Falas antivacina de Aaron Rodgers, destaque da NFL, incomodam cientistas

Quarterback do Green Bay Packers está em isolamento após contrair Covid-19

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Ken Belson Emily Anthes
The New York Times

No segundo trimestre deste ano, ele fez um teste para apresentar o programa "Jeopardy!" Quase todos os dias, seu rosto é visto na televisão em comerciais para marcas conhecidas nos Estados Unidos, como a seguradora State Farm. E nos domingos, ele vem conduzindo seu Green Bay Packers em uma campanha de sete vitórias e duas derrotas, a melhor de sua divisão nesta temporada da NFL.

O quarterback Aaron Rodgers não é só o MVP da temporada passada do futebol americano, mas uma celebridade que transcende o esporte mais popular dos EUA, um nome conhecido em todo o país, como os de Tom Brady e Patrick Mahomes.

Por isso, quando surgiu a notícia de que ele tinha sido apanhado em um exame de coronavírus na semana passada e que não havia se vacinado, Rodgers justificou sua decisão de não se vacinar falando contra imunizantes altamente efetivos e divulgando uma série de falsas informações baseadas em ciência de araque. Os profissionais da medicina reagiram negativamente, porque isso não só dificultará sua tarefa de convencer os adultos que ainda não se vacinaram a fazê-lo como também a nova faixa etária de vacinação que está começando --crianças de entre cinco e 11 anos de idade.

Quarterback Aaron Rodgers não se vacinou contra a Covid-19
Quarterback Aaron Rodgers não se vacinou contra a Covid-19 - Christian Petersen - 5.nov.21/AFP

"Se você é uma celebridade, você tem uma plataforma", disse o médico Paul Offitt, diretor do Centro de Educação sobre Vacinas do Hospital Infantil de Filadélfia. "E se escolhe fazer o que Aaron Rodgers fez, que é usar essa plataforma para difundir desinformações que podem fazer com que as pessoas tomem decisões ruins para elas e para seus filhos, com certeza causará estrago."

A NFL está investigando se Rodgers e o Green Bay Packers violaram qualquer uma de suas extensas regras sobre a Covid-19, que foram desenvolvidas com a colaboração do sindicato dos jogadores. Rodgers admitiu ter desconsiderado essas regras, por exemplo ao comparecer sem máscara a uma festa de Halloween com colegas de time. Os Packers e Rodgers podem ser multados em centenas de milhares de dólares por violarem as regras.

Rodgers está no meio de um período de isolamento de dez dias e não jogou na derrota dos Packers contra o Kansas City Chiefs por 13 a 7, domingo (7). Como todos os jogadores não vacinados da NFL que tenham sido apanhados como contaminados em exames de coronavírus, Rodgers precisará apresentar dois exames com resultado negativo, realizados com intervalo de pelo menos 24 horas, para poder voltar ao campo depois do final de seu período de isolamento, que acaba sábado (13).

Os danos mais duradouros à posição de Rodgers, porém, podem não ser medidos em dólares ou número de jogos ganhos ou perdidos. Os índices de vacinação na NFL são muito elevados, comparados aos da população em geral. Quase todos os treinadores e funcionários que convivem com os jogadores se vacinaram, e 94% dos cerca de dois mil jogadores da liga receberam a vacina, de acordo com a NFL.
Mas dada a grande popularidade da liga, basta um pequeno número de jogadores não vacinados para atrair imensa atenção. O wide receiver Cole Beasley, do Buffalo Bills, e os quarterbacks Kirk Cousins, do Minnesota Vikings, e Carson Wentz, do Indianapolis Colts, foram criticados por sua escolha de não se vacinar.

Mas eles foram francos sobre sua decisão. Rodgers, em contraste, decidiu não responder quando perguntado de maneira direta se estava vacinado. Ele disse estar "imunizado".

Em uma entrevista no "The Pat McAfee Show" na semana passada, Rodgers disse ter seguido um "protocolo de imunização" próprio, ainda que não tenha fornecido detalhes sobre o que isso queria dizer. Mas a vacinação e a infecção natural são as únicas maneiras de adquirir imunidade contra o vírus, de acordo com os cientistas.

Na entrevista, Rodgers alimentou ainda mais a controvérsia ao tentar se distanciar dos defensores de teorias da conspiração. "Não sou um desses malucos que são antivacinas e acreditam que a Terra é plana", ele disse. "Sou um pensador crítico".

Mas muitas das declarações que ele fez no programa ecoam as das pessoas que se opõem às vacinas.
"Aaron Rodgers é um cara inteligente", disse David O’Connor, especialista em vírus na Universidade de Wisconsin em Madison e torcedor dos Packers. "Mas ainda assim continua vulnerável à blitz de desinformação que o apanha pelo lado cego."

Na entrevista, Rodgers deu a entender que o fato de que pessoas continuam a contrair a Covid-19 e morrer da doença significa que as vacinas não são muito efetivas.

Embora imperfeitas, as vacinas oferecem proteção muito forte contra os piores resultados do contágio, que incluem hospitalização e morte. Entre os americanos não vacinados, a probabilidade de hospitalização por Covid-19 é 10 vezes mais alta e a de morrer da doença 11 vezes mais alta do que entre os vacinados, de acordo com um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) do governo dos Estados Unidos.

"No que tange a pessoas hospitalizadas por Covid, a maioria esmagadora é de não vacinados", disse Angela Rasmussen, especialista em vírus na Organização de Vacinas e Doenças Infecciosas da Universidade de Saskatchewan. "E a transmissão é conduzida, por maioria esmagadora, de pessoas não vacinadas a outras pessoas não vacinadas."

Rodgers também expressou preocupação de que as vacinas podem causar problemas de fertilidade, um argumento comum do movimento de oposição às vacinas. Não existe qualquer indicação de que as vacinas causam infertilidade, em homens ou mulheres.

"Esse tipo de afirmação vem sendo feito desde que as vacinas apareceram pela primeira vez, e já foi rebatido categoricamente um número imenso de vezes", disse o médico William Schaffner, especialista em vacinas na Universidade Vanderbilt. Ele acrescentou que "as vacinas são seguras e espantosamente efetivas".

Existem alguns poucos eventos adversos sérios que foram vinculados às vacinas, entre os quais um problema de coagulação e uma inflamação do músculo cardíaco, mas são muito raros. Os especialistas concordam que os riscos de saúde associados à Covid-19 são imensamente mais altos que os da vacinação.

Rodgers disse que não aceitava as vacinas de mRNA, fabricadas pela Pfizer e Moderna, porque tinha uma alergia a um ingrediente não especificado que elas contêm.

Alergias como essas são possíveis –um pequeno número de pessoas tem alergia ao glicol polietileno, que é usado nas vacinas da Moderna e Pfizer–, mas extremamente raras. Por exemplo, houve 11 casos de choque anafilático, ou seja, reação alérgica severa, para cada milhão de doses de vacina da Pfizer ministradas, de acordo com um estudo do CDC.

A agência de saúde pública recomenda que pessoas que tenham alergia conhecida a um determinado ingrediente em uma das vacinas de mRNA não as usem, mas cientistas expressaram ceticismo quanto à possibilidade de que Rodgers de fato tenha uma alergia, conhecida e documentada. Mesmo que tivesse, ele ainda assim seria elegível para a vacina da Johnson & Johnson, que depende de uma tecnologia diferente.

Rodgers também criticou a NFL, praticamente desafiando a liga a multá-lo. Ele afirmou, por exemplo, que a liga enviou um "pau mandado" ao local de preparação dos Packers na pré-temporada para tentar "envergonhar" os jogadores e forçá-los a se vacinar. Ele disse que não seguia algumas das regras, como a de usar máscara ao conversar com jornalistas, porque não concordava com elas.

Como muitos astros do esporte, Rodgers trabalha com afinco para controlar a narrativa sobre sua trajetória. Mas isso pode ter um custo, como as reações negativas aos seus comentários demonstram.

"O desafio para os jogadores agora é que se tornou fácil para eles tuitar e fazer podcasts", disse Brad Shear, advogado que assessora jogadores da NFL quanto a tecnologia e mídia social. "Recomendo a eles que sigam o roteiro, que mantenham notas para referência rápida, e que, quando lhes fizerem perguntas difíceis, o melhor é desviar o assunto. A entrevista dele foi como um desastre de automóvel ficando cada vez pior".

Ainda que a liga não tenha definido um prazo para concluir a investigação, as reações negativas foram rápidas. A Prevea Health, uma empresa de saúde de Wisconsin, encerrou seu contrato com Rodgers um dia depois que a entrevista dele foi ao ar. A State Farm, que tem Rodgers como porta-voz publicitário há anos, declarou que não apoiava algumas das declarações feitas por ele (sem especificar quais), mas disse que "respeita o direito de escolha de todos".

No domingo, apenas 1,5% dos comerciais de TV veiculados pela State Farm incluíam a figura de Rodgers, ante 25% nos dois domingos anteriores, de acordo com dados recolhidos pela Apex Marketing, que monitora e acompanha questões de mídia e branding nos Estados Unidos.

Comentaristas de televisão, entre os quais Terry Bradshaw, que é parte do Hall da Fama do futebol americano, também criticaram Rodgers por potencialmente ter colocado colegas de equipe em risco e por não ter sido honesto. Kareem Abdul-Jabbar, uma lenda do basquete, foi um passo além. "Aaron Rodgers não só mentiu como prejudicou o esporte profissional", ele declarou.

Rodgers está acostumado a controvérsias. Ao longo de boa parte dos 17 anos de sua carreira na NFL, ele criou a imagem de ser um sujeito "do contra" quanto a diversas questões. No final de abril, a ESPN noticiou que Rodgers estava tão "insatisfeito" com os Packers que tinha dito a colegas de time que não queria voltar a Green Bay. O diretor geral do time, Brian Gutekunst, que estava ocupado se preparando para o draft, teve de declarar publicamente que Rodgers não seria trocado.

Rodgers também explorou esse lado provocador para causar controvérsia em 2020, quando tentou convencer os demais jogadores a votar contra um novo contrato de trabalho porque este permitiria acrescentar um 17º jogo à temporada regular. (Os jogadores aprovaram o contrato por uma maioria muito pequena.)

Rodgers conquistou manchetes com sua posição não só por ser um quarterback de primeira linha, mas por sê-lo na liga de esportes mais popular dos Estados Unidos. Todas as questões são magnificadas quando acontecem na NFL, sejam casos de bullying, violência doméstica, protestos durante a execução do hino nacional ou qualquer outro assunto. É por isso que a posição de Rodgers sobre as vacinas causou tamanha ansiedade entre os cientistas.

O’Connor disse que foi um "choque" saber que Rodgers não tinha se vacinado, especialmente porque, no Wisconsin, muita gente ainda não o fez; no estado, 63% dos residentes receberam pelo menos uma dose da vacina, ante a média nacional de 67%.

"Dentro da comunidade em que ele joga, ainda resta muito trabalho a fazer para melhorar os índices de vacinação", disse O’Connor.

O momento da declaração, que coincidiu com o início da campanha de vacinação de crianças dos cinco aos 11 anos, é especialmente infeliz, segundo Schaffner.

"Ele é uma figura altamente respeitada e admirada no esporte", disse Schaffner sobre Rodgers. "O ideal seria que tivéssemos exemplos claros para divulgar a vacina, e certamente não desejamos exemplos de comportamento dúplice."

Tradução de Paulo Migliacci

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