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Tênis Nike rasgado expõe poder de marcas no esporte universitário dos EUA

Zion Williamson se lesionou após problema no calçado durante partida de basquete

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Zion Williamson tira o tênis rasgado durante derrota de Duke para North Carolina
Zion Williamson tira o tênis rasgado durante derrota de Duke para North Carolina - Streeter Lecka/AFP
Kevin Draper Marc Tracy
Nova York | The New York Times

Quando o tênis esquerdo do maior astro do basquete universitário americano se desmantelou aos 30 segundos de jogo, em uma partida transmitida em rede nacional de TV no Estados Unidos, na quarta-feira (20), o que ficou exposto foi não só seu pé, mas questões sobre o futuro de um jogador muito cobiçado, e sobre a imensa influência dos fabricantes de calçados sobre o basquete universitário de elite.

O episódio ocorreu em uma partida entre a Universidade Duke e a Universidade da Carolina do Norte, arquirrivais da modalidade. Zion Williamson, calouro na equipe da Duke, rodopiou na altura da marca do lance livre, e a força bruta de seu corpo de 130 quilos, somada à versatilidade acrobática de seus movimentos, parece ter rachado praticamente ao meio o tênis que ele estava usando, como se o calçado tivesse sido cortado com uma faca afiada.

O ex-presidente Barack Obama, que estava assistindo ao jogo no ginásio da Duke, foi visto na TV apontando para Williamson e aparentemente dizendo: "O tênis dele quebrou".

A cena foi reprisada inúmeras vezes nos programas esportivos da quinta-feira, e o tênis desmantelado ameaçou se tornar um pesadelo para a Nike, que paga dezenas de milhões de dólares a programas esportivos universitários de elite para patrociná-los, e ser sua fornecedora exclusiva de calçados.

Com o calçado rasgado e uma torção no joelho, Williamson, visto como futuro astro do esporte, ficou sentado no chão da quadra, olhando para o tênis que ele usa em parte por conta de um polpudo contrato de patrocínio entre a Nike e a Universidade Duke, uma das mais ricas do planeta. Williamson joga sem receber pagamento.

Lá estavam todas as grandes questões do esporte universitário de elite, expostas: será que o amadorismo deve ser abandonado no esporte universitário, dando aos atletas uma participação no dinheiro que ajudam a gerar? Um talento prodigioso como Williamson, que tem capacidade para jogar desde já no basquete profissional, deveria ariscar seu futuro competindo de graça porque as regras da NBA o proíbem de sair direto do segundo grau para o profissionalismo? Os fabricantes de calçados, que tiveram posição central em um julgamento federal por fraude perto do começo da temporada, mais atrapalham que ajudam o esporte universitário?

Há um quarto de século a Nike paga milhões de dólares ao ano à Universidade Duke para patrocinar suas equipes, e garantir que os atletas da universidade usem apenas os calçados que portam o onipresente logotipo da empresa. Os jogadores recebem calçados suficientes para toda a temporada, o que os torna basicamente outdoors ambulantes gratuitos para a marca.

"Tudo isso está colocando sob a lente de aumento uma questão que existe há muito tempo", disse Gabe Feldman, que comanda o programa de leis esportivas da Universidade Tulane.

Williamson não comentou.

As ações da Nike fecharam a quinta-feira em baixa de 1,05%, enquanto o mundo tentava descobrir como um calçado podia rasgar ao meio tão completamente durante um jogo.

A resposta continua a ser um enigma até mesmo para os especialistas. James Gilbert, cirurgião ortopédico que trabalhou no departamento de atletismo da Duke na década de 1990, disse que já havia visto colapsos semelhantes nas chuteiras de futebolistas, mas nunca em uma quadra de basquete.

"Creio que seja um defeito no produto", disse Gilbert. "Nunca vi coisa parecida. Não fazia ideia de que pudesse acontecer".

Em comunicado divulgado na noite de quarta-feira, a Nike declarou que "estamos obviamente preocupados, e desejamos pronta recuperação a Zion. A qualidade e desempenho de nossos produtos têm a máxima importância". A declaração define a explosão do calçado como "uma ocorrência isolada", ainda que em 2015 o maratonista queniano Eliud Kipchoge tenha vencido a Maratona de Berlim depois que as palmilhas de suas sapatilhas da Nike saíram do lugar.

Williamson, que sofreu uma leve torção no joelho, provavelmente ficará fora das quadras por uma ou duas semanas, e depois retomará sua posição de franco favorito como primeira escolha no draft da NBA, em junho. Quando o draft chegar, é provável que ele já seja milionário, porque estará livre para assinar contratos de patrocínio assim que encerrar sua carreira no esporte universitário. Por enquanto, ele continua amador, jogando na NCAA, a confederação americana de esportes universitários.

Os fabricantes de calçados começaram a se envolver pesadamente no atletismo universitário no final da década de 1970, quando um executivo inovador da Nike, Sonny Vaccaro, fechou contratos de patrocínio com diversos treinadores conhecidos, como John Thompson, da Universidade Georgetown, e Jerry Tarkanian, da Universidade do Nevada em Las Vegas, para que as equipes dirigidas por eles usassem os calçados da companhia. A partir do final dos anos 80, a Nike começou a assinar contratos que cobrem todas as equipes esportivas de uma universidade.

"Agora vemos a garotada usando os tênis e vendendo os produtos no mundo todo –e os garotos continuam a ganhar coisa nenhuma", disse Vaccaro, que saiu da Nike há muitos anos. "O dinheiro serviu a muitas pessoas, menos as mais importantes".

Uma decisão sobre um processo judicial coletivo que contesta as restrições da NCAA à remuneração de atletas deve ser anunciada em breve.

Os jogadores de basquete de primeira linha tiveram de enfrentar restrições ainda maiores a partir de 2006, quando a NBA proibiu que adolescentes talentosos seguissem os passos de Kobe Bryant, Kevin Garnett e LeBron James e entrassem na liga diretamente, ao concluir o segundo grau.

Em setembro de 2017, a procuradoria federal no distrito sul de Nova York expôs ainda mais a profunda disparidade entre os jogadores universitários de basquete, que só podem receber bolsas de estudo e custos associados, e os administradores e treinadores que colhem o benefício das receitas gerada pelos atletas para suas universidades, para as conferências regionais de cada esporte e para a NCAA mesma. O torneio masculino de basquete universitário gera receita anual de cerca de US$ 1 bilhão em direitos de transmissão.

Williamson deixa a quadra com o tênis rasgado na mão
Williamson deixa a quadra com o tênis rasgado na mão - Rob Kinnan/USA TODAY Sports

Em três queixas apresentadas ao tribunal federal do distrito sul de Nova York, a procuradoria pública acusou cerca de uma dúzia de treinadores assistentes, intermediários e empregados da Adidas de conspirar para transferir dinheiro às famílias de alguns atletas, em troca de compromissos de que os jogadores defenderiam certas universidades e assinariam com a Adidas como patrocinadora, em suas carreiras profissionais.

O escândalo levou à demissão de um treinador que está no Hall da Fama do Basquete, Rick Pitino, da Universidade de Louisville, e resultou em três condenações, entre as quais a do antigo diretor mundial de marketing esportivo da Adidas.

As transações delineadas na queixa são essencialmente o modus operandi de muitos dos principais programas de basquete universitário, apontaram documentos e depoimentos sobre o caso. Escutas telefônicas revelaram suspeitos que descrevem o envolvimento de pelo menos um rival da Adidas em práticas semelhantes. Documentos sobre o caso divulgados pelo Yahoo Sports no ano passado indicavam que diversos jogadores de elite em dezenas de programas universitários de basquete famosos –entre os quais o da Duke– haviam recebido dinheiro de um aspirante a agente, mais tarde condenado por fraude.

A Universidade Duke não respondeu a pedidos de comentários na quinta-feira.

Os detalhes específicos do acordo entre a Duke e a Nike, que foi recentemente estendido até 2027, não são conhecidos publicamente. A Universidade Duke é uma instituição privada e não tem obrigação de revelar os detalhes.

Mas um estudo de acordos entre a Nike e universidades públicas semelhantes oferece alguma indicação de como eles funcionam.

O acordo entre a Nike e a Universidade da Carolina do Norte, por exemplo, vale mais de US$ 90 milhões em dinheiro e produtos para a universidade, em 10 anos. A Nike também tem contratos pessoais de patrocínio com diversos treinadores da universidade: Roy Williams, que comanda a equipe de basquete masculino, receberá em média US$ 300 mil anuais, pela duração do contrato.

Os contratos em geral dispõem que a Nike não é responsável por lesões sofridas pelos atletas que estejam usando seus produtos. Os contratos também requerem que todos os jogadores usem os calçados da companhia a menos que problemas médicos os tornem inadequados.

Como estipula o contrato entre a Nike e a Universidade do Michigan, um jogador teria de se submeter a exame pela Nike ou um médico local antes de ser autorizado a usar um calçado fabricado por outra empresa.

Não se sabe por que Williamson estava usando o modelo que se desmantelou na quarta-feira. Era um dos modelos "assinados" da Nike, ou seja, um calçado endossado por um determinado atleta –no caso, Paul George, que joga pelo Oklahoma City Thunder na NBA.

O que faz de Williamson uma figura tão atraente em quadra talvez seja a mesma coisa que impossibilita que um tênis o aguente. Williamson combina tamanho e velocidade com força e agilidade, como LeBron James, que em uma noite de folga este mês foi a Charlottesville, Virgínia, para ver o jogo entre os Blue Devils, de Williamson e a Universidade da Virgínia. Embora Williamson pese 130 quilos, em muitos momentos ele parecia ser o jogador mais rápido em quadra.

"Quando você está lidando com alguns desses atletas que estão se tornando mais rápidos, mais fortes, mais ágeis, isso é algo que temos de levar em conta", disse o ortopedista Gilbert.

Tradução de Paulo Migliacci

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