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Futebol na pandemia entrega valor às TVs, afirma diretor da Deloitte

Dan Jones defende teto salarial para ligas que arrecadam menos com direitos de transmissão

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São Paulo

A pandemia do novo coronavírus transformou o futebol das grandes ligas europeias em um produto televisivo pior.

A ausência de público nos estádios, como medida de controle do contágio, afetou o ambiente das partidas, e o próprio nível de jogo sofreu com a abrupta interrupção dos torneios, obrigando atletas e equipes a se recondicionarem, física e tecnicamente, com a temporada em andamento.

Contudo, enquanto as principais competições da Europa ainda estudam formas de voltar a receber torcedores em seus estádios, a televisão continuará sendo o melhor e mais seguro meio de assistir aos jogos pelos próximos meses.

Operador de câmera em jogo entre Chelsea e Norwich pela Premier League, com portões fechados
Operador de câmera em jogo entre Chelsea e Norwich pela Premier League, com portões fechados - Julian Finney - 14.jul.2020/Reuters

E isso, na opinião do inglês Dan Jones, fortalecerá as TVs, que ganharão ainda mais importância em um cenário na qual já são extremamente relevantes para o sucesso dessas ligas. Jones é líder de negócios do esporte da Deloitte Reino Unido e editor do relatório de finanças do futebol publicado anualmente pela empresa.

"Não há dúvida de que, para uma TV ou uma transmissora, a experiência que você tem agora, sem público, é pior do que você tinha antes. As TVs estão tentando criar formas de serem mais interessantes, com torcedores virtuais, banners. Por outro lado, em termos de audiência, estão com fortes números", ele afirma à Folha.

"Antes as pessoas estavam trabalhando, no parque, indo e voltando. Com a quarentena, o universo de coisas que elas estão fazendo diminuiu consideravelmente, e o futebol se tornou uma grande distração. Isso entrega algum valor às TVs. A longo prazo, o futebol vai voltar mais forte, porque as pessoas vão reconhecer a importância dele nas suas vidas", completa.

Entre as cinco principais ligas europeias, a França é a única que acena com a possibilidade de já iniciar sua temporada com torcedores nos estádios. O país testou em amistosos e na final da Copa da França um modelo de jogos com públicos de até 5.000 torcedores.

A Ligue 1 prevê o início da temporada 2020/2021 a partir do próximo dia 22 de agosto. Premier League, LaLiga, Bundesliga e Serie A deverão começar suas novas temporadas em setembro.

Para entender a relevância dos direitos de transmissão para as receitas das principais competições nacionais da Europa, basta dizer que o dinheiro da TV representa a maior fatia da arrecadação de todas as cinco ligas mais fortes do continente.

De acordo com o relatório da Deloitte, a Premier League faturou 5,8 bilhões de euros na temporada 2018/2019. Desse total, 3,4 bilhões corresponderam aos direitos televisivos –59%, maior porcentagem entre as grandes ligas europeias.

Em LaLiga, 1,8 bilhão de euros dos 3,3 bilhões de receita (54%) vieram dos contratos de TV. Na Bundesliga, 1,4 bilhão dos 3,3 bilhões totais (44%). A Serie A italiana arrecadou 2,5 bilhões, com 1,4 bilhão proveniente das transmissões (58%), enquanto a Ligue 1, da França, recebeu 901 milhões das TVs de um total de 1,9 bilhão de euros em receitas (47%).

A pandemia, inclusive, aumentou a oferta de canais e outras plataformas para assistir aos jogos. O Amazon Prime Video, serviço de streaming da Amazon, comprou os direitos de partidas avulsas na reta final da última Bundesliga Na Inglaterra, a emissora pública BBC, em acordo com a Premier League, ganhou a exibição de quatro duelos até o fim do campeonato.

A liga alemã, cujo contrato atual de TV se encerra em junho de 2021, também foi a primeira a assinar o novo vínculo de direitos de transmissão. Válido para as quatro temporadas seguintes, foi fechado em 4,4 bilhões de euros (R$ 26 bilhões), uma redução de aproximadamente 200 milhões de euros (R$ 1,2 bilhões) para o contrato anterior.

Um negócio impactado, mas ainda rentável para as equipes que fazem parte das elites nacionais.

"Se você é um clube da Premier League, a questão crucial é colocar os jogos de volta na TV. É sua fonte principal de dinheiro. Se você recoloca os jogos na TV, mesmo sem público, você tem uma recuperação", diz Jones.

Para as ligas menores, a lógica é outra. "Na escocesa ou nas divisões inferiores na Inglaterra, por exemplo, sua arrecadação é maior nos dias de jogos. Se você não tem fãs no estádio, não há motivos econômicos para realizar jogos. Ter pessoas nesses jogos é o que paga a conta", afirma.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, manifestou o desejo de que a nação volte a ter público nos estádios em outubro. Além de controlar o avanço da Covid-19, o plano depende de alguns eventos-teste em outros esportes, que receberão torcedores e servirão de modelo para avaliar a eficácia da reabertura.

Para o chefe de negócios do esporte da Deloitte, uma solução para equilibrar as finanças de ligas menores, que não faturam com TV o que as principais competições arrecadam, seria estabelecer um teto salarial.

Na Championship, a segunda divisão inglesa, o gasto com salários na temporada 2018/2019 superou a arrecadação, que foi recorde: 837 milhões de libras em pagamentos aos atletas e 785 milhões de libras em receitas.

Essa relação perigosa acaba mantendo esses clubes dependentes de variáveis, como a necessidade de vender jogadores, os ingressos provenientes de um possível acesso à Premier League ou a injeção extra de dinheiro por parte de seus donos para cobrir os gastos.

Agora, porém, os negócios particulares desses empresários, cujos lucros são responsáveis pelo investimento que entra nos clubes, também estão comprometidos em razão da crise.

"A pandemia nos mostrou algo que já estava ali, que é essa dificuldade financeira de alguns clubes. A diferença é que, antes, você tinha um ou dois clubes em que seu dono estava uma posição difícil e não conseguia pagar. Agora, você tem uma dúzia de clubes assim", afirma Jones.

Um estudo da Deloitte calculou que, se os clubes da Championship tivessem adotado um teto salarial de até 70% das receitas, teriam economizado 308 milhões de libras.

"O futebol tem sido um negócio cada vez mais lucrativo, mas não tem controlado bem seus gastos. Se você tem um sistema em que pode controlar esses gastos, isso é bom para viabilidade dos clubes e para os jogadores, porque todo ano você tem jogadores que não recebem, clubes que não pagam. É uma forma de tentar estabilizar a economia do futebol", completa Jones.

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