Empresa que lançou a Folha nasceu sem dinheiro para pagar salários, mas cresceu rápido

Registro de firma individual custou equivalente a menos de R$ 100 e foi aprovado em quatro dias

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São Paulo

A empresa que pôs a Folha da Noite nas ruas de São Paulo no início do século passado obteve seu registro formal quatro dias após o lançamento do jornal, depois de responder seis perguntas simples e desembolsar uma pequena quantia para pagar duas taxas às autoridades.

Ela foi registrada como uma firma individual pelo jornalista Olival Costa, que fundou o novo diário com um grupo de colegas em fevereiro de 1921. O pedido de registro foi apresentado na tarde do dia 18, quando eles se preparavam para rodar a primeira edição da Folha, e foi aprovado no dia 23.

Documentos preservados nos arquivos da Junta Comercial do Estado de São Paulo mostram que Olival não precisou nem sequer anotar o nome completo (Olívio Olavo de Olival Costa) e apenas respondeu às perguntas de praxe sobre a finalidade do negócio, seu capital inicial e o endereço da sede.

O jornalista desembolsou 9.000 réis com as duas taxas, uma de 4.000 réis pela inscrição do registro da empresa e outra de 5.000 réis pelo arquivamento dos papéis. Era dinheiro suficiente na época para comprar 90 exemplares do jornal. Em valores atualizados, as duas taxas somariam menos de R$ 100.

"O procedimento para abertura de uma empresa era bem mais simples do que o adotado hoje em dia", afirma o economista Michel Marson, da Universidade Federal de Alfenas (MG), um estudioso do período. "Mas pode ser que, aos olhos dos empresários da época, fosse muito burocrático."

Hoje, um trabalhador que quiser iniciar negócio próprio pode se registrar como microempreendedor individual na internet sem muita burocracia e sem pagar nada. Mas somente negócios com faturamento anual de até R$ 81 mil têm essa facilidade, e eles não podem contratar mais de um funcionário.

Para abrir uma empresa, é preciso preencher ao menos quatro documentos e pagar taxas que, somadas, podem alcançar R$ 1.200 em São Paulo, se for necessário obter uma licença da prefeitura para exercer a atividade, de acordo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

No tempo em que Olival Costa lançou a Folha da Noite, a legislação trabalhista era incipiente, e a Receita Federal e a Previdência Social não existiam. Isso tornava a vida das empresas muito mais simples, permitindo que operassem com um grau de informalidade que seria arriscado hoje em dia.

"Os redatores trabalharam um bom tempo sem receber salários nos primeiros meses", diz o jornalista Matías Molina, que prepara o segundo volume de uma história dos jornais brasileiros. Eles recebiam refeições de um restaurante do centro da cidade, que, em troca, ganhava espaço publicitário na Folha.

Ao registrar sua empresa, Olival declarou como capital inicial uma soma modesta, dois contos de réis, quantia que seria equivalente a cerca de R$ 20 mil hoje em dia. Na época do lançamento do jornal, esse dinheiro dava para comprar 35 sacas de café no porto de Santos, ou 44 assinaturas anuais da Folha.

Era um capital modesto até se comparado ao de outras publicações da época. Mesmo jornais fundados por imigrantes italianos e espanhóis tinham mais recursos. A empresa responsável pelo Diário Popular, criado por José Maria Lisboa em 1884, entrou na década de 1920 com capital de 200 contos de réis.

Olival e seus colegas trabalhavam para o jornal O Estado de S. Paulo, então o diário paulista de maior prestígio, quando decidiram criar a Folha. A falta de dinheiro os levou a negociar um acordo com o antigo empregador para imprimir o jornal em suas oficinas, situação que perdurou por alguns anos.

Os jornalistas tiveram que buscar recursos próprios para os primeiros pagamentos à gráfica do concorrente. Como escreveu a socióloga Gisela Taschner no seu livro sobre as origens da Folha, era uma "empresa nascida de modo aventureiro, precário, com patrões sem capital e assalariados sem salário".

O êxito comercial do jornal permitiu que as coisas mudassem com o tempo. Mais de um ano após o lançamento, a empresa foi transformada numa sociedade limitada, registrada por Olival e quatro sócios com capital de 80 contos de réis. A primeira rotativa, usada, foi importada da Itália, em 1925.

Segundo um depoimento deixado por um dos fundadores, Pedro Cunha, que foi gerente da empresa, os lucros obtidos pela Folha da Noite mais do que triplicaram entre 1925 e 1927. A sociedade acabou sendo dissolvida em março de 1929, quando Olival voltou a ser o único responsável pelo jornal.

Um boletim estatístico publicado na época mostra que Olival dispunha a essa altura de um capital de 2.000 contos de réis, mil vezes maior do que o declarado no início da firma, e tinha 61 operários na folha de pagamento. O Estado de S. Paulo tinha capital de 12.000 contos de réis e 347 empregados.

A trajetória de Olival foi interrompida pela Revolução de 1930, quando as instalações do jornal foram depredadas por simpatizantes do movimento que levou Getúlio Vargas ao poder. A Folha deixou de circular temporariamente e reapareceu em 1931, após a empresa ser adquirida por novos donos.

Como abrir uma empresa

Em 1921

Exigências O registro era facultativo. Bastava apresentar requerimento à Junta Comercial informando o nome da firma, nome e assinatura do dono, reconhecida por um tabelião, atividades que pretendia exercer, capital inicial, data em que começaria a funcionar, endereço da sede e de eventuais filiais.

Custo 9.000 réis, equivalentes a menos de R$ 100 hoje

Em 2021

Exigências Para abrir uma microempresa, é preciso obter o CNPJ na Receita Federal, apresentar um requerimento e uma declaração à Junta Comercial e pedir licença à prefeitura, dependendo da atividade que se pretende exercer. Em São Paulo, é possível fazer tudo num balcão único na internet

Custo Somadas, as taxas podem variar de R$ 170 a R$ 1.200

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