Descrição de chapéu The New York Times

EUA começam a fazer testes antidoping em atletas de maneira virtual

Kits são enviados às casas dos esportistas e processo é conduzido via vídeo

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Matthew Futterman
The New York Times

Especialistas em combate ao doping já vinham discutindo ideias sobre como examinar atletas sem terem de bater em suas portas ao raiar do dia ou interrompê-los no jantar.

Então chegou o surto do coronavírus, e paralisou as atividades dos técnicos que aplicam exames antidoping –as pessoas que aparecem sem notificação prévia para recolher amostras de sangue e urina de atletas, usadas para determinar se eles estão sob o efeito de substâncias proscritas de melhora de desempenho.

Os exames antidoping estão virtualmente paralisados no esporte. Subitamente, todas aquelas conversas hipotéticas se tornaram muito menos teóricas.

A nadadora norte-americana Katie Ledecky se voluntariou para realizar os testes antidoping virtuais
A nadadora norte-americana Katie Ledecky se voluntariou para realizar os testes antidoping virtuais - Maddie Meyer/AFP

Porque ninguém sabe quando voltará a ser seguro aplicar exames antidoping em pessoa, a Agência Antidoping dos Estados Unidos (USADA, na sigla em inglês), iniciou um experimento duas semanas atrás para determinar se era possível recolher amostras virtualmente. Em lugar de fiscalizar o processo em pessoa, os técnicos que aplicam exames antidoping poderiam fazer seu trabalho por telefone e videoconferência.

A Usada não teve de procurar muito por participantes voluntários, entre os quais atletas vistos como favoritos a medalhas nos Jogos Olímpicos do ano que vem em Tóquio. Katie Ledecky, uma das nadadoras mais dominantes do planeta, decidiu participar, e o mesmo vale para os corredores Noah Lyles, Allyson Felix, Emma Coburn e Aliphine Tuliamuk. Cerca de uma dúzia de outros atletas estão participando, disse Travis Tygart, presidente-executivo da Usada.

“Estávamos falando sobre isso, e preparando as bases para o projeto, há alguns meses”, disse Tygart. “A Covid-19 acelerou nosso ritmo e permitiu que colocássemos a ideia em prática”.

Ainda que o principal benefício em curto prazo seja minimizar dúvidas sobre o respeito dos atletas às regras de combate ao doping, na ausência dos exames regulares, o objetivo do programa virtual em prazo mais longo seria realizar os exames antidoping de modo mais fácil e menos intrusivo.

Ledecky disse que, ao longo dos anos, os técnicos de controle de doping costumavam aparecer em seu alojamento na universidade, em sessões de treino e em seu apartamento, onde ela passou por dois exames no começo de março, um período em que a preocupação sobre a Covid-19 já estava crescendo. Ela disse que fez uma limpeza completa em seu aparamento depois que o técnico saiu.

“Assinei para participar desse teste alegremente”, disse Ledecky sobre o experimento com exames virtuais. “Pareceu-me bem confortável”.

À primeira vista, o programa parece oferecer muita oportunidade para trapaça. A Usada tenta mitigar essa possibilidade usando recursos de videoconferência e algumas salvaguardas científicas mais diretas.

Os atletas de padrão olímpico já têm de cumprir as chamadas regras de paradeiro, que requerem que informem as autoridades antidoping onde exatamente estarão durante pelo menos uma hora a cada dia, para que um técnico de antidoping possa fazer visitas de surpresa. Nos testes virtuais, em lugar de alguém batendo à porta os atletas recebem um telefonema durante a hora em questão, e têm a obrigação de atendê-lo.

O atleta em seguida recebe um link de vídeo para iniciar a coleta de amostras. Toda a papelada e os depoimentos juramentados são tratados via vídeo. Em seguida, o atleta precisa usar um dos kits de exame que recebeu ao assinar para o programa piloto.

Um técnico em exames de doping faz uma visita virtual ao banheiro do atleta e o observa durante todo o processo, exceto quando o atleta está fornecendo a amostra de urina. Ao emergir do banheiro, o atleta insere um medidor de temperatura na urina a fim de provar que a amostra foi obtida naquele momento, antes de selar o recipiente.

Obter uma amostra de sangue envolve fixar um pequeno aparelho plástico do tamanho de uma ficha de pôquer ao antebraço; o aparelho conta com um botão vermelho, e pressioná-lo produz uma alfinetada que gera gotas de sangue suficientes para uma amostra testável. O atleta coloca as duas amostras em um pacote, sela o pacote diante da câmera e a Usada envia um portador da Express Mail para recolhê-la.

Um atleta poderia evitar o exame ao enviar urina de outra pessoa? Ou uma amostra de urina recolhida antes que as substâncias proscritas estivessem presentes em seu organismo, e preservada em temperatura semelhante à do corpo? Concebivelmente sim. Mas Tygart disse que o cheiro da urina preservada seria horrível e que os testes de laboratório demonstrariam que era antiga. Também, se o atleta enviar urina de outra pessoa, certas características não se enquadrariam às da amostra de sangue.

Tygart reconheceu que existem limites para os testes que podem ser realizados usando amostras de sangue seco, em comparação com os três tubos de sangue usualmente recolhidos durante os exames. Mas ele disse que isso pode mudar, à medida que a ciência evolui.

“O padrão mundial aceito é a coleta observada de amostras de sangue e urina, fora das competições, e isso não vai mudar”, disse Tygart, que afirmou que manteve contato com organizações antidoping na Alemanha e Noruega sobre o desenvolvimento de programas semelhantes para os atletas desses países.

Um porta-voz da Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês), disse que a organização não estava informada sobre o programa.

Lyles, velocista olímpico dos Estados Unidos, foi um dos primeiros atletas a passar pelos testes virtuais. Ele disse que o procedimento demora cerca de 90 minutos. Aos 22 anos, ele vem passando por exames antidoping há cinco anos e a única diferença no procedimento virtual foi “ter de fazer tudo sozinho”, ele disse.

No geral, disse Lyles, ele prefere o método usual de exame. “Eu pessoalmente prefiro que haja alguém lá, porque isso representa uma prestação de contas”, disse Lyles, que está treinando em um campo de futebol em um parque perto de sua casa, na Flórida, porque todas as pistas que costuma usar estão fechadas.

Tuliamuk, que venceu a seletiva olímpica da maratona em fevereiro, disse que o exame virtual era fácil, mas questiona se seria possível aplicar o método em países como o Quênia, onde ela nasceu. Conexões com a internet nem sempre estão disponíveis em todo lugar por lá, e os atletas podem não saber bem como usar a tecnologia.

“Eu tenho um nível de escolaridade bem alto”, disse Tuliamuk. “Não posso dizer o mesmo sobre outras pessoas”.

As vantagens em longo prazo dos exames virtuais podem terminar por se sobrepor a quaisquer preocupações. Se as agências antidoping e as federações internacionais de esportes não precisarem pagar por viagens de seus técnicos a todas as partes do planeta a fim de recolher amostras de sangue e urina dos atletas, a economia seria significativa e permitiria que um número maior de atletas fosse testado, com mais frequência.

“Competi contra atletas que usavam doping, e isso teve um impacto enorme sobre minha carreira e a carreira de meus amigos”, disse Coburn, campeã mundial de corrida com obstáculos. “Qualquer coisa que possamos fazer a fim de elevar o número de exames é uma tentativa válida”.

Tradução de Paulo Migliacci

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