Estreante na Olimpíada, skate é visto como desordem por japoneses

Skatistas do país sede dos Jogos-2020 evitam calçadas para não incomodar pessoas

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John Branch Chang W. Lee
Tóquio | The New York Times

Daisuke Hayakawa é o treinador da equipe olímpica japonesa de skate, que deve dominar o esporte em sua estreia olímpica, nos jogos de Tóquio deste ano. Mas isso não significa que ele ousaria tocar qualquer calçada do país com as rodas de seu skate.

Hayakawa pode ser um rebelde, em termos japoneses, mas tem bons modos.

O skate se tornou esporte olímpico, mas a imagem do skate no Japão é a de uma atividade para meninos desordeiros”, ele disse.

Assim, enquanto caía a noite em um dia quente de verão no ano passado, Hayakawa, 45, carregava o skate no braço. Havia saído de sua casa, no centro da capital, e apanhado o metrô até a estação de Kanegafuchi, a cerca de meia hora de distância rumo ao norte, e caminhado por 15 minutos até o rio Sumida.

As ruas e calçadas estavam quase vazias. Mas mesmo assim seu skate não tocou o chão.

Foi só quando Hayakawa chegou a uma ampla área de concreto próxima ao rio, sob um viaduto rodoviário e perto de um acampamento de moradores de rua, que ele colocou o skate no piso.

Deslizando sozinho, ele treinou uma série de ollies e de flips (nomes de duas manobras), saltando enquanto a tábua do skate se flexionava por sob seus pés, na espécie de movimento que os atletas olímpicos executarão diante de milhões de telespectadores na metade do ano.

Do outro lado do rio ficava um jardim cuidadosamente aparado, hectares de grama verde servidos por uma rede de calçadas de pavimento macio. Havia meios-fios cintilantes e escadarias de concreto com corrimões metálicos. Havia bancos, com pessoas sentadas.

Teria sido o local perfeito para os skatistas. Mas não passava de uma provocação, uma miragem.

Hayakawa não ousaria. “Não posso andar de skate lá. Incomodaria as pessoas”, ele disse.

O Japão respeita um código severo de regras de comportamento não escritas. É uma cultura de cortesias e de reserva pública, uma terra ordeira –onde as pessoas formam filas para embarcar no metrô, onde os transeuntes raramente comem e bebem em público, onde lixo e pichações poucas vezes são visíveis.

A dignidade surge de se enquadrar, não de se destacar. Isso explica as legiões de trabalhadores de escritório, todos vestindo camisas brancas, e as placas nos transportes coletivos que pedem educadamente que os portadores de fones de ouvido mantenham a música baixa, para que o ruído abafado de uma bateria não prejudique o silêncio de outro passageiro.

Cartões de visitas são entregues ao interlocutor usando as duas mãos, em um sinal de humildade. Qualquer despedida se transforma em uma coreografia de mesuras e acenos, um exercício de graça pudica.

O skate é o contrário disso. É perturbador, barulhento, desordeiro. Essa é a principal razão para que por décadas tenha ficado relegado aos desvãos mais sombrios e mal cuidados da vida japonesa –muito mais escondido do que em outros lugares do planeta, e alvo de desconfiança ainda maior.

“Aqui, ninguém usa o skate como meio de transporte –é proibido”, disse Shimon Iwazawa, 20. Ele é conhecido por desrespeitar as normas culturais e as regras locais mesmo assim, mas usualmente apenas no escuro da noite. “Se você anda de skate na rua, isso indica que vem de um lugar ruim. É uma imagem ruim”.

Alguns skatistas escondem os skates em bolsas, para evitar o julgamento público. Dizem que estão acostumados a ser criticados pelos idosos, especialmente, e pelos seguranças. Às vezes são chamados de “ianques”, um insulto pelo comportamento visto como rude.

“Essa é a luta do skatista por aqui”, disse Nino Moscardi, diretor da divisão de produtos para skate da Nike no Japão. Ele estava sentado no Streamer Coffee, um café no bairro de Shibuya cuja decoração tem por tema o skate. As paredes mostram tábuas de skate pintadas, exibidas como obras de arte. “As pessoas gritam que os skatistas deviam andar só nos parques de skate. E isso demonstra que elas não entendem coisa alguma de skate."

Mas agora há um exército de jovens japoneses, mulheres e homens, meninos e meninas, que devem vencer mais medalhas que qualquer outro país na primeira competição olímpica de skate, que acontecerá neste ano. A única coisa ousada neles é seu talento atlético.

 

Haverá dois torneios distintos, street, com uma pista com trilhos, degraus e outros obstáculos urbanos sobre os quais os atletas devem realizar manobras, e park, um arranjo ordenado de rampas que remete às piscinas vazias da Califórnia, que deram origem ao estilo de skate inspirado pelo surfe.

Skatistas japonesas como Yuto Horigome, Aori Nishimura e diversas meninas pré-adolescentes são astros no circuito internacional de skate e heróis para número cada vez maior de japoneses. Agora, o sucesso previsto para eles na Olimpíada está dando destaque ao skate. O esporte começa a ter uma aceitação que nunca teve, e que talvez nunca tenha desejado.

Parques de skate estão sendo construídos nos subúrbios e em cidades pequenas, pais inscrevem seus filhos em aulas de skate e contratam treinadores. O parque de skate se tornou um primo do ginásio de escalada –um espaço confinado e aprovado pelos pais.

Esses casulos estão criando alguns dos maiores atletas do planeta, bem em tempo para a Olimpíada.

As expectativas são elevadas. Hayakawa espera que o Japão conquiste pelo menos seis das 12 medalhas em disputa no esporte, entre as quais diversos ouros.

É um momento certamente empolgante, mas estranho, para Hayakawa e outros skatistas de gerações anteriores, os desordeiros já adultos conectados de modo mais profundo à cultura do skate no Japão.

“Pelos meus velhos amigos, queremos demonstrar que o que fazíamos não era errado”, disse Hayakawa. “E para os novatos, que chegarem ao skate por causa da Olimpíada, costumo explicar que nossa cultura é bacana. Somos o motivo para que eles estejam competindo."

Tradução de Paulo Migliacci

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