Descrição de chapéu Folha Social+

Evento convoca ricos para filantropia estratégica pós-pandemia

Movimento Bem Maior e Santander realizam encontro para fomentar cultura de doação e superar desigualdades no Brasil

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

"Temos que falar mais alto. Exigir que Brasília cumpra os direitos sociais e que nunca haja retrocesso nesse sentido", afirmou o filantropo Elie Horn para a plateia que lotou o Teatro Santander, em São Paulo, nesta segunda-feira (25) para acompanhar Legado, evento realizado pelo Movimento Bem Maior e Santander Brasil.

Em um bate-papo no palco com Luciano Huck, o fundador da Cyrela e primeiro brasileiro a assumir o compromisso público de doar boa parte da fortuna em vida conclamou empresários a "fazer o bem".

Evento Legado - Movimento Bem Maior
Evento Legado - Movimento Bem Maior - Gladstone Campos/Movimento Bem Maior

"Fazer justiça social nada mais é do que obrigação", disse Horn. "Nós somos responsáveis pelo mal-estar dos pobres. Temos obrigação moral, cívica e pública de ajudar."

Os dois cofundadores do Movimento Bem Maior puxaram o debate para fomentar a cultura de doação no país e despertar consciências.

​Huck enalteceu o terceiro setor como incubadora de políticas públicas, mas ressaltou o papel do Estado para dar escala às soluções para os grandes desafios socais do Brasil. "Temos que formar novas lideranças e participar da política e de governos para não continuar liderados por medíocres", disse. "Temos gente boa de esquerda e de direita."

O apresentador também fez uma provocação à plateia de homens brancos e ricos, como ele, ao dar o exemplo de dona Vanilda, negra e ex-empregada doméstica de Belo Horizonte, que construiu uma biblioteca pública com o dinheiro ganho em uma desapropriação para uma obra na favela.

Ela foi aplaudida de pé, ao personalizar um dado apresentado em um dos painéis do evento: os doadores brasileiros mais ricos doam quantias três vezes menores do que doadores pobres, proporcionalmente à renda.

"O Brasil precisa de filantropia. É possível doar mais", concluiu Maurício de Almeida Prado, da Plano CDE, ao apresentar dados sobre a realidade desigual da cultura de doação no país.

A plateia endinheirada foi bombardeada com informações sobre o desafio de manter o patamar histórico alcançado durante a pandemia, quando o montante de doações de empresas, pessoas físicas, institutos e fundações chegou ao recorde histórico de R$ 7 bilhões.

Recursos destinados aos mais afetados pela crise sanitária, social e econômica causada pela Covid-19, que também aprofundou desigualdades.

"Até o direito à vida é desigual", completou Prado, ao listar as profissões com mais mortes por Covid-19 no país: motoristas, faxineiros, vendedores e porteiros.

"Favela não fez lockdown", disse ele, ao parafrasear Preto Zezé, presidente da Cufa (Central Única de Favelas), um dos empreendedores sociais convidados a inspirar a plateia.

Zezé falou sobre o R$ 1 bilhão em doações distribuídos pela Cufa em 5.000 favelas do país durante os dois anos de pandemia.

"Beneficiamos 20 milhões de brasileiros. Agora queremos transformar os parceiros de doações em parceiros de negócios", disse, enfatizando que favela é também sinônimo de potência.

Ao longo de mais de três horas, passaram pelo palco atores representativos do ecossistema de impacto social no Brasil, entre expoentes do terceiro setor, do empresariado e especialistas.

A plateia foi convidada a conhecer histórias inspiradoras de empreendedores sociais e filantropos, suas causas e seus desafios.

"A crise serviu para mostrar as fragilidades que temos como sociedade e estamos aqui hoje para falar sobre isso", disse Mário Leão, presidente do Santander, em seu discurso de boas-vindas.

À Folha, o presidente do conselho do banco, Sérgio Rial, fez um balanço pós-evento: "A causa maior é ajudar o Brasil. Não pode haver crescimento com um país doente. Filantropia deve ser estratégica, não é caridade."

Segundo Rial, compromisso que deve transcender inclusive fatores como concorrência, ao lembrar que recebeu o presidente do Bradesco no evento e se sentiu orgulhoso do R$ 1 bilhão doado pelo Itaú para o enfrentamento da pandemia, a maior doação privada na história do país. "Não há pequenez nem concorrência, mas responsabilidade social de toda a indústria."

Para Carola Matarazzo, diretora executiva do Movimento Bem Maior, reduzir desigualdades é uma escolha. "Precisamos agir com intencionalidade e a filantropia é ferramenta poderosa para apoiar causas de relevância."

Uma delas é a crise no sistema carcerário, que mobiliza ativistas como o médico e colunista da Folha, Drauzio Varella, e Patrícia Villela Marino, fundadora do Humanitas 360.

"Filantropia não depende só de capital, mas de sujeitos que saem do seu conforto e abrem mão de seus privilégios", ressaltou Patrícia, ao falar sobre o chamamento em "um país racista e classista para inflar sonhos de pessoas marginalizadas". No seu caso, mulheres presas.

Sugeriu aos pais da plateia que levem seus filhos a visitar presídios, como faz com o seu, um dos herdeiros do Itaú-Unibanco. "É assim que vamos construir indivíduos responsáveis que lutem por políticas públicas."

Ao final do relato sobre sua longa experiência como voluntário em penitenciárias, Drauzio concluiu: "Tenho vergonha de ser brasileiro ao conviver com as condições em que as mulheres são relegadas nos presídios".

A filósofa e escritora Djamila Ribeiro, colunista da Folha, falou sobre o legado da escravidão, quatro séculos que construíram a desigualdade brasileira.

Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora, também falou de sua própria jornada de desigualdade, como nordestina, migrante e periférica, que hoje impacta a vida de 9 milhões de mulheres, brancas, negras, trans, indígenas e egressas do sistema prisional. "Ajudar as mulheres é ajudar o Brasil."

Rodrigo Mendes, fundador do Instituto que leva o seu nome, passou uma mensagem de superação e inclusão de pessoas portadoras de deficiência. "Acredito na filantropia para gerar valor e cumprir uma missão coletiva por um futuro melhor."

Todos subiram ao palco como exemplos de inovação social, enquanto fonte de inspiração e influência em políticas públicas, caminho para o ganho de escala necessário para resolver os grandes gargalos do país. Entre eles, o educacional.

Para Germano Guimarães, do Instituto Tellus, é preciso ampliar o investimento social privado, mas também focar e não pulverizar recursos diante de desafios estruturantes.

"Por isso a importância de co-investimento e colaboração, além de colocar o público-alvo no centro do processo para se criar soluções efetivas."

Guimarães destacou ainda que empatia e resiliência devem orientar o investimento social privado, diante de gestores e executivos que assinam o cheque para financiar causas em empresas, institutos e fundações. "Os desafios são de longo prazo. Não existe fast-food social."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.