"Tudo nos une e nada nos separa." O discurso de Coelho Neto, delegado brasileiro no Congresso Sul-Americano de Futebol no Rio de Janeiro, precedeu o início da Copa América de 1919. Foi aplaudido pelos presentes também quando disse que nenhum país aspirava a hegemonia sobre os outros. Em campo, o Brasil foi campeão pela primeira vez.
Cem anos depois e antes do clássico entre Brasil e Argentina pela semifinal do torneio continental, o crescimento da rivalidade e a intolerância entre as torcidas dos dois países preocupam Ronaldo George Helal, professor da Faculdade de Comunicação Social da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e estudioso das relações entre brasileiros e argentinos no futebol.
Para ele, cada vez menos nos une e mais nos separa. E a culpa disso seria dos brasileiros.
"Não há mais como falar em relações jocosas, em brincadeiras. O que existe cada vez mais é intolerância. E quem começou essa provocação foi o Brasil", afirma o também doutor em sociologia pela Universidade de Nova York.
Helal não considera mais válida a afirmação do fundador do diário esportivo Olé, de Buenos Aires, Walter Vargas, de que os brasileiros amam odiar os argentinos e os argentinos odeiam amar os brasileiros. Isso ficou no passado. Na rivalidade do futebol, o ódio superou o amor com folga.
No ano passado, a diretoria do Independiente pediu para sua torcida não chamar os brasileiros de macacos antes de um jogo da Libertadores contra o Santos. Em confronto entre Racing e Vasco, em Buenos Aires, também pelo torneio sul-americano, pessoas que estavam na arquibancada imitaram macacos em ofensa racista aos brasileiros.
"Argentino só faz merda", disse o meia Thiago Galhardo, então no Vasco.
O ex-volante Baiano, que jogou no Boca Juniors, diz que a situação piorou depois de 2005, quando o zagueiro Desábato foi preso no Morumbi em partida entre São Paulo e Quilmes por ter chamado o atacante Grafite de "macaco".
Helal reconhece esse problema, mas considera errado tomar essa atitude como da totalidade da torcida argentina. "São casos isolados", afirma.
Ao analisar os jornais de Buenos Aires nas Copas de 1970 a 2002, Helal percebeu que, até a Copa de 1998, era muito comum um argentino, se a sua seleção estivesse fora da disputa, torcer pelo Brasil. Mas a recíproca não era verdadeira. Mesmo porque a Argentina tem rivais maiores no futebol, como o Uruguai, e na política, como Inglaterra e Chile. Os brasileiros rivalizam apenas com os argentinos.
"Até a popularização da internet, os argentinos não tinham ideia do que os brasileiros falavam. Havia um quadro em um programa humorístico [Zorra Total, da Rede Globo] que tinha como única finalidade zombar de argentino. Eles começaram a revidar e os brasileiros ficaram com raiva", diz Helal, que percebeu a mudança de comportamento após o Mundial de 2006.
Sem a separação de torcidas, há o temor não declarado de que possa haver problemas no Mineirão. A disputa nos cantos e nas ironias durante a partida entre Argentina e Venezuela, no Maracanã, em que o público brasileiro começou a puxar gritos contra o rival, causou tensão.
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