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Sites de apostas precisam pagar por educação financeira de clientes, diz presidente da FPF

Reinaldo Carneiro Bastos afirma que falta de regras tira recursos e estimula manipulação de resultados

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Brasília e São Paulo

Cartola há 43 anos e presidente da Federação Paulista de Futebol desde 2015, Reinaldo Carneiro Bastos, 70, diz que a legislação brasileira está atrasada em relação às mudanças mais recentes no futebol nacional, impulsionadas pela expansão do mercado de apostas virtuais.

Para Bastos, essa zona cinzenta tem gerado perdas financeiras para o esporte nacional, pois as empresas de apostas online não pagam impostos. Por outro lado, ele diz que é possível que esse cenário tenha criado um mercado inflacionado para todos os agentes, inclusive empresas de comunicação, que tende a murchar com a implementação das cobranças.

A desregulamentação também explica, segundo ele, a falta de rigor nas punições dos que têm se envolvido em esquemas de manipulação de resultados

Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da FPF, durante entrevista à Folha
Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da FPF, durante entrevista à Folha - Moacyr Lopes Junior-26.jan.2017/Folhapress

O cartola afirma, por exemplo, que considerou branda a punição de 12 jogos de suspensão imposta pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) ao zagueiro Eduardo Bauermann, do Santos, um dos casos da mais recente máfia das apostas.

Bastos propõe que uma nova legislação inclua mecanismos para amenizar os efeitos nocivos das apostas, como a definição de limites de quem pode ou não apostar com base em critérios de renda, além do custeio de cursos de educação pelas empresas de apostas.

Possível candidato à presidência da CBF diversas vezes na última década, ele diz que o assunto já está superado para ele. Ex-aliado de comandantes da CBF que caíram em desgraça em meio a escândalos de corrupção, como José Maria Marin e Marco Polo Del Nero, Bastos diz que eles não têm mais influência na organização, que, com Ednaldo Rodrigues, teria entrado em um processo de democratização e modernização.

Segundo ele, o próximo passo inevitável nesse sentido é a formação de uma liga pelos clubes, comandada por dirigentes profissionais desvinculados das agremiações, como nos grandes centros europeus.

Como o senhor está vendo a situação do futebol brasileiro hoje? A gente precisa cada vez mais de gestão. Transparência, fair play. Não só no futebol. Mas precisa de gestão profissional. A chegada das SAFs [Sociedade Anônima de Futebol, que permitiu que clubes sejam transformados em empresas], independentemente da forma como chegou, vai fazer bem para o futebol.

A CBF mudou. Com a chegada do Ednaldo [Rodrigues, presidente] isso muda. A CBF jamais saía da mão de quem estava na cadeira, tendo necessidade de ter oito assinaturas de presidente de federação para se candidatar. Agora preciso de quatro só. Agora é viável.

Tem que ter plataforma, tem que ter projeto, tem que ter plano. Não basta mais ser ungido por um padrinho, por dois ou três padrinhos. Então, essa nova administração da CBF que se inicia recuperou a credibilidade na América do Sul, na Fifa, na comunidade internacional.

Financeiramente, eles [sites de apostas] estão em 97% das competições, em 97% dos clubes e investindo muito dinheiro. O que me preocupa é que nós estamos já há alguns anos sem regra. Sem pagar imposto

Reinaldo Carneiro Bastos

presidente da FPF

Mas a lógica segue a mesma, não? As federações continuam recebendo suas mesadas, até maiores, e isso continua contando na hora de tomar decisões e dar apoio. "Mesada" é um termo que eu não acho apropriado. A mesada que você chama, para a Federação Paulista e para as maiores, significa muito pouco.

Mas ela significa a subsistência das pequenas. Se você pegar o ranking, virar de cabeça para baixo, pelo menos até a décima ou até a décima segunda elas sobrevivem com essa ajuda de custo da CBF.

É muito fácil a gente dizer que as federações estavam penduradas nessa ajuda de custo. Mas quando você vê que tem uma chapa única, você vai fazer oposição como?

Por isso que ter quatro federações só no próximo processo eleitoral abre ao futebol brasileiro uma nova realidade que a gente só vai saber o que vai acontecer quando as eleições começarem. Eu sou otimista que vai ser melhor.

Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, durante treinamento da seleção brasileira
Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, durante treinamento da seleção brasileira - Abdelhak Balhaki-26.mar.2023/Reuters

O futebol brasileiro tem um novo player, que são os sites de apostas esportivas. Como o senhor vê a influência deles no futebol hoje? Influência política eu não senti nenhuma ainda. Financeiramente, eles estão em 97% das competições, em 97% dos clubes e investindo muito dinheiro. O que me preocupa é que nós estamos já há alguns anos sem regra. Sem pagar imposto.

Qualquer um de nós aqui, se fizermos uma conta, se estivéssemos ficado três ou quatro anos sem pagar imposto, nossa conta bancária estaria muito melhor.

Elas estão patrocinando muito o futebol brasileiro. O que é que vai acontecer quando ela for regulamentada, quando ela passar a ter obrigações e quando ela passar a pagar impostos? Eu não sei. O que vai acontecer especificamente para o futebol, eu não sei. Se o dinheiro diminuir, o futebol vai sentir. E não é só o futebol. As empresas de comunicação também. Elas estão em rádios, em TV.

O senhor acha saudável incentivar a população de um país como o Brasil a fazer apostas? Tudo que não tem regra viabiliza esse tipo de comentário. Não tem regra. Isso é um assunto muito grande, muito sério, para viver sem regra.

Acho que a pessoa tem que ter um ganho mínimo para poder jogar ou, de acordo com a sua renda, ter um limite para jogar por mês. Mas, principalmente, não há um investimento das bets para educar.

A educação é fundamental para ensinar ao jovem que ele não pode jogar, ao jovem atleta que ele não pode jogar, ao atleta já profissional que isso é crime, que não pode jogar, ensinar ao cidadão que isso pode ser prejudicial à renda dele, que isso pode prejudicar a família dele

O senhor defende que isso entre na MP das apostas esportivas? Em algum lugar tem que ter. Acho que deve haver uma regra para as pessoas. Para muita gente, isso é um vício. Como tal, deve ser tratado, cuidado e observado. Eu acredito que a lei ou a Medida Provisória precisam tratar disso com seriedade, precisam estabelecer uma regra.

De quem deveria ser a responsabilidade de educar? É sempre do governo. Mas acho que se eu vou patrocinar, tenho que destinar um percentual para educar quem você vai atingir.

Esse é um assunto que já virei a página, não serei candidato à presidência da CBF. Estou no meu último mandato aqui na Federação, eu não posso me reeleger. Chegou a minha idade, eu já contribuí com tudo que eu poderia contribuir

Reinaldo Carneiro Bastos

presidente da FPF

Dizem que as empresas não têm muita disposição em destinar algum dinheiro para isso. Eu acho essa afirmação, assim, muito genérica. A gente precisa mostrar a eles qual é a regra do jogo. Já que a gente vai começar, vai regularizar isso, vamos atualizar a lei, não é? Nossa legislação é antiga, arcaica. Não pode ter uma lei que a punição é para a manipulação de resultado. Isso é lá atrás. Agora tem [apostas sobre] escanteio, cartão amarelo, número de falta. Não é só resultado. A gente tem que ser firme nisso.

O que achou da punição do Bauermann? Falando não como advogado, não conheço os autos, mas não gostei, achei branda. Tem que ser muito rigoroso.

Banimento? Tem que ter banimento, sim, isso é grave. Rigor com atletas, rigor com os assediadores, tem que ser rigoroso com todo mundo, por isso que a gente precisa melhorar a legislação.

Eduardo Bauermann atua pelo Santos contra a Universidad Católica, em partida da Copa Sul-Americana do ano passado
Eduardo Bauermann atua pelo Santos contra a Universidad Católica, em partida da Copa Sul-Americana do ano passado - Paulo Pinto - 13.abr.22/AFP

E as ligas? É a solução. Defendo que a liga não deve ser comandada por nenhum dirigente de futebol, nem ex-presidente de federação. Tem que ser pessoas do mercado que não tragam esse bairrismo junto. Aconteceu um lance duvidoso de arbitragem, é porque o presidente da liga é de tal time. A gente tem que tirar isso.

O senhor é o próximo candidato da CBF? Esse é um assunto que já virei a página, não serei candidato à presidência da CBF. Estou no meu último mandato aqui na Federação, eu não posso me reeleger. Chegou a minha idade, eu já contribuí com tudo que eu poderia contribuir. Poderei estar numa chapa como vice de novo. Ser líder desse projeto não me encanta mais. CBF é algo tão grandioso que eu vejo como o segundo cargo de maior importância no Brasil.

Esse é um assunto que já virei a página, não serei candidato à presidência da CBF. Estou no meu último mandato aqui na federação, eu não posso me reeleger. Chegou a minha idade, eu já contribuí com tudo que eu poderia contribuir

Reinaldo Carneiro Bastos

presidente da FPF

O que o sr. está achando da gestão de Ednaldo Rodrigues? Eu acho que se ele deixou inimigos lá, já é um bom sinal, porque ele tirou muita gente de lá. Se eu fosse presidente da CBF também tiraria. Eu vejo nele uma dedicação constante, um trabalho de mais de 20 horas por dia.

Volto a frisar. Além do respeito que a CBF readquiriu nas entidades, um grande legado foi capitanear esse processo de democratização da CBF. As próximas eleições da CBF serão democráticas, transparentes, não serão feitas sob quatro paredes chamando presidente [de federação] para assinar sob pressão um apoio.

Será que chega primeiro uma legislação mais adequada para essa questão das apostas ou chega um técnico na seleção brasileira? Ser rápido não significa fazer a melhor escolha. Esse é um processo que está na mão inteiramente do presente Ednaldo. Eu acho que mais importante é escolher bem.

Entre os nomes que estão na mesa, o senhor prefere quem: Carlo Ancelotti, Abel Ferreira, Dorival Júnior ou Fernando Diniz? Eu tenho as minhas convicções, mas, como presidente da federação de São Paulo, emitir minha opinião só atrapalha.

O senhor se arrepende de ter feito parte das gestões passadas da CBF? Não, porque se eu não tivesse feito parte das gestões, eu não estaria aqui, ninguém muda nada de fora. Se você não estiver cutucando, empurrando, exigindo, cobrando, você não muda de fora do sistema.

Carlo Ancelotti dirige o Real Madrid em partida contra o Athletic Bilbao, pelo Campeonato Espanhol
Carlo Ancelotti dirige o Real Madrid em partida contra o Athletic Bilbao, pelo Campeonato Espanhol - Juan Medina - 4.jun.23/Reuters
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