'Futebol é homofóbico, mas vai melhorar', diz meia tcheco que se declarou gay

Jakub Jankto, primeiro jogador internacional em atividade a se assumir gay, diz que a sensação foi de libertação

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Raphael Minder
Praga | Financial Times

Se Jakub Jankto tivesse escolhido outro trabalho que não o futebol profissional, ele diz que provavelmente teria revelado sua homossexualidade uma década atrás. Mas o meio-campista tcheco esperou até os 27 anos para se tornar o primeiro jogador internacional em atividade a se declarar gay.

"O futebol é um pouco homofóbico, mas acredito que com o meu exemplo vai melhorar", disse Jankto. "Conheço muitas pessoas que trabalham em fábricas ou bancos [e são abertamente gays], mas no futebol é sempre uma decisão difícil."

Seu anúncio no mês passado foi bem recebido por jogadores importantes como Neymar e por grupos de direitos gays, mas também chamou a atenção para a questão: o futebol masculino está fazendo o suficiente para apoiar jogadores com diferentes orientações sexuais e combater atitudes homofóbicas entre jogadores e torcedores?

Tcheco Jakub Jankto, durante treino em Praga; atleta diz que sua declaração sobre a orientação sexual foi bem recebida no meio do futebol - Michal Cizek - 16.jun.21/AFP

A Fifa compartilhou seu apoio a Jankto no Twitter. Dois meses antes, porém, o órgão regulador do esporte havia sofrido com as reações negativas à Copa do Mundo do Qatar, um estado repressivo do Golfo Pérsico que proíbe atos homossexuais.

Uma autoridade do Qatar se referiu à homossexualidade como "defeito mental", enquanto a Fifa proibiu uma iniciativa de times europeus para promover a inclusão com braçadeiras de arco-íris. Além disso, os torcedores foram impedidos de demonstrar apoio aos direitos dos homossexuais dentro dos estádios.

Jankto descreveu sua vida desde que se assumiu como uma libertação e, até agora, inesperadamente sem os insultos e abusos que temia. Ele disse que recebeu ofertas de patrocínio desde sua revelação.

"Finalmente posso jogar futebol [sentindo-me] completamente livre e não preciso pensar nisso, não apenas em campo, mas também fora dele", disse Jankto ao Financial Times no campo de treinamento de seu clube, o Sparta Praga. "Talvez eu estivesse esperando alguma reação ruim, mas 99% delas foram muito boas."

Finalmente posso jogar futebol [sentindo-me] completamente livre e não preciso pensar nisso, não apenas em campo, mas também fora dele

Jakub Jankto

meia do Sparta Praga

Poucos jogadores gays revelaram sua sexualidade. Atletas que a assumiram publicamente, como o alemão Thomas Hitzlsperger, muitas vezes o fizeram depois de se aposentar. Em 2021, Josh Cavallo se tornou o primeiro jogador abertamente gay de um clube de primeira divisão, no Adelaide United, da Austrália.

Na Inglaterra, Jake Daniels, do Blackpool, na segunda divisão, "saiu do armário" no ano passado, mais de três décadas depois que a revelação de Justin Fashanu no final de sua carreira provocou uma reação hostil. Fashanu se suicidou em 1997.

Muitas jogadoras de futebol, incluindo atletas importantes como a estrela americana Megan Rapinoe, são declaradamente lésbicas. Jankto disse que a goleira tcheca Barbora Votiková, que joga no Paris Saint-Germain, foi uma inspiração. "Talvez os homens tenham mais medo", disse ele.

Jankto relembrou a luta pelo êxito em campo enquanto se sentia "pressionado" para atender às expectativas heterossexuais depositadas nos astros do futebol masculino. "Dos 15 aos 26 anos, sempre tentei me relacionar com garotas, mas não deu certo. No ano passado eu disse que isso não fazia sentido... Eu não queria mais me esconder."

Stefan Lawrence, professor sênior de gestão de negócios esportivos na Universidade Beckett, em Leeds, disse que o futebol feminino tem uma "cultura mais aberta e receptiva", em parte porque "se baseia num desafio às normas de gênero 'tradicionais'".

O futebol masculino historicamente "desempenhou a função oposta, que era confirmar e reforçar os papéis tradicionais de gênero", disse Lawrence, criando uma "cultura que promove tacitamente a heterossexualidade compulsória".

Jankto representou a República Tcheca 45 vezes desde sua estreia pela seleção principal em 2017. Depois de jogar na primeira divisão da Itália, incluindo quase cem partidas pelo Sampdoria após uma transferência de 15 milhões de euros do Udinese, ele se juntou ao clube espanhol Getafe, que o emprestou no ano passado ao Sparta, clube tcheco de maior sucesso.

Entre os ex-membros do bloco comunista na União Europeia, a República Tcheca é um dos mais progressistas em relação aos direitos LGBTQIA+. Em 1962, a então Tchecoslováquia descriminalizou a homossexualidade e, em 1990, igualou em 15 anos a idade de consentimento para relações sexuais. Praga legalizou as uniões entre pessoas do mesmo sexo em 2006.

Mais que a reputação liberal de seu país, porém, Jankto disse que o retorno ao ambiente familiar facilitou sua decisão de se assumir: "Com certeza é melhor para mim dizer isso na República Tcheca, porque estou em casa. Provavelmente eu não teria dito na Espanha."

Jankto disse que revelou sua homossexualidade no ano passado para amigos próximos e familiares, incluindo sua parceira, a modelo Markéta Ottomanská, com quem terminou. Eles têm um filho de 3 anos. Então ele contou a seu treinador e a companheiros de equipe antes de ir a público em um vídeo divulgado no mês passado.

Em 2021, Jankto ajudou sua seleção nacional a chegar às quartas de final do Campeonato Europeu, mas os tchecos não se classificaram para a Copa do Mundo do Qatar.

Jankto disse que a Fifa e outros órgãos governamentais "podem ajudar mais" no combate aos preconceitos dentro do jogo, mas sentiu que os problemas são mais profundos do que os cantos racistas ou homofóbicos dirigidos das arquibancadas aos jogadores: "Não acho que seja um problema [dos torcedores], é um problema geral".

O diretor de comunicação do Sparta, Ondřej Kasík, disse que o clube "decidiu ficar em algum lugar no meio, não se tornar ativista, mas ao mesmo tempo proteger Jakub e explicar às pessoas que o clube o apoia totalmente".

Mas, para os jogadores mais jovens do clube, a decisão de Jankto repercutiu. "É corajoso da parte dele", disse Kai Jupa-Williams, um canadense de 15 anos que se mudou para Praga no ano passado para se juntar à equipe juvenil do Sparta. Ele disse que isso faria com que "outras pessoas tivessem menos medo" de se assumir.

Jankto disse que não quer se tornar a face pública do movimento LGBT+, embora apoie o trabalho dos grupos de defesa. Mas espera ser mais lembrado por suas façanhas em campo.

"Não quero ser o líder ou o porta-voz dessa comunidade. Não quero que as pessoas se lembrem de mim como gay, mas como um bom jogador e um jogador corajoso."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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