Descrição de chapéu Futebol Feminino

Com equipe multicampeã, Barcelona se transforma na capital do futebol feminino

Time conquistou no sábado o tricampeonato da Liga dos Campeões da Europa

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Rory Smith María Garrido
Barcelona | The New York Times

Pouco mais de uma hora antes do início do jogo, os portões do Estádio Johan Cruyff se abrem e cerca de mil fãs correm para dentro. Alguns se apressam para as catracas. Outros esperam pacientemente nas barracas de mercadorias, ansiosos para comprar uma camisa, um cachecol, um souvenir comemorativo.

A fila mais movimentada e longa, no entanto, se forma do lado de fora de um estande que oferece aos fãs a chance de tirar uma foto com seus heróis. Em questão de minutos, ela se estende até a entrada, povoada por pais carinhosos e pré-adolescentes fascinados esperando ter chegado a tempo.

Eles vieram para ver a equipe de futebol feminino mais dominante do planeta. O Barcelona Femení foi campeão espanhol todos os anos desde 2019. Não perdeu um jogo da liga desde maio passado, uma sequência durante a qual oito de suas jogadoras também levantaram a Copa do Mundo feminina. No sábado (25), a equipe conquistou seu terceiro título da Liga dos Campeões feminina, que coroa a melhor equipe profissional da Europa, em quatro temporadas.

Torcida do time feminino do Barcelona durante partida contra o Atlético de Madrid no Estádio Johan Cruyff, em Barcelona
Torcida do time feminino do Barcelona durante partida contra o Atlético de Madrid no Estádio Johan Cruyff, em Barcelona - Maria Contreras Coll - 18.fev.2024/The New York Times

Esse sucesso transformou os destaques da equipe em estrelas globais e o clube em algo que muitas vezes parece um gigante. Também transformou o Barcelona e a região mais ampla da Catalunha no coração global do futebol feminino, um estudo de caso sobre o que acontece quando o jogo feminino conquista o mesmo destaque que o masculino.

Nas ruas da cidade, as camisas com o nome de Alexia Putellas ou Aitana Bonmatí, as maiores estrelas do Barça Femení, são tão comuns quanto aquelas com os nomes de um ícone da equipe masculina. E nos campos de futebol da região, um boom está acontecendo, com o que antes era um espaço dominado por homens agora inundado por mulheres e meninas.

O número de jogadoras de futebol registradas na Catalunha dobrou nos últimos seis anos e espera-se que cresça exponencialmente na próxima década. Há mais treinadores, mais clubes, mais equipes, mais jogos, mais ligas.

Os jovens fãs na fila para uma foto não estavam esperando por uma imagem com um herói distante. Eles estavam esperando, em vez disso, estar perto o suficiente para tocar nas mulheres que ajudaram a tornar tudo isso realidade.

Cidade em ebulição

Desde os 11 anos até os 14, disse Marta Torrejón, ela nunca jogou futebol contra outra garota. Ela fez isso na juventude, quando representava equipes de bairro. Mas desde o momento em que se juntou ao Espanyol —o menor dos dois clubes de futebol profissional de Barcelona— seus companheiros de equipe e adversários eram todos meninos.

Às vezes, ser a única garota entre os talentos que cresceria para jogar na primeira divisão espanhola a fazia se sentir "deslocada", ela admitiu, mas na maior parte do tempo estava simplesmente agradecida.

Os primeiros passos de Torrejón no futebol foram tanto típicos quanto não. Típicos porque ela começou a jogar no final dos anos 1990, quando as oportunidades para as meninas fazerem isso —em Barcelona, na Espanha, na Europa— eram escassas e quando aquelas que se juntavam aos times de meninos nem sempre eram bem-vindas.

"Minha mãe me disse que havia pais perguntando se ela sabia que havia times de meninas em algumas aldeias", disse Torrejón. "Minha mãe diria, 'Isso é ótimo, mas ela está aqui.'"

E não típicos porque Torrejón não era apenas corajosa o suficiente para suportar, mas também talentosa o suficiente para se destacar. Ela só se juntou a um time de meninas aos 14 anos, quando a lei espanhola exigiu que ela fizesse isso. Poucos meses depois, ela estava no primeiro time do Espanyol. Ela conquistou um título espanhol lá e depois adicionou mais seis com o Barcelona Femení.

Agora, no entanto, sua experiência parece anacrônica. Apesar da vitória da Espanha na Copa do Mundo no ano passado ter sido ofuscada pela visão de Luis Rubiales, presidente da federação de futebol do país na época, beijando à força Jennifer Hermoso, uma de suas jogadoras mais celebradas, no pódio —um incidente que acabou levando a uma acusação de agressão sexual— o crescimento exponencial do futebol feminino em Barcelona está inabalado.

Nos últimos três anos, a equipe feminina do Barcelona triplicou o dinheiro que arrecada com patrocínios, mercadorias e venda de ingressos. Agora ela ganha US$ 8,5 milhões (R$ 43,8 milhões) por temporada apenas com seus patrocinadores. Seu estádio está lotado. Em 2023, o ano que trouxe o título da Copa do Mundo para a Espanha, as vendas online de roupas femininas do clube aumentaram cerca de 275%.

Para o clube, o sucesso da equipe feminina tem sido mais do que um estímulo econômico: numa altura em que alegações de corrupção, má gestão financeira e desempenho fraco giram em torno do time masculino, os executivos admitem reservadamente que a equipe feminina provou ser um tônico bem-vindo para autoestima do clube.

Muito mais significativas, porém, são as oportunidades que foram criadas. Duas décadas desde que Torrejón abriu um caminho solitário, meninas esperançosas de seguir seus passos têm uma abundância de escolhas. Um exemplo ilustrativo: em 2019, Sant Pere de Ribes, um clube nos arredores da cidade onde Bonmatí começou sua carreira, tinha apenas uma equipe feminina e contava com somente nove jogadoras. Agora existem 10 equipes femininas, além de uma equipe feminina sênior.

"Temos muitas meninas se juntando porque é o time onde Aitana jogou", disse Tino Herrera, presidente do clube.

Esse crescimento refletiu-se em outros lugares, forçando o órgão que supervisiona o futebol na Catalunha —a Federação Catalã de Futebol— a se modernizar, e rapidamente, para garantir que todas as meninas que queiram jogar tenham um lugar para fazê-lo.

Para Torrejón, com suas lembranças de ter sido informada de que o futebol não era lugar para meninas, isso é motivo de imenso "orgulho e satisfação".

"O que você faz cria um impacto nas outras pessoas e uma mudança que não existia antes", disse ela. "As meninas que estão chegando agora têm essas referências que não tínhamos. Elas veem algo no futuro desta profissão."

Futebol o tempo todo

Laura Cuenca tentou de tudo. Levou sua filha para dançar. Tentou patinação no gelo. Ofereceu corrida de cross-country. Mas Sonia estava decidida: ela queria jogar futebol.

A hesitação de Cuenca era puramente logística. Ela sabia que o futebol significaria uma agenda exigente de treinos durante a semana e fins de semana consumidos por jogos. "Você nunca pode ir à praia, por exemplo", disse Cuenca, um pouco resignada.

Sonia, porém, foi insistente. Ela ama futebol, e sua mãe a ama, então a rendição era inevitável, realmente. E agora Cuenca passa mais uma noite de sábado no Centro Esportivo Sabadell, observando Sonia entrar em campo. Haverá outro jogo no domingo, a cerca de uma hora de distância, em Barcelona. Na próxima semana, haverá mais três sessões de treinamento.

É muito para Cuenca, mas ainda mais para sua filha. "Ela tem 16 anos, então há o trabalho escolar, obviamente", disse sua mãe. "Depois há seus amigos, seu trabalho, sua vida amorosa. É muito para ela equilibrar."

Assim como em todos os lugares, Sabadell viu um aumento de meninas querendo jogar: 206 jogadoras este ano, acima das 84 registradas em 2020, de acordo com Bruno Batlle, presidente do centro.

Logisticamente, isso é um desafio —há apenas quatro campos, e muitas mais equipes exigindo usá-los— e leva a certas desigualdades que, para pais como Cuenca, são um lembrete de que o futebol ainda é um lugar mais desafiador para meninas do que para meninos.

Em Sabadell, por exemplo, são as equipes femininas que muitas vezes têm que se contentar com os piores horários de treinamento. "Às vezes elas não terminam até as 23h", disse Cuenca. "Então Sonia não vai para a cama até muito tarde, o que significa que ela está cansada para a escola."

E enquanto jogadores talentosos nas equipes masculinas podem ter suas taxas de inscrição ou custos de viagem subsidiados, as meninas têm que pagar do próprio bolso. A revolução, observou Cuenca, ainda não está completa.

O fato de que ainda há batalhas a serem travadas, no entanto, não significa que a guerra não esteja sendo vencida. Cuenca não tem certeza de qual porcentagem disso pode ser atribuída ao Barça Femení; houve, ela disse, uma mudança social mais ampla que praticamente extinguiu a "ideia de que o futebol não é para meninas".

Ela não tem dúvidas, porém, de que sua filha foi inspirada ao ver o que é possível, jogando a apenas uma hora de distância.

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