Entre brigas, dívidas e acusações, São Caetano agoniza na Série D

Jogadores estão em greve e já se recusaram a entrar em campo pelo Brasileiro

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São Paulo

A delegação do São Luiz-RS chega a São Paulo nesta sexta-feira (20) sem saber se jogará a partida programada para o sábado (21), contra o São Caetano, pela Série D do Campeonato Brasileiro. Mesmo jogadores do time paulista não conseguem responder com certeza se esta acontecerá.

"Desta vez vai ter jogo", diz Nairo Ferreira, presidente do clube do ABC.

No último dia 14, o elenco do São Caetano se recusou a enfrentar o Marcílio Dias, em Santa Catarina, pela quarta divisão nacional. Levou WO. Em 24 de outubro, já sob ameaça de greve do grupo, a diretoria determinou a escalação de jovens das categorias de base para enfrentar o Pelotas, que venceu por 9 a 0.

"Os atletas se dividem em três grupos. Há os profissionais mais antigos e que estão com salários e direitos de imagem muito atrasados. Tem os que chegaram entre agosto e setembro, não receberam um real ainda, mas a situação é menos urgente. E os meninos da base", afirma Guilherme Martorelli, advogado do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo.

Há 20 anos, o São Caetano se tornava o maior fenômeno do futebol brasileiro. Foi duas vezes vice-campeão nacional, em 2000 e 2001. Perdeu de virada a final da Libertadores do ano seguinte, quando poderia ter avançado para o Mundial contra o Real Madrid (ESP). Conquistou o Paulista de 2004.

Era uma época em que os jogadores se ofereciam para defender o time. Os salários estavam sempre em dia, as premiações eram generosas, e as luvas, pagas em dinheiro vivo, às vezes entregue em uma mala.

O clube vive hoje crise que ameaça a sua existência. Os atletas mais antigos e funcionários não receberam nem sequer o 13º salário do ano passado. A agremiação não quitou aluguéis de apartamentos acertados em contratos. Vários receberam avisos de despejo. Os que possuíam condições passaram a pagar a dívida do próprio bolso. Quem não tinha foi obrigado a desocupar o imóvel.

O último salário depositado foi em março. O sindicato considera que a suspensão dos contratos por três meses, por causa da pandemia da Covid-19, não foi válida porque o clube não cumpriu nenhuma das suas obrigações.

Nairo Ferreira, presidente do São Caetano, em foto de 2011
Nairo Ferreira, presidente do São Caetano, em foto de 2011 - Jose Patricio-31.ago.2003/Folhapress

A dívida do São Caetano está em cerca de R$ 50 milhões. Todas as contas bancárias estão bloqueadas. O clube conquistou o acesso para a Série A1 do Campeonato Paulista de 2021, mas não viu a cor da premiação de R$ 300 mil. Ela foi retida por causa de ações trabalhistas. A cota de participação na elite estadual no próximo ano, de cerca de R$ 4 milhões, deve ter o mesmo fim.

"Estou tentando arrumar a casa. Fiquei dez meses fora, mas tenho 30 anos de São Caetano. Não há dinheiro, as pessoas deverão ter paciência. Está tudo bagunçado", declara o presidente.

O pano de fundo da crise é o conflito entre a dupla que foi uma das razões dos anos de glória: Nairo Ferreira e Saul Klein, ex-dono das Casas Bahia, mecenas do clube desde os anos 1990. Além deles, o ex-prefeito de São Caetano do Sul Luiz Tortorello, morto em 2004, ajudou a alavancar a agremiação.

Ferreira diz ter sido pressionado por muito tempo para entregar o comando do São Caetano para Klein e que decidiu atender aos pedidos neste ano. Alega que o clube entrou em situação caótica durante sua ausência.

Seu desafeto considera a acusação risível. "Eu estou afastado do São Caetano há muito tempo. Nunca fui investidor ou proprietário. Sempre fui doador. Apenas nos últimos cinco anos eu doei R$ 80 milhões para o São Caetano. Fiquei doente, tive câncer e quando me recuperei recebi informações que o time estava endividado. Fui verificar o que aconteceu e só tive decepções", afirma Klein.

Saul Klein, ex-doador do São Caetano, em foto de 2012
Saul Klein, ex-doador do São Caetano, em foto de 2012 - Leticia Moreira-13.9.12/Folhapress

O empresário acrescenta que, mesmo sem ter obrigação, pagou aluguéis de jogadores em outra imobiliária da cidade, não a que o São Caetano costumava usar e que, segundo seu relato, é ligada a Nairo Ferreira. O presidente rebate, afirmando que a agremiação faz o que pode e oferece alimentação e alojamento para os atletas amadores.

"Os advogados do Saul disseram que colocariam o clube em ordem neste ano. Pedi para o Nairo se afastar porque havia a possibilidade de o clube ser saneado. O Saul jurou que pagaria todas as dívidas, que R$ 50 milhões eram dinheiro de pinga para ele. O Nairo se afastou, mas foram dez meses de agonia. Estou tentando ajudar agora. Eu não sou inimigo do clube", diz o empresário Angelo Canuto, o maior credor do São Caetano.

Uma dívida de R$ 1,8 milhão em 2012 por direitos econômicos de jogadores com Canuto está hoje em dia em cerca de R$ 12 milhões.

O credor reclama que, na ação a respeito da dívida, os advogados de Klein alegaram que ele não tinha credibilidade por causa do seu passado pessoal. Canuto foi preso e cumpriu pena por associação a uma quadrilha que enviava drogas para o exterior pelo porto de Santos, crime que ele nega ter cometido.

Jogadores do São Caetano em treino de preparação para a Série D
Jogadores do São Caetano em treino de preparação para a Série D - Fabrício Cortinove/AD São Caetano

"Minha vida pessoal é uma coisa. Minha trajetória profissional não tem nada a ver com isso. Além de ser uma coisa preconceituosa", afirma.

Saul Klein contesta a promessa de pagar a dívida do São Caetano. O executivo de futebol Paulo Pelaipe e o técnico Alexandre Gallo, responsáveis pelo acesso para a A1 do Paulista, foram levados ao time por ele.

"Jamais prometi cobrir o rombo. Qual patrimônio o São Caetano construiu nesse período que justifique uma dívida de aproximadamente R$ 50 milhões de reais? Que investimento foi feito na estrutura? O clube tem um centro de treinamento ou estádio próprio? Nada. Apenas um monte de dívidas acumuladas", declara ele, que diz estar 100% fora da agremiação.

O caos é tamanho que os jogadores chegaram a receber pedido para preencher formulários de abertura de conta do Banco Safra, porque um investidor traria recursos do exterior. Estes seriam enviados por meio do EXX Bank, uma instituição financeira digital. O dinheiro nunca apareceu.

Um empresário postou em sua conta no Facebook foto em padaria próxima ao estádio Anacleto Campanella, ao lado de Nairo Ferreira, e escreveu estar negociando a compra do clube.

"Futebol tem muito aventureiro. Se quiser conversar, eu converso. É muita gente que nos procura [dizendo] que quer comprar, mas não tem dinheiro nenhum", reclama o presidente.

Bronca maior ficou para os atletas, que ouviram várias promessas de pagamentos que nunca se concretizaram. Com 56 jogadores sob contrato, falta de uniformes e corte no fornecimento de água, o São Caetano é hoje uma sombra do time que poderia ter sido campeão da América há 18 anos.

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