Descrição de chapéu Campeonato Brasileiro

Preso duas vezes, agente de futebol vira palestrante e lança livro

Angelo Canuto era empresário de Luciano, do Grêmio, e está livre desde 2018

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São Paulo

Angelo Canuto, 45, esboça um sorriso quando escuta que nada pode ser mais diferente do que a vida na prisão e no futebol.

“É mais parecida do que você pensa”, rebate.

A comparação soa estranha porque a imagem mais conhecida do futebol profissional é a de glamour, dinheiro e outros luxos. “No cárcere você também pode ter tudo isso”, ele responde.

Empresário de futebol que fez transações com grandes clubes do país, Canuto foi preso em 2014 como um dos líderes de uma organização criminosa que traficava cocaína pelo porto de Santos. Ele nega essa acusação.

“Se eu fosse isso, não estaria aqui para contar essa história. Nunca fui chefe de tráfico no porto de Santos. Eu fui condenado por organização criminosa, não por tráfico. Já fiz coisa errada? Fiz. Muita coisa errada. Mas nessa operação, não”, afirma.

Canuto lançou livro para falar sobre experiência na prisão e no esporte
Canuto lançou livro para falar sobre experiência na prisão e no esporte - Karime Xavier/Folhapress

Ele repete em seguida trecho da letra da música “Um Homem na Estrada”, do Racionais MC: “Te chamarão para sempre de ex-presidiário”.

A frase está em vários trechos de “Extracampo na Otica do Cárcere”, livro escrito por Canuto e lançado em setembro pela editora Recriar. Ele expõe o pensamento de que as vidas no futebol e em uma penitenciária podem estar mais próximas do que as pessoas imaginam.

O empresário ficou quatro anos e meio preso. Saiu em agosto de 2018. Quem também sofreu com o caso foi o atacante Luciano, seu principal cliente, então no Corinthians. Teve de conviver com as insinuações que sabia de tudo e foi aconselhado a não visitá-lo.

Quando Canuto deixou o CDP (Centro de Detenção Provisória) em Pinheiros, capital paulista, viu que o jogador estava insatisfeito no Fluminense, com salários atrasados. Conseguiu arranjar uma proposta e o levou para o Grêmio.

“O Luciano é jogador da Elenko [Sports, empresa de agenciamento]. Eu sou alguém em que ele confia. Mas eu permito a ele as reflexões. Ele é quem decide. Sou alguém que ele escuta como pai, até porque eu o levei para o Corinthians”, diz.

Canuto usa esse exemplo e os problemas que o jogador teve com outros empresários para mostrar como as visões podem ser deturpadas. Na cadeia, é possível receber bons conselhos. No futebol, é muito comum isso não acontecer. Ele então começa a contar uma história atrás da outra para provar que está certo.

“O garoto pobre, negro e da periferia, quando não dá certo no futebol ou no samba, tem uma penitenciária o esperando de braços abertos. Tem de tomar cuidado porque é uma boca de vulcão e você cai nela se desequilibrar."

Aprovado em peneira para jogar na Portuguesa quando criança, Canuto teve de desistir. A estação de trem Guaianases passou por reforma que tornou mais difícil para ele pular o muro e embarcar sem bilhete. Sua família não tinha dinheiro para pagar o transporte.

A chance de ficar perto do futebol veio aos 20 anos, em 1993, quando foi aprovado em concurso para ser policial. Escolheu ir para o 2º Batalhão da Tropa de Choque, que faz policiamento das partidas em São Paulo.

Deixou a PM em 1997, acusado de extorsão mediante sequestro. Condenado, ficou foragido na Baixada Santista. Acabou preso em 2001 ao fazer a travessia de balsa de Guarujá para Santos.

Canuto permaneceu na cadeia por dez anos. Passou por 17 penitenciárias, algumas de segurança máxima, e conheceu Marcola, líder do PCC.

Luciano, atacante do Corinthians entre 2014 e 2017, era cliente e continua amigo de Canuto
Luciano, atacante do Corinthians entre 2014 e 2017, era cliente e continua amigo de Canuto - Rubens Cavalri-21.out.14/Folhapress

Tentou fugir várias vezes, segundo conta, e pensou em se matar. A situação ficou melhor nos quatro últimos anos da pena, quando foi possível obter a progressão para o regime semiaberto. Ele teve a possibilidade de sair para estudar e só dormir na cadeia e se formou em administração de empresas.

“Meu sonho sempre foi estar dentro do mundo do futebol. Conheci jogadores, comecei a ser empresário e iniciei curso de MBA em gestão e marketing esportivo”, afirma.

No último ano da pós-graduação, foi preso pelo esquema de tráfico no porto de Santos. Na época, já era empresário de atletas profissionais e tinha abertura em grandes clubes de Série A do Brasileiro, como Corinthians, Avaí, Grêmio e Cruzeiro.

A sua versão para a acusação é que um de seus sócios em uma companhia especializada em fazer entregas porta a porta em áreas de risco estava envolvido no esquema, mas não ele.

“A minha empresa não lacrava contêiner [usado para transportar a droga]. Não era modal marítimo. A polícia achava que eu estufava contêiner, mas a minha empresa ficava na zona leste de São Paulo”, diz.

O raciocínio por trás do modelo de negócios era reinserir ex-detentos na sociedade e contratá-los para fazer entregas, porque eles seriam capazes de entrar nas favelas para realizá-las. Com o dinheiro o que ganhou, abriu outra empresa para viabilizar shows de artistas.

Conheceu o rapper Drexter, de quem ficou amigo e foi padrinho de casamento. Canuto garante que seu apelido de “padrinho” no mundo da bola, visto como algo mafioso, vem daí. Produziu outros concertos e começou a ter contato com jogadores em camarotes de casas noturnas. Foi a porta aberta para voltar ao futebol antes de ser preso pela segunda vez.

Na penitenciária, era procurado por garotos que acreditavam na possibilidade de ele ajudá-los a serem aletas profissionais. “Eu estava cansado de estar no lodo. Eu havia virado empresário de futebol e queria ser alguém. Fazer algo de bom na minha vida."

Foi quando surgiu a ideia do livro, escrito à mão em um fichário com folhas que usava para escrever cartas à mulher, Patrícia, com quem está casado há 25 anos. Canuto tem uma filha, Brenda, e duas netas: Manuela e Marcela.

Ao sair da prisão, criou a Fênix Esportes. A imagem do animal que renasce das cinzas é para ele, mas também para aquela que acredita ser sua especialidade: recuperar atletas de talento mas que estão desmotivados.

Por enquanto, tem 12 clientes. Dá palestras para empresas, organizações sindicais e clubes de futebol. Gravou quase duas horas de depoimento para o que acredita que possa vir a ser uma série de TV sobre um plano de fuga em penitenciária.

Já recebeu também ofertas para escrever uma biografia em que contaria tudo o que sabe e viu no mundo do crime, na polícia e no futebol. Isso ele ainda não está pronto para aceitar, mas reconhece que seria uma grande história.

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