Descrição de chapéu Tóquio 2020 Coronavírus

Atletas recalibram auge para evitar Olimpíada de nível mais baixo

Adiamento e competições paradas são desafios na preparação para Tóquio

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São Paulo

No esporte de alto rendimento, costuma-se trabalhar com o conceito de competição-alvo. Em resumo, toda a preparação do atleta é feita para que ele atinja o ápice de seu rendimento em determinado campeonato.

No caso da Olimpíada, a disputa é mais do que a competição-alvo de uma temporada. É a meta de todo um ciclo de quatro anos, e a mudança no cronograma dos Jogos de Tóquio está fazendo treinadores do mundo inteiro ajustarem seus planos.

Não que o adiamento tenha sido considerado uma decisão ruim. Parece haver um consenso no apoio à alteração nas datas dos torneios olímpicos, que seriam realizados de 22 de julho a 9 de agosto de 2020 e passaram para o período de 23 de julho a 8 de agosto de 2021.

Alison dos Santos, o Pio, é um dos brasileiros que esperam brigar por medalha no Japão - Jewel Samad - 28.set.19/AFP

De qualquer maneira, a modificação, decorrente da pandemia do novo coronavírus, exige adaptações. E essas adequações são complicadas pelo fato de a grande maioria dos atletas estar em situação de isolamento, bem longe das condições ideais para treinamento.

“É uma situação nova para todos”, afirma Nelio Moura, bicampeão olímpico no salto em distância, em 2008, como treinador da brasileira Maurren Maggi e do panamenho Irving Saladino. “A gente precisa reorganizar o ciclo anual. Acho que é possível fazer isso.”

Para Moura, que agora trabalha com atletas do Pinheiros e também com representantes de China e Uruguai, o adiamento em um ano vai tornar a tarefa menos complicada. Na visão dele, caso as disputas fossem realizadas no fim de 2020 ou no início de 2021, os resultados seriam comprometidos.

O treinador Nelio Moura acha possível recalibrar o auge dos atletas e programá-lo para 2021 - Gabo Morales - 12.dez.12/Folhapress

“Se os Jogos Olímpicos fossem neste ano, isso prejudicaria muito a competição”, concorda Felipe de Siqueira, técnico da equipe brasileira no revezamento 4 x 100 m e de Alison dos Santos, que obteve índice olímpico e é esperança de medalha nos 400 m com barreiras.

“Agora, precisa ser definido o calendário. Claro, primeiro é preciso resolver a questão da saúde no mundo para que possa se retomar a vida normal. Aí, é preciso definir o calendário. Se ficar postergando e jogar tudo para o fim do ano, pode atrapalhar a preparação”, acrescenta Siqueira.

Ele se refere às provas anteriores à Olimpíada no cronograma do atletismo internacional, mas sua lógica se aplica a outros esportes, como a natação e a canoagem. Enquanto não houver mínima normalidade, não será possível planejar com precisão o trabalho pelo auge em Tóquio.

O cenário é tão atípico que existe a preocupação de que os Jogos de 2021 apresentem um nível mais baixo. Não é nisso que apostam os técnicos, confiantes de que haverá tempo para uma boa preparação, porém o período atual de inatividade pode ter consequências.

“É possível que aconteça, mas eu acredito que não. Dá tempo de estar preparado, de estar em alta performance e de conseguir resultados excelentes lá”, diz Renan Valdiero, que, entre outros atletas, trabalha com Gabriel Constantino, classificado para Tóquio nos 110 m com barreiras.

Para ele, é hora de “pôr o pé no freio”, manter a forma dentro do possível e esperar a definição do calendário. Quando o cenário estiver menos obscuro, será o momento de “achar a melhor estratégia, porque a melhor estratégia vai colocar o atleta na frente”.

Por enquanto, as indefinições ainda são muitas. Por causa delas, Nelio Moura também acha “possível” que haja um impacto no desempenho em Tóquio –centímetros a menos no salto, segundos a mais na prova de velocidade. Mas ele tenta mostrar otimismo.

“Claro que há atletas que estavam muito bem e que talvez não estejam muito bem no ano que vem. Mas há outros que vão ter mais tempo para chegar lá. Então, de uma maneira geral, acho que a qualidade da competição não vai ser prejudicada, não. A gente pode ter bons Jogos Olímpicos mesmo assim”, afirma Moura.

Para isso, além de recalibrar o corpo, os atletas precisarão cuidar da mente. Após quase quatro anos com julho/agosto de 2020 na cabeça, eles têm agora de redirecionar as energias para 2021 e manter a sanidade em uma situação na qual não conseguem treinar da maneira mais apropriada.

“Para mim, é um ponto-chave o trabalho mental. Acredito muito que o atleta que está lidando com essa situação da melhor maneira possível, nos seus pensamentos, está um passo e meio na frente, não é nem um passo. Porque isso realmente abalou o pessoal”, diz Renan Valdiero.

Há ainda a questão da idade, já que todos ficarão um ano mais velhos. O norte-americano Justin Gatlin, por exemplo, terá 39 anos quando estiver disputando a medalha de ouro nos 100 m rasos, mas ele procurou ter uma atitude positiva, apontando a oportunidade de mais uma temporada de preparação.

"Não há grande diferença entre ter 38 e 39 anos", afirma o norte-americano Justin Gatlin - Eric Gaillard - 12.jul.19/Reuters

Se é da boca para fora ou não, é outra questão. Porém não parece haver dúvida de que buscar pensamentos leves e evitar preocupações com o que está fora do controle serão chaves para um bom desempenho no Japão.

“Sem dúvida, é importante regular essa emoção, Agora é um momento ansiogênico para todos, com tudo ainda indefinido, não apenas no esporte. A ansiedade virá inevitavelmente neste momento. É importante que os atletas a aceitem como parte do processo, mas não se deixem dominar por ela e coloquem a atenção no que é possível controlar”, afirma a psicóloga do esporte Aline Arias Wolff.

O que é possível controlar agora é a saúde mental e física, por mais que isso não seja fácil em situação de isolamento. “É um momento difícil para todos, e agora, mais do que nunca, é preciso que os atletas não deixem de buscar apoio”, conclui Aline.

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