Cartola com perfil de volante, Mauro Silva controla ansiedade de atletas

Em grupos de WhatsApp, o vice da Federação Paulista tenta passar otimismo

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São Paulo

Mauro Silva, 52, perdeu a conta de quantas vezes ouviu a mesma pergunta: quando o futebol vai voltar?

"Eu fui meio-campista, né? Estou acostumado a tocar a bola para cá e para lá", afirma o vice-presidente da FPF (Federação Paulista de Futebol), campeão mundial em 1994 com a seleção brasileira e volante de Guarani, Bragantino e Deportivo La Coruña (ESP).

Por "tocar a bola" ele quer dizer ter jogo de cintura. Porque as questões vinham nos grupos de WhatsApp que administra com capitães das séries A1, A2 e A3, as três principais do futebol paulista. Na maior parte do tempo, o hoje cartola não tinha uma data para passar e nem sequer sabia se o Estadual seria retomado depois da interrupção em março, causada pela pandemia da Covid-19.

"Principalmente nos clubes da A3, eu recebia relatos de jogadores que estavam trabalhando como serventes de pedreiro, em lava-jato. Foi difícil. Nunca imaginei que ficaria tanto tempo parado. Fizemos vídeoconferência com os capitães para falar o que acontecia. Explicamos que a volta não dependia da nossa vontade", conta.

Há cinco anos, Mauro Silva se tornou um personagem raro no futebol brasileiro: o ex-jogador dirigente de federação. Passou a ser o elo entre atletas e a entidade.

Mas nem todas as negociações com presidentes de clubes desde que assumiu o cargo, para que salários atrasados fossem pagos, o prepararam para lidar com a pandemia.

"Soubemos da dificuldade de alguns clubes e colocamos jogadores em contato com o sindicato [dos Atletas do Estado de São Paulo], que conseguiu cestas básicas a serem distribuídas. A Fenapaf [federação nacional dos atletas] também organizou uma campanha para ajudá-los. Depois da incerteza, a volta foi algo que a gente construiu juntos e com segurança. Voltamos com tudo alinhado e vamos sair dessa crise", completa.

Mauro Silva em sua sala na sede da Federação Paulista em 2017
Mauro Silva em sua sala na sede da Federação Paulista em 2017 - Eduardo Knapp-21.jul.17/Folhapress

A Série A1 reiniciou na última quarta (22). A proposta é que a A2 retorne em 19 de agosto. A A3 ainda não tem data para recomeçar. A Segunda Divisão (como é chamado o quarto nível) ainda não começou. Clubes ouvidos pela Folha esperam que isso aconteça em setembro.

Para os integrantes de elencos da A3 e Segunda Divisão (conhecida popularmente como "bezinha") que ainda estão parados, Silva ainda repete que o recomeço não depende da federação, mas do governo do estado.

O que ele admite fazer é sempre tentar achar uma mensagem otimista para passar. Uma das lições que aprendeu como jogador de futebol diz que "pessimismo é alta traição."

"A gente não quis e não quer colocar datas, porque algumas entidades fizeram isso e não cumpriram. É difícil, porque as perguntas eram e são constantes por telefone, WhatsApp... Eu tenho de dar a cara e estar em contato com eles. Mas sempre olho o copo meio cheio. Sempre acreditei que a gente ia voltar, mesmo que em um cenário de incerteza. Vamos cumprir nossa obrigação de concluir o campeonato em campo", afirma.

Além da Covid-19, o esporte foi engolido durante a paralisação pela onda de protestos contra o racismo, iniciados nos Estados Unidos. Alguns atletas abraçaram a causa, como Lewis Hamilton, hexacampeão da F-1. Outros a apoiaram de forma mais aberta ou discreta. Houve os que permaneceram calados.

A liderança de Mauro Silva como jogador sempre foi discreta fora de campo e efetiva dentro. Ele foi eleito o maior nome da história do La Coruña, clube pelo qual conquistou a liga espanhola em 2000. Foi o melhor em campo na noite em que a pequena equipe da Galícia estragou a festa do centenário do Real Madrid e ganhou a final da Copa do Rei no estádio do rival, em 2002.

O currículo lhe mostra que liderar pelo exemplo, com a bola rolando, é importante. Mas no caso do combate ao racismo, ele defende que os jogadores têm o dever de se manifestar em público.

"Quando o atleta se posiciona, sem dúvida ele contribui. É o legado que pode deixar. Quem vive e passa por essas dificuldades constantemente precisa disso. Todos os atletas serem sensíveis a isso e fazerem a sociedade ser melhor é também o objetivo do esporte. Você tem um papel social que tem de cumprir. Gosto muito quando isso acontece", afirma.

O hoje vice-presidente da Federação Paulista se empolga com o assunto. Começa a falar sobre a responsabilidade social do futebol, mas também sobre os problemas que afetam os negros no Brasil, a falta de ensino básico, a escravidão, o despreparo de milhões no momento em que foram libertos pela Lei Áurea...

Discursa pelas diferenças econômicas até chegar em como a pandemia pode abalar a educação de uma geração de jovens. "Quem tem dinheiro continua estudando em casa. E quem não tem e não possui computador ou internet?", questiona.

Mauro Silva afirma que, em seus cinco anos de FPF, jamais foi informado ou teve de intervir em um caso de racismo no futebol do estado.

O passado de atleta vencedor, sem grandes polêmicas, e o perfil político que cultivou nos últimos anos o fazem ser visto como um possível candidato a presidente da entidade no futuro. Passar pelo processo do coronavírus, para ele, é mais um aprendizado de alguém que se define como adepto do pragmatismo.

"Volante sempre foi uma posição pragmática em campo. O importante é tocar na banda, não importa o instrumento. Do mesmo jeito que estava disposto a ajudar a seleção, o La Coruña e o Bragantino, e sempre tive sucesso, deixando interesses pessoais e pensando no coletivo, é assim que faço hoje. Assim a gente não erra", finaliza.

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