Mulher preserva a memória de sobrevivente do título do Palmeiras

Brandãozinho esteve na Copa Rio-1951, que clube considera Mundial

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Boa Esperança do Sul (SP)

Recostado no sofá de casa, José Carlos Silveira Braga pede para a mulher se sentar ao seu lado para ver futebol. Ela não se empolga muito, mas faz a vontade do marido. Os dois assistem às partidas de mãos dadas.

José Carlos é Brandãozinho o último jogador sobrevivente do título da Taça Rio conquistada pelo Palmeiras em 1951. Troféu que o clube considera o seu mundial. Aos 89 anos, a memória falha, a capacidade de articular as frases também. É por isso que a francesa Andrée Suzanne Silveira Braga, 88, está sempre ao seu lado. Ela é a guardiã das histórias do marido. Entre elas, as da Taça Rio.

Brandãozinho atuou pelo Palmeiras por dois anos, entre 1950 e 1952. Também foi campeão paulista em 1950, antes de viajar para a Europa e ser o segundo brasileiro a atuar no futebol francês, depois do atacante Yeso Amalfi.

Fez parte do elenco que conquistou a competição de 1951 no Maracanã ao empatar em 2 a 2 com a Juventus (ITA) no Maracanã que recebia 100 mil pessoas.

Todos os recortes de jornais, fotos, faixas e troféus que o casal tem em seu arquivo pessoal, seja na casa em Boa Esperança do Sul (300 km de São Paulo) ou no apartamento em Santos (78 km de São Paulo) estão lá por causa de Suzanne, não de Brandãozinho. Ele sempre jogou tudo fora. Retraído, não aceitava dar entrevistas e, para divertimento da mulher, se escondia dos jornalistas que o procuravam. Ela se encarregou de manter a história viva.

O ex-meia esquerda, chamado de Brandãozinho em homenagem a outro jogador que jogou entre as décadas de 1920 e 1930, apenas acompanha a conversa. Parece interessado, mas calado. Mas em alguns momentos, seu olhar se acende. Puxa uma foto de quando atuou em Nice, cidade onde conheceu Suzanne, e aponta jogador por jogador, citando os nomes da linha de ataque.

“Conti, Gonzalez, Bravo e Brandão”, recita.

Ou quando o assunto debatido é se a Taça Rio foi ou não um Mundial.

“Claro que foi Mundial. E como foi!”, ele levanta a voz, antes de voltar a ficar calado.

Brandãozinho e sua esposa Suzzane, na casa do casal em Boa Esperança do Sul (SP)
Brandãozinho e sua esposa Suzzane, na casa do casal em Boa Esperança do Sul (SP) - Adriano Vizoni - 13.ago.2019/Folhapress

Quando o Palmeiras terá jogo transmitido pela TV, o primo Fabio Braga ou a mulher dele, Josiane, telefonam para avisar. Não importa o que aconteça, Brandãozinho jamais critica nenhum atleta.

“Mas você acha que esse jogador está bem?”, pergunta a mulher.

“Ele não sabe fazer outra coisa da vida”, ele responde.

Suzanne faz os comentários para estimular o marido. Da mesma forma que mandou construir piscina nos fundos da casa para que pudessem nadar todos os dias e fazer exercícios.

A francesa é quem tira as fotos do armário e mostra a Brandãozinho. Deseja que ele se lembre de quando foi jogador e “deu alegria a muita gente”. Ela tenta completar os pensamentos quando o marido não consegue formular as frases e fica pelo caminho. A voz que narra a carreira do meia, desde a passagem pelo Jabaquara, os títulos no Palmeiras, as histórias na Europa e de quando queria parar de jogar, mas dirigentes do Lérida, da Espanha, imploraram para que ficasse no futebol mais um ano e os ajudasse na segunda divisão, é dela.

O casal não tem filhos. É o primo Fábio e sua esposa Josiane quem os levam para Santos para ficar alguns meses e depois os buscam para a viagem a Boa Esperança do Sul.

 

Suzanne prefere a Baixada Santista porque tem mar. Igual a Nice. Na região, ela foi eleita miss da cidade de Théoule-sur-Mer. Afirma que as pessoas são muito agradáveis na cidade do interior paulista, mas não há nada para fazer. Em Santos, vai ao supermercado, conversa com as vizinhas, cozinha e vai ao banco. Mas está conformada que o certo é estar em Boa Esperança, terra natal de Brandãozinho, e onde seu passatempo favorito é cuidar do jardim, enquanto o marido observa.

“Ele conheceu o mundo e agora voltou à cidade em que nasceu. Acho que fechamos um ciclo”, constata ela.

O Palmeiras prestou homenagens ao ex-jogador no passado. Ele ganhou troféu comemorativo pelo título que o clube considera seu mundial. Foi convidado à festa do centenário do clube e chamado ao palco pelo então presidente Paulo Nobre, em 2014.

Há alguns meses, um funcionário da agremiação telefonou a Suzanne dizendo que planejavam chamá-lo para celebração do aniversário de fundação da equipe, neste mês. Depois disso, ninguém mais entrou em contato.

As lembranças hoje em dia fazem mais bem à Suzanne do que ao próprio Brandãozinho, que às vezes precisa ser lembrado que está em Boa Esperança do Sul, não em Santos.

Quem mantém a chama viva da história do meia-atacante do Palmeiras e a lembrança daquela Taça Rio de 1951 é Suzanne. Eles estão casados há 61 anos, mas se conhecem há 68. Cada história que conta, ela se vira para o marido e diz: “não é, querido?” para estimular que se lembre. Beijou o chão de Paris antes de entrar no avião, há dez anos, e voltar pelo Brasil depois de visitar Nice nas férias. Sabia que seria a última vez que veria o país onde nasceu.

“Eu sabia que não voltaria. Quem sabe em outra vida?”

Troféu da Copa Rio, campeonato que o Palmeiras considera como Mundial
Troféu da Copa Rio, campeonato que o Palmeiras considera como mundial - Adriano Vizoni - 13.ago.2019/Folhapress

Nesta, ela escolheu cuidar do legado do jogador que conquistou título resgatado pelos palmeirenses para se comparar a Santos, São Paulo e Corinthians, donos de mundiais. Depois de se aposentar, Brandãozinho foi estudar e trabalhou por 20 anos em uma indústria petroquímica em Santo André, no ABC Paulista. Recebeu uma placa da empresa por jamais ter faltado um dia sequer.

“É uma tristeza [que ele não consiga se expressar]. Ele foi um grande jogador, mas como pessoa é melhor ainda. Pode até ter um homem melhor do que o meu marido...”, lamenta ela.

O rosto de Brandãozinho se ilumina.

“Não tem, não! Estou muito bem”, ele afirma, enfático, para em seguida cair na gargalhada.

Nas mãos, ele tem o pôster do time do Palmeiras que foi campeão paulista de 1950, a base que conquistaria a Taça Rio do ano seguinte.

Suzanne sorri junto.

“Não está muito bem, não. Está ótimo!”

O Palmeiras tem título Mundial?

O clube considera a conquista da Copa Rio de 1951 como um título mundial. Em 2014, ano em que o Brasil sediou a Copa do Mundo, o Palmeiras contou com lobby do então ministro do esporte, o palmeirense Aldo Rebelo, e recebeu um fax enviado pelo secretário-geral da Fifa à época, Jérôme Valcke, reconhecendo a competição como o primeiro título mundial de clubes da história. Em 2017, porém, o conselho da Fifa homologou somente a Copa Intercontinental, disputada entre 1960 e 2004, como um título mundial, a exemplo do Mundial de Clubes organizado pela Fifa a partir de 2000. O conselho não considerou a Copa Rio, torneio realizado no Brasil em 1951 e 1952, como mundiais.

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