'Política para impacto social sobreviveu a duas trocas de governo', diz especialista

Ao completar dez anos, Aliança Pelo Impacto celebra retomada de estratégia nacional para setor e tem troca de diretoria-executiva

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São Paulo

Ainda nem se falava em ESG quando um grupo de pessoas, em 2013, criou um movimento para catequizar o Brasil sobre investimento em negócios de impacto.

Liderada por uma equipe do ICE - Instituto de Cidadania Empresarial, a Aliança Pelos Investimentos e Negócios de Impacto —também chamada de Aliança Pelo Impacto—, engajou investidores compromissados com a pauta socioambiental, se conectou a redes estrangeiras e fortaleceu o ecossistema no país.

Sua maior vitrine é o apoio à construção de uma política nacional para o setor, a Enimpacto - Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto, criada em 2017 e retomada em agosto deste ano pelo governo petista.

Beto Scretas fez parte da diretoria executiva da Aliança Pelos Investimentos e Negócios de Impacto
Beto Scretas fez parte da diretoria executiva da Aliança Pelos Investimentos e Negócios de Impacto - Divulgação

"A Enimpacto sobreviveu a duas trocas de governo e a inúmeras trocas de comando. Agora há mais vontade política, mais recursos humanos e tudo para dar certo", diz Beto Scretas, consultor sênior de Investimento de Impacto do ICE.

Ao completar dez anos à frente do movimento, o ICE passa o bastão para a Din4mo Lab, que assume a diretoria-executiva da Aliança.

Para celebrar a década, uma publicação conta em detalhes as conquistas e desafios do movimento e um evento, nesta terça-feira (12), no Aya Hub, em São Paulo, reúne investidores sociais, empreendedores e filantropos.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Beto Scretas, que fez parte da diretoria-executiva da Aliança pelo Impacto, concedeu à Folha.

O ICE liderou a criação da Aliança Pelos Investimentos e Negócios de Impacto em 2013. Como foi essa primeira articulação? O embrião foi a descoberta de que esse movimento era novo no mundo todo. Havia grupos mais estruturados, que atuavam como disseminadores do tema na Inglaterra, nos Estados Unidos e no Canadá. A Célia Cruz [diretora-executiva do ICE] tinha conexões no Canadá e, em 2013, fomos para lá aprender. Voltamos dispostos a tocar o barco.

Buscamos nomes para compor essa força-tarefa de estruturar o ecossistema de negócios de impacto no Brasil. O movimento nasceu em maio de 2014 com certa desconfiança, não tínhamos ideia de onde poderíamos chegar.

Como estava o ambiente de impacto há dez anos? Tinham pouquíssimos atores e não havia articulação. Vox e Artemisia eram alguns deles, que além de fazer seu trabalho ainda levantavam a bandeira do tema para o público.

Para o governo, era uma "não-agenda", não havia nada até 2016. O capital disponível para os empreendedores do setor era baixo, em torno de R$ 350 milhões em dezembro de 2013.

Em 2021, para se ter uma ideia, já eram R$ 18,7 bilhões. Cifra que ainda representa pouco no PIB, mas há espaço para crescer.

O movimento nasceu com certa desconfiança, não tínhamos ideia de onde poderíamos chegar.

Beto Scretas

sobre a criação da Aliança Pelo Impacto

Quais são as principais conquistas desse período? A Aliança Pelo Impacto se reconhece como uma organização estruturante de ecossistema. Produzimos mais de 30 publicações. Nossos critérios e recomendações são utilizados por bancos de desenvolvimento em chamadas públicas.

Em 2016, passamos a representar o Brasil no Global Steering Group for Impact Investment, entidade catalisadora de capital para impacto.

Os laboratórios de prototipagem ajudaram a trazer inovação para o ecossistema, com engajamento de institutos e fundações. E fizemos inúmeras articulações, como a que resultou na política nacional para o setor, nossa grande vitrine.

A Enimpacto - Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto foi criada, via decreto presidencial, em 2017. Como foi a mobilização para ter uma política de estado voltada a negócios de impacto? Em 2016, firmamos parceria técnica entre a Aliança e a Secretaria de Inovação e Novos Negócios do então Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).

Dessa parceria nasceu um grupo de trabalho composto por órgãos como BNDES, Ministério do Planejamento e Caixa, que mapearam oportunidades e passaram a engajar outros entes públicos. Em 2017, a Enimpacto foi criada, com prazo de dez anos, para fortalecer o ecossistema.

Poucos países têm isso. Foi um grande marco, ainda que atue aquém do seu potencial, com poucos recursos financeiros e humanos. A política sobreviveu a duas trocas de governo e a inúmeras trocas de comando.

Durante o governo Bolsonaro, chegou a ser extinta por seis meses, quando os comitês com participação da sociedade civil foram suspensos. O [Paulo] Guedes [ex-Ministro da Economia] não queria ouvir falar da Enimpacto.

E qual a expectativa com o governo Lula? A Enimpacto se manteve viva e renasceu mais poderosa, com novo mandato de dez anos, assinado em agosto pelo presidente Lula. Haverá um comitê formado por 25 órgãos públicos e outros 25 integrantes indicados pela sociedade civil. Então há mais recursos humanos e vontade política.

Com Lula na presidência do G20 e o crescimento sustentável como tema da vez, acredito no potencial de financiamento de organizações internacionais. São condições materiais e políticas excepcionais. Tem tudo para dar certo.

O presidente Lula (PT) com martelo em mãos que simboliza presidência temporária em encerramento da cúpula em Nova Déli, na Índia
O presidente Lula (PT) com martelo em mãos que simboliza presidência temporária em encerramento da cúpula em Nova Déli, na Índia - Ricardo Stuckert/Presidência da República

O que mais está em andamento em termos de políticas públicas para os investimentos de impacto? Há um novo eixo de atuação dentro da Enimpacto, do qual ICE e Aliança fazem parte, para discutir o fomento a ecossistemas locais. Hoje 90% dos investimentos se concentram no eixo Rio-São Paulo.

A meta é a criação de um sistema nacional de impacto. Em dez anos, todos os estados brasileiros deveriam ter políticas públicas para o setor, com esforços dedicados a empreendedores mais vulneráveis.

É um projeto de grande dimensão, que prevê mais de R$ 30 milhões em recursos e 11 organizações envolvidas.

Em dez anos, todos os estados brasileiros deveriam ter políticas públicas para o setor, com esforços dedicados a empreendedores mais vulneráveis.

Beto Scretas

sobre sistema nacional de impacto

E por que o ICE passa o bastão da liderança da Aliança para a Din4mo Lab? Foi um ciclo maravilhoso, com momentos de engajamento do ecossistema e construção coletiva. Mas há duas razões.

Primeiro que atuar como agitador sistêmico é difícil, nunca tivemos essa vocação. Temos pouca energia e capacidade para agir como grande nó de rede, essa é nossa autocrítica.

O segundo motivo é a liderança do ICE no novo eixo de atuação da Enimpacto. Estamos particularmente animados com nossa nova investida colaborativa e temos ambição de ser protagonistas na descentralização dos investimentos.

Então é preciso arejar a governança, trazer novas pessoas para tocar o barco. Tivemos o gratificante encontro com a Din4mo Lab e essa transição será uma oportunidade para gerar inovação e continuidade ao legado de sucesso que marcou a trajetória da Aliança.

Raio-X

Beto Scretas é consultor sênior de Investimento de Impacto do ICE. Formado em economia pela FEA-USP, atuou por 25 anos no mercado financeiro, com foco no mercado de capitais. Está há 11 anos no Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), participando de projetos ligados à área de investimentos e negócios de impacto.

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