Descrição de chapéu Pelé, o Edson

Ausência de ex-jogadores da seleção em funeral de Pelé repete imagens do passado

Desdém, aponta pesquisadora, diz mais sobre o futebol brasileiro do que sobre o craque

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São Paulo

"Que não venham com desculpas de treinos. Durante a noite, só não foi quem não quis. Isso prova que o jogador brasileiro não tem sentido de classe. Até os clubes me decepcionaram. Deveriam ter obrigado seus jogadores a comparecer, em forma de delegação."

A indignação caberia em janeiro de 2023. Mas foi observada há 40 anos. O zagueiro Brito, titular da seleção brasileira campeã mundial em 1970, no México, queixava-se da omissão de ídolos antigos e atuais do futebol nacional no velório de Mané Garrincha, morto no início de 1983.

"O futebol brasileiro, por seus grandes ídolos, está dando mau exemplo para o mundo", concordou o zagueiro Bellini, capitão do título de 1958.

Indignação semelhante tomou conta de torcedores e ex-atletas com a ausência de nomes importantes do futebol nacional no funeral de Pelé. Entre os vencedores das Copas de 1994 e 2002 e os integrantes do elenco que jogou o torneio do Qatar, há dois meses, apenas Mauro Silva, vencedor nos Estados Unidos, compareceu.

Entrada do mausoléu no Memorial Necrópole Ecumênica, em Santos, onde Pelé foi sepultado
Entrada do mausoléu no Memorial Necrópole Ecumênica, em Santos, onde Pelé foi sepultado - Nathalia Filipe/PMS

Pelé morreu na última quinta-feira (29), por insuficiência renal, insuficiência cardíaca, broncopneumonia e adenocarcinoma de cólon. Pelos cálculos do Santos Futebol Clube, mais de 230 mil pessoas passaram pelo velório do Rei do futebol, realizado no gramado da Vila Belmiro.

A maioria dos ausentes, apesar de procurada para esclarecimentos, não deu explicações. Ronaldo, Cafu, Roque Júnior e Bebeto, por exemplo, disseram que não puderam comparecer por estarem fora do Brasil.

Mesmo do elenco profissional da equipe santista, onde Pelé jogou de 1956 a 1974, compareceram apenas dez: Alex, Ângelo, Ivonei, João Paulo, Maicon, Marcos Leonardo, Patati, Pirani, Soteldo e Zanocelo. O site da agremiação cita 29 nomes no elenco profissional.

Entre os presidentes dos principais clubes do país, somente Julio Casares, do São Paulo, compareceu. O Palmeiras enviou representante.

A maior repercussão foi causada pelo desdém dos ex-campeões do mundo e jogadores atuais da seleção. O pai de Neymar, de mesmo nome, afirmou que o Paris Saint-Germain proibiu seu filho de comparecer.

"A ausência dessas pessoas no velório do Pelé diz mais sobre o futebol brasileiro do que sobre o Pelé. Os funerais são para os vivos, não para quem morreu. A ausência fala sobre a pobreza, essa miudeza que o futebol se tornou por causa dos atletas, a falta de cultura. Você tem pessoas que jogam e pouco pensam além do próprio umbigo. Ao não reconhecer a grandeza do Pelé, elas se mostram pequenas e incapazes de se situar na história do esporte", critica Katia Rubio, docente associada da Escola de Educação Física e Esporte da USP (Universidade de São Paulo).

A situação em que Garrincha morreu há 40 anos (pobre e longe dos holofotes) ficou como a marca do abandono no país a grandes ídolos. A família não tinha dinheiro para pagar o funeral, custeado pelo lateral Nilton Santos, bicampeão mundial com o atacante na seleção em 1958 e 1962.

Pelé não foi ao velório do antigo companheiro. Ele costumava não ir a esses eventos. Isso fez com que, no auge da briga entre os dois, Diego Maradona o acusasse de ter deixado Garrincha "morrer na miséria."

"Pelé é uma figura imortalizada. Os ídolos de ocasião vão se apagar e serão esquecidos. O Pelé, não. Vejo uma mágoa invejosa de atletas que vão ganhar muito dinheiro, mas não ficarão na memória do futebol como o Pelé ficou", diz Katia Rubio.

Não foi a primeira esnobada que o Rei recebeu, antes de morrer, de antigos integrantes da seleção brasileira. Vários deles estavam em Doha, no Qatar, para assistir à Copa do Mundo a convite da Fifa ou de patrocinadores. A Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol), que tinha um espaço no centro da capital, realizou uma homenagem a Pelé. Era de domínio público, no mundo do futebol, quão doente ele estava.

O único ex-atleta que marcou presença foi o argentino Javier Zanetti.

Na comparação com a morte de Diego Maradona, em 25 de novembro de 2020, Pelé foi muito menos prestigiado por nomes históricos de seleção e dirigentes. Doze campeões do mundo, entre jogadores e membros da comissão técnica, compareceram no velório do argentino. O mesmo para quatro presidentes de grandes times e cinco antigos capitães da alviceleste.

Entre os que disputaram Copas do Mundo pelo Brasil neste século, apenas Elano (2010) e Zé Roberto (2006) deram as caras no velório de Pelé.

O último esportista nacional a causar tamanha comoção na morte foi Ayrton Senna. As circunstâncias foram bem diferentes. Então com 34 anos, o piloto morreu horas após bater seu F1 no muro do autódromo de Ímola, na Itália, em uma prova transmitida ao vivo pela TV Globo.

Em seu enterro, o caixão foi carregado por 14 pilotos brasileiros e estrangeiros. Entre eles, os campeões mundiais Emerson Fittipaldi, Alain Prost e Jackie Stewart. O de Pelé foi conduzido ao velório por seus filhos e por seguranças do Santos.

A repetição das imagens dos gols do camisa 10, das suas jogadas, e a omissão de antigos jogadores da seleção ajudaram a causar indignação em torcedores, dentro da descrição feita pelo professor Ronaldo George Helal, coordenador do Grupo de Pesquisa Esporte e Cultura da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).

"As narrativas das trajetórias de vida dos ídolos esportivos frequentemente focalizam características que os transformam em heróis, A explicação para esse fato reside no aspecto agonístico, de luta, que permeia o universo do esporte. A competição é inerente ao próprio espetáculo", escreveu ele no estudo "A construção de narrativas de idolatria no futebol brasileiro".

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