Advogados veem assédio sexual de Caboclo e discordam de comissão da CBF

Órgão da entidade concluiu que dirigente teve 'conduta inapropriada' com funcionária

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São Paulo

Advogados ouvidos pela Folha discordaram da decisão da Comissão de Ética da CBF que sugere o afastamento de Rogério Caboclo da presidência da entidade por “conduta inapropriada”. Segundo especialistas em direito penal, baseados em um áudio divulgado pelo Fantástico em julho, o dirigente feriu o artigo 216-A da lei que tipifica o assédio sexual.

Na gravação, o cartola questiona se a sua secretária se masturba e insinua que ela tem um romance com outro funcionário da instituição.

O dispositivo do Código Penal citado tipifica como assédio sexual o fato de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.

A pena prevista, nesse caso, é de um a dois anos de detenção.

Rogério Caboclo está afastado da presidência da CBF, após ser acusado por uma funcionária - Douglas Shineidr - 9.abr.2019/AFP

A funcionária relatou o fato à Comissão de Ética da própria CBF, que, após afastar o presidente do cargo para investigar a denúncia, concluiu não ter havido assédio sexual ou moral.

Uma das linhas de defesa de Caboclo foi a de afirmar que não houve a finalidade de favorecimento ou beneficiamento sexual.

“Ele [Caboclo] está se valendo do cargo de presidente da CBF e pratica um crime. Considerar que isso é uma conduta inadequada é tratá-lo com benevolência. O assédio é algo bem mais grave que uma conduta inadequada”, afirma Gustavo Henrique Badaró, professor de direito penal da USP.

Para a advogada criminalista Roselle Soglio, a Comissão de Ética, órgão constituído pela CBF apurar denúncias no futebol, recorreu ao trocadilho para se referir ao caso.

“O termo da conduta inapropriada é um trocadilho jurídico, é utilizado para definir uma postura incorreta, a falta de ética. Mas o ato passa dos limites. O crime não deixou de existir, e quem poderá julgá-lo é o Judiciário”, afirma Roselle.

“A comissão se colocou em maus lençóis. Em vez de dar o exemplo, ela cometeu uma injustiça com a vítima. A denunciante teve coragem, algo que falta em muitos casos, e acaba sendo mais uma vez humilhada com essa definição”, completa.

A Comissão de Ética foi instituída pela CBF em abril de 2017 na esteira da operação Fifagate, deflagrada em maio de 2015 por agentes do FBI em um hotel na Suíça, que culminou na prisão de alguns cartolas.

Carlos Renato de Azevedo Ferreira, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, é o único a presidir a comissão ao longo destes cinco anos de existência.

Procurado pela Folha, Ferreira não atendeu aos contatos da reportagem.

A funcionária denunciou Caboclo no dia 4 de junho. Dois dias depois, a Comissão de Ética instaurou inquérito para apurar a prática de assédio sexual e moral.

Nesta terça-feira (24), a comissão apresentou o resultado de sua apuração aos 27 presidentes de federações regionais. Ao entender que não houve assédio moral e sexual, o órgão recomendou uma suspensão de 15 meses para Caboclo, algo bem mais brando do que o banimento do dirigente, anteriormente visto como provável resultado.

O afastamento deverá ser ratificado (ou não) pelos dirigentes de federações estaduais em uma Assembleia Geral, ainda sem data definida. O tempo que o cartola já cumpriu fora do cargo conta para essa punição. Caso os dirigentes rejeitem a suspensão proposta, a recondução à presidência será imediata.

A tendência é que os presidentes ratifiquem o afastamento de Caboclo. Nesta terça-feira, os 27 assinaram uma carta na qual pedem que ele renuncie.

“Vimos, pelo presente, fazer um apelo ao Sr. Rogério Caboclo, que tenha a sensibilidade de reconhecer o momento e, em prol do futebol brasileiro, renunciar ao cargo de presidente da CBF.” [sic]

A punição por uma "conduta inapropriada" foi considerada branda e abre espaço para que Caboclo conclua o seu mandato, que vai até abril de 2023. No máximo, ele corre o risco de não concorrer à reeleição. O próximo pleito está previsto para abril de 2022.

Caboclo também foi denunciado à Comissão de Ética em outros dois processos de funcionários. Um por assédio moral e sexual e outro por assédio moral.

Já o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ) abriu uma investigação no dia 7 de junho e conduz o caso de forma sigilosa. Após diligências, o órgão poderá oferecer denúncia à Justiça do Trabalho ou arquivar o caso.

“O ambiente [Comissão de Ética] é de uma investigação com fins administrativos, não é o melhor local para que se faça uma investigação isenta, sem interferências políticas, interesses pessoais e financeiros. É importante que o caso seja apurado pela polícia e pelo Ministério Público”, diz o advogado Augusto Arruda Botelho.

Segundo a advogada criminalista Priscila Pâmela dos Santos, o desfecho do caso evidencia o machismo estrutural. “São tais práticas que passam a mão na cabeça dos assediadores, não os punem no ambiente corporativo. Por outro lado, estigma ainda mais as mulheres para que não tenham coragem de denunciar”, diz a advogada. “Tentar fazer do assédio algo menos grave é muito sério.”

Nesta terça-feira, o conselho de administração da CBF nomeou Ednaldo Rodrigues, ex-presidente da Federação Bahiana de Futebol, para presidir a entidade até o veredito sobre Caboclo.

Rodrigues substitui Antônio Carlos Nunes, o Coronel Nunes, que vinha à frente da entidade desde o afastamento do mandatário.

Rodrigues é quem convocará a Assembleia Geral.

De acordo com o estatuto da CBF, ela deve ter quorum de pelo menos 21 representantes de federações estaduais para decidir se confirma ou não a sanção proposta pela Comissão de Ética. Serão necessários 80% dos votos favoráveis para punir Caboclo.

A Nike, uma das principais patrocinadoras da CBF, disse que não vai comentar o assunto.

Procurados pela Folha, a Ambev, Cimed, Gol, Itaú Unibanco, Kwai, Mastercard e Vivo afirmaram, em nota, que acompanham os desdobramentos do caso e aguardam uma decisão final.

Caboclo, por meio de nota, afirmou não ter cometido "nenhum tipo de assédio". De acordo com a defesa do dirigente, "isso está atestado por pareceres de alguns dos maiores juristas do país, como Luís Greco, Helena Regina Lobo da Costa, Juarez Tavares e Pierpaolo Bottini".

"Caboclo lamenta que, mesmo com tantas evidências de que ele não cometeu assédio, ainda assim o assunto seja tratado de forma equivocada por parte da imprensa", diz a nota enviada à reportagem.

"O presidente da CBF vem sendo alvo de um golpe político para retirá-lo do comando da confederação e vai lutar para que a verdade seja reestabelecida e ele volte ao cargo para o qual foi eleito legitimamente", conclui o texto.

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