Descrição de chapéu Futebol Feminino

Única mulher a presidir federação de futebol recebeu entidade sob 'tiroteio'

Michelle Ramalho comanda o esporte na Paraíba e mira futuro da modalidade feminina

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São Paulo

A advogada Michelle Ramalho, 43, construiu parte da carreira com recuperação de empresas falidas. Isso fez com que ele não ficasse chocada em 2018, quando entrou na sede da Federação Paraibana de Futebol (FPF).

Não havia computadores. Documentos, fichas de atletas e de clubes eram datilografados em uma máquina de escrever. O arquivo era composto de caixas e mais caixas de papéis. Mesmo hoje, ainda é preciso revirá-las para achar um documento. "Era um tiroteio no escuro", compara.

Michelle Ramalho, presidente da Federação Paraibana de Futebol
Michelle Ramalho, presidente da Federação Paraibana de Futebol - @michelleramalho0903 no Instagram

Há pouco mais de dois anos, Ramalho assumiu a presidência da entidade. Tornou-se a única mulher a comandar uma federação estadual de futebol no país.

"Nunca joguei futebol nem fui muito envolvida com o esporte. Você não precisa jogar bola para fazer carreira de gestão, e as pessoas misturam muito isso. O futebol feminino tem superado um estigma e começa a crescer muito", afirma ela.

Não que a dirigente jamais tivesse tido qualquer contato com clubes antes da federação. Foi advogada do Treze, um dos times mais tradicionais do estado. Também fez defesa da CBF em ações judiciais e integrou a 1ª comissão disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).

No momento de maior crise da história do futebol paraibano, alguns dirigentes procuraram uma pessoa de fora, que não tivesse sido cartola de nenhuma equipe. O nome de Michelle foi sugerido. "Eu tive receio no início, porque o futebol na Paraíba estava muito desgastado. Eu tinha preocupação em como ficaria a minha imagem", admite.

A ideia de entregar a FPF a alguém sem ligações anteriores com o mundo da bola aconteceu por causa da Operação Cartola. Investigação da Polícia Civil e do Ministério Público da Paraíba desbaratou esquema de manipulação de resultados no futebol do estado em 2018. O então mandatário da federação, Amadeu Rodrigues, acabou afastado.

Ramalho não foi a candidata de consenso. A eleição contra o advogado Eduardo Araújo terminou empatada em 25 votos para cada um. No segundo turno, ela venceu por 26 a 24. Mas jura até hoje não saber quem mudou o voto.

"Nem quero saber, mas já tiveram uns 10 [dirigentes] que vieram me dizer terem sido eles", conta se divertindo a presidente. Ela ressalta que, se houvesse novo empate, ganharia de qualquer jeito por ser a mais velha.

Por causa das suspeitas contra a arbitragem local, Michelle fez o futebol da Paraíba usar apenas árbitros de outros estados por uma temporada, até que estivesse em funcionamento uma nova escola de arbitragem.

A presidente e seus aliados foram acusados de comprar votos, que seriam trocados por cargos na FPF e de ter sido beneficiada pelo inchaço do colégio eleitoral com clubes amadores que estavam inadimplentes e, na teoria, não poderiam votar.

"Eu nunca prometi emprego para ninguém. Sempre há quem confunda as coisas e ache que, porque votou em mim, vai receber algo em troca. Não existe isso de fazer essa troca. A ideia sempre foi profissionalizar a federação, não distribuir cargos", afirma.

Ramalho confirma ter ajudado clubes a retornarem à entidade, mas apenas após ter sido eleita. Desde o início da pandemia, em março do ano passado, ela os desobrigou de pagar taxa de registro dos jogadores. Anistiou os valores dos alvarás dos times amadores, mas não dos profissionais. "Se eu abro mão de tudo, a federação fechas as portas", argumenta.

Os R$ 120 mil que a CBF deu a cada federação estadual no ano passado, para ajudar as entidades a continuarem abertas durante a pandemia, foram 100% entregues aos clubes e arbitragem. "O dinheiro seria para pagar a folha de pagamento da FPF. Mas a gente estava em um cenário de terra arrasada e com quadro de funcionários bem enxuto. Melhor passar para os times mesmo."

É uma decisão política, também. Michelle diz ser difícil cuidar do futebol, às vezes um sacrifício. Mas não pensa em sair, como é comum entre os outros mandatários de federação no país, e já se põe candidata à reeleição em 2022.

Ela não esconde ter recebido a ajuda da CBF na informatização da entidade e na implantação de um novo sistema de registro de atletas. A boa relação pode ser vista pela sua conta no Instagram.

Há fotos ao lado do mandatário da confederação, Rogério Caboclo, do presidente da Fifa, Gianni Infantino, e com a taça da Copa América de 2019. Ela ouviu questionamentos por outra imagem publicada, em que parece junto ao presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).

"Algumas pessoas reclamaram. Mas a federação tem projetos, quer desenvolver o futebol do estado e tenho de ter uma boa relação com todos. Não posso me deixar levar por divergências", diz.

Esse não é um assunto que lhe agrade abordar, assim como o da discriminação da mulher no futebol. Ramalho afirma nunca ter tido qualquer problema com isso, talvez por ter aparecido em um momento de emergência e não ser torcedora declarada de nenhum time do estado. Questionada, declara torcer para a seleção brasileira.

Sua atenção está voltada para o futuro do futebol feminino. A verba da federação, com os patrocínios, foi suficiente para realizar apenas dois campeonatos profissionais em 2020. A presidente avisou aos times da segunda divisão que não haveria torneio. Realizou apenas o Paraibano da elite dos homens e das mulheres.

A ideia de Michelle Ramalho é ser uma liderança do futebol feminino em nível nacional. Ela, que foi chefe de delegação da seleção no Mundial de 2019, na França, lista as jogadoras da equipe das quais é próxima, a começar por Marta.

"Eu quero fazer isso porque sou competente, não por ser mulher. É a mesma coisa de quando entro em campo antes de uma partida do campeonato e a torcida começa a gritar. Chamam de 'linda', alguns de 'gostosa'. Já me perguntaram se considero assédio e, para mim, não é. Eu me preocuparia se gritassem 'ladra' ou 'corrupta'. Isso ninguém grita. Então significa que estou indo bem."

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