Mas enquanto o procedimento não for concluído, sua opinião é de que deve ser declarado que a Rússia violou o acordo.

Mesmo que a Wada obtenha todos os dados, administrar o processo continua complicado. "A questão será o que fazer a seguir, o que fazer sobre o fato de que eles se atrasaram, o que fazer sobre o fato de que não sabemos ainda se os dados são autênticos", disse Taylor.

O comitê fará uma recomendação e a enviará ao comitê executivo da Wada, que deve se reunir mais tarde em janeiro.

O comitê executivo, que geralmente segue as recomendações do comitê de revisão disciplinar, pode optar por não agir, e permitir que o recredenciamento russo seja confirmado. Se decidir solicitar uma vez mais a suspensão dos laboratórios antidoping russos, deve enviar uma carta declarando o não cumprimento do acordo e delineando as consequências disso. A Rússia então teria 21 dias para decidir se acata a declaração ou se prefere contestá-la diante da Corte Arbitral do Esporte.

Se a Wada se recusar a declarar que a Rússia descumpriu o acordo, o próximo prazo vence em 30 de junho. Até lá, a Rússia precisa submeter quaisquer amostras armazenadas de material fornecido por atletas que a Wada deseje examinar, com base nos dados.

Os dados que a Wada busca consistem de cerca de 10 mil amostras suspeitas de conter doping. Presumindo que a Wada constate que algumas dessas amostras contêm indicações de doping, caberá às dezenas de federações esportivas individuais abrir casos e acusar atletas.

Em outras palavras, quer haja, quer não haja uma declaração de que a Rússia descumpriu o acordo, as consequências do esquema de doping do país continuarão a ser fazer sentir ao longo de 2019, especialmente diante do campeonato mundial de atletismo que será disputado em setembro em Doha, no Qatar.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.