Primeira e atual casa do Palmeiras têm esperança e sofrimento com a final

Torcedores alternam sentimentos de esperança, euforia e decepção, até começar a violência

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São Paulo

"O apocalipse está próximo. Futebol é coisa do demônio."

Ninguém dava atenção ao senhor de barba, com a Bíblia debaixo do braço, que alertava sobre o fim do mundo na esquina das ruas Direita e Álvares Penteado, no centro de São Paulo. Como todos os dias, as pessoas passavam apressadas.

Torcedores do Palmeiras durante final do Mundial de Clubes, nas esquinas das ruas Diana e Turiassu
Torcedores do Palmeiras durante final do Mundial de Clubes, na esquina das ruas Diana e Turiassu - Zanone Fraissat/Folhapress

"Hoje pode ser dia de chegar ao paraíso. Todos esperavam por isso", constatou Niraltino Sá Teles, 45. Camisa do Palmeiras no corpo e fones no ouvido, ele é segurança da loja Nelson das Bolsas desde 1999. O número 11 da rua Direita, endereço do comércio, é onde funcionou, no passado, o salão Alhambra, local de fundação do clube.

(Confira lance a lance como foi a final do Mundial)

Na data em que o time jogaria a final do Mundial contra o Chelsea, Niraltino sentia mais orgulho do que nunca por trabalhar ali.

"Eu sabia que o Palmeiras foi fundado nesse prédio. Faz uns dez anos, veio uma pessoa e contou. Mas ninguém se lembra disso, não. Se você entrar na loja, ninguém vai saber", advertiu, cinco minutos antes do início da partida que seria vencida pelo Chelsea por 2 a 1.

Ele tinha razão. Nenhuma das funcionárias sabia ou tinha interesse na informação de que havia sido criado ali o clube que poderia ser depois de duas horas o campeão do mundo. As clientes olhavam, espantadas, diante da informação.

O endereço era, no passado, a rua Marechal Deodoro, 2, onde 46 pessoas assinaram em agosto de 1914 a ata de fundação do Palestra Itália, agremiação que em 1942 seria rebatizada como Palmeiras. O local está a poucos metros do marco zero de São Paulo, na praça da Sé, e também é próximo do Pátio do Colégio, onde nasceu a cidade.

"Era onde ficava o edifício Baruel e, na parte de cima, o salão Alhambra. Nunca se soube exatamente onde era porque, na reurbanização da Sé com a finalização da construção da catedral [em 1954], a rua Marechal Deodoro mudou de nome", disse o historiador e jornalista Julio Cesar Ragazzi à Folha, em 2014.

Foi ele quem descobriu que o endereço é hoje o número 11 da rua Direita.

"Ninguém que vem aqui liga para futebol, não. O movimento é o mesmo. São cerca de 200 pessoas por dia. Se você não fala, nem saberia que o Palmeiras joga hoje", disse a vendedora da loja de bolsas Juliana Inácio Gomes.

Niraltino ligava. Tanto que não via a hora de chegar a hora do seu almoço para conseguir pelo menos assistir a alguns minutos da decisão.

"Foi assim que vi a semifinal, contra o Al Ahly. Consegui assistir a parte do primeiro e do segundo tempo. Vou fazer de novo hoje. O que eu queria ver mesmo era o jogo no Allianz Parque e estar com a torcida", completou o segurança, ao colocar o fone de novo no ouvido para escutar a narração, em vez da pregação de que o apocalipse estava perto.

A mensagem do aposentado Ernesto Zanuto Sobrinho era outra. Com uma barba longa e branca e toalha que parecia de mesa de jantar na cabeça, para simular o Ghtrah, tradicional lenço usado pelos homens árabes, ele carregava cartaz com os nomes de Abel Ferreira, Breno Lopes, Raphael Veiga, Deyverson e Dudu. O treinador e os autores dos gols nas duas finais recentes de Libertadores e na semifinal do Mundial.

O segurança Niraltino Sá Teles, 45, que trabalha no prédio onde o Palmeiras foi fundado, no centro de São Paulo
O segurança Niraltino Sá Teles, 45, que trabalha no prédio onde o Palmeiras foi fundado, no centro de São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Ernesto virou uma atração e tirou dezenas de fotos com torcedores que estavam na rua Palestra Itália, a que passa ao lado da arena alviverde. À reportagem, ele pediu para fazer chegar a Abel Ferreira uma música que compôs para o técnico, com as rimas de que "Abel é um menino legal/ Abel é um menino conquista/ Abel veio ajudar este time paulista".

"Pode mandar para ele que vai gostar. Ele é português. Portugueses e espanhóis são os povos mais importantes da história da humanidade", avisou.

O aposentado não havia ido até lá para ver o jogo porque sabia ser difícil. Se Arlindo tivesse escapado do serviço, teria encontrado dificuldade também. Milhares de pessoas se acotovelaram para assistir ao que acontecia em Abu Dhabi em telas de TV espalhadas em bares e restaurantes. Muitos desistiram e se sentaram na asfalto. Tentaram acompanhar pelo rádio ou em imagens pelo celular. Mas o sinal de telefone na região estava inconstante.

Isso gerou confusão. Por causa de diferentes "delays" em imagens, o gol de empate, marcado por Raphael Veiga, foi comemorado em três momentos diferentes, o que levou seguranças do shopping Bourbon, a poucos metros do estádio, a achar que o Palmeiras vencia por 3 a 1. Mas o placar era 1 a 1.

"Isso aqui se tornou um programa familiar. Eu já sabia que seria complicado ver como se estivesse em casa. Mas eu trouxe a minha família para mostrar a ligação que temos com o Palmeiras", afirmou o empresário Emerson Costa de Jesus, 36. Acompanhado da mulher Rita e dos filhos, Davi, 8, Ana, 6, e Cecília, 3, eles estenderam uma bandeira no chão da rua Palestra Itália e ficaram por ali.

Como vários outros, seguiam o que acontecia em campo pelos gritos dos demais.

Assim como costuma ocorrer no futebol, a torcida do Palmeiras, na região do Allianz passou por esperança, tristeza, empolgação, fé e decepção no espaço de 120 minutos. Quando veio o apito final, vários aplaudiram o desempenho da equipe, como se os jogadores pudessem ouvi-los a 12 mil quilômetros de distância.

Na saída dos bares, houve quem cantasse o hino. Alguns se sentaram na calçada e começaram a chorar, consolados por outros. Até que estourou uma confusão com policiais militares, que receberam pedradas e garrafadas. A resposta foi com tiros de borracha e bombas de gás. Funcionários do Palmeiras abriram o portão para que torcedores que ficaram presos no meio da briga pudessem se refugiar. Um torcedor foi baleado e morreu.

Quem foi até ali na esperança de comemorar o título mais sonhado de todos e viu tudo terminar daquele jeito pode ter dado razão ao pastor que pregava de frente ao prédio onde o clube nasceu. O futebol pode ser coisa do demônio mesmo.

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