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Mentor italiano de Sylvinho é fã da Democracia e despertou o seu amor tático

Renzo Ulivieri, respeitado professor de técnicos, vê no corintiano "um aluno muito bom"

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São Paulo e Santos

O ex-lateral e hoje técnico Sylvinho, 47, jamais esqueceu uma frase que conta ter ouvido de Gianluca Zambrotta, ex-jogador da seleção italiana, com quem atuou no Barcelona entre 2006 e 2008.

“Brasileiro, nós somos campeões por quê? Porque fizemos bem a parte tática”, afirmou o italiano, que acabara de conquistar a Copa do Mundo da Alemanha, em 2006.

Confessamente “pilhado” –termo que adotou logo na primeira entrevista pelo Corinthians, na última terça-feira (25), após chamar a atenção pelo fato de mexer insistentemente em uma caneta que segurava e pelo modo imparável na cadeira–, ele forjou a curta carreira até aqui com o aprendizado no Centro Técnico de Coverciano, escola referência no futebol europeu, em Florença, na Itália.

“É um jeito, uma característica. Não gostaria de ser assim, tem hora que me incomoda, mas meus pés se movem. Ser pilhado no futebol é não perder tempo. Não temos tempo a perder”, explicou.

Enquanto auxiliar de Roberto Mancini na Inter de Milão, ele entendeu que precisava cultivar, também, o lado acadêmico. Até ali, acumulava apenas experiências práticas, à sombra de nomes como Vagner Mancini e Tite, em clubes e na seleção brasileira.

“Todo estudo com relação a futebol ajuda demais. A Itália é um país apaixonado por isso, que tem um conhecimento muito grande de tática”, disse em entrevista à ESPN, em agosto do ano passado.

No quartel-general da federação italiana, em Coverciano, ele encontrou em Renzo Ulivieri, 80, diretor e um dos professores da escola, as respostas necessárias e a inspiração para a nova carreira.

“Eles têm muito conceituados todos os detalhes, tudo o que acontece no campo”, contou Sylvinho.

“O senhor que ministra todo o curso [Ulivieri] soltava algumas frases brilhantes, depois entrava na complexidade. Futebol tem duas fases: com bola e sem bola. Você fala: ‘Verdade, futebol é fácil’. Depois, ele ia ao mais profundo. E, numa outra parte, defensiva, ele falou de marcar o homem ou o espaço. Só depois foi se aprofundar”, relatou.

Como treinador, Ulivieri tem feitos modestos. O maior deles, talvez, a conquista de uma Série B, a segunda divisão da Itália, comandando o Bologna, em 1996. O seu último trabalho foi em 2008, na Reggina. Desde então, passou a virar o rosto mais conhecido da escola.

“Sou muito fã de Sócrates e da Democracia Corinthiana. O Sylvinho era um aluno muito bom. Ensinamos os treinadores a ser flexíveis com a ideia de jogo. É claro que Sylvinho trouxe consigo a cultura do futebol brasileiro, mesclando com a europeia e italiana. Também é muito bom no nível tático”, diz à Folha.

“Tenho muito cuidado com a parte defensiva individual [das equipes], com as alternâncias entre marcação do homem e do espaço, a marcação estrita e a solta”, explica.

A Democracia, citada por Ulivieri, é para ele mais do que uma admiração distante. O movimento criado na década de 1980 e capitaneado por Sócrates, Casagrande e Wladimir, que contestava a estrutura autoritária do clube e da política brasileira, inspirou o treinador.

Renzo é respeitado no país pelo lado professoral mas, também, por ações em defesa da classe. Em 2011, acorrentou-se aos portões da sede da Federação Italiana de Futebol (FIGC, na sigla em italiano), em protesto pela dispensa da formação específica aos técnicos de categorias que não fossem as da elite do futebol do país. O certificado se tornou obrigatório na Itália.

Logo na chegada ao Corinthians, Sylvinho repetiu justamente o mantra defensivo do mentor. E elogiou com um enorme sorriso no rosto o repórter que o questionou sobre tática e o fato de treinadores estrangeiros gostarem de marcação com “linhas altas”, a ponto de ter se desconcentrado.

“Obrigado, eu me concentrei na pergunta e perdi o seu nome”, afirmou o corintiano, movendo freneticamente a caneta em suas mãos. Ele então mencionou um trecho de um livro de Pep Guardiola, com quem atuou no Barcelona: “4-4-2, para mim, é número de telefone; as peças se mexem”.

“Acabei falando até demais”, divertiu-se, após quase três minutos de resposta, a mais longa de toda a entrevista.

A escola de Florença tem uma enorme tradição. Existe desde 1968 e formou nomes importantes do futebol atual, como Carlo Ancelotti, Antonio Conte, Roberto Mancini e Massimiliano Allegri, além de figuras historicamente importantes, como Fabio Capello, Marcelo Lippi e Arrigo Sacchi.

“Ele é muito preparado. As questões que eram colocadas em prática, no curso, ele fazia questão de mostrar na teoria. Fiquei impressionado”, diz à Folha o ex-meio-campista Toninho Cerezo, seu companheiro de turma.

Além de Cerezo, Sylvinho teve a companhia do ex-lateral e meio-campista Mancini, com passagem pelo Atlético-MG e longo período no futebol italiano. Outro colega de classe foi o meio-campista argentino, naturalizado italiano, Mauro Camoranesi.

“O que primeiro se nota, como não o conhecia, é que é um tipo extremamente inteligente. Analisa tudo o que faz. Concordamos em quase tudo sobre futebol”, relata Camoranesi à Folha. “O Brasil tem algo muito raro, que é a quantidade de jogadores que produz, mas não produz tantos técnicos.”

A passagem do agora comandante alvinegro pela escola formou convicções. A primeira delas, exposta já na entrevista coletiva: ele avisou que não abrirá mão de jogar com a linha de quatro defensores, seu sistema preferido. “Variação de sistema tático existe, e é bom, mas parto de um princípio de linha de quatro jogadores.”

Sylvinho se formou em 2019 e, desde a sua passagem pelo Centro Técnico de Coverciano, passou a estudar mais a cada dia. A ponto de ter acompanhado e decifrado o Getafe da temporada 2019/20, dirigido pelo técnico espanhol José Bordalás, com esquema que variava do 4-4-2 para o 4-4-1-1.

“Na Itália, tudo é codificado, mas te digo: sem paixão, não se faz nada. Eu vi Guardiola, Tite, Mancini, a alma deles entra em você. Os olhos dos jogadores brilham”, descreveu, em entrevista ao The Guardian.

Afeito à perfeição, ele pensa que atletas gostam de ouvir “detalhes muito ricos” para aceitar mudanças e correções táticas. Marcou a sua carreira uma ocasião em que ouviu o então companheiro Guardiola confessar não ter marcado o “último homem, mas o penúltimo”, por um erro de movimentação.

Antes do Corinthians, Sylvinho tinha apenas um trabalho como treinador. Foram apenas 11 partidas e menos de três meses no Lyon, experiência encerrada abruptamente que constantemente coloca dúvidas sobre a sua capacidade.

“Ele trouxe para cá tudo o que aprendeu na Itália. Aqui, foi bom o trabalho que ele fez com os atletas, eles estavam pegando forma”, conta à Folha o ex-zagueiro Cláudio Caçapa, hoje auxiliar técnico do Lyon.

“O que ele sempre frisou foi que nós não podemos perder tempo. Até mesmo no intervalo dos treinos, de um exercício para o outro, ele não gostava muito que se demorasse para recomeçar”, completa.

Com contrato até o fim de 2022, o ex-jogador tem novamente em casa, onde tudo começou, a chance de pôr em prática o que aprendeu em Coverciano.

Ele espera começar a exibir esse conhecimento neste domingo (30), na Neo Química Arena, em sua estreia como treinador do clube que o formou como atleta. A partida contra o Atlético-GO, marcada para as 18h15, terá transmissão do Premiere.

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