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'O lixo mudou a minha vida e pode transformar outras', diz ex-catadora

A baiana Nélia Calhau relata como evoluiu de uma cooperativa para a So+ma e trabalhou com a Solos, finalista do Prêmio Empreendedor Social na categoria Inclusão Social e Produtiva

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Salvador (BA)

A cooperativa de material reciclado pagava R$ 30 para Nélia Calhau dos Santos, 40, separar lixo todos os dias. Ao "chegar limpinha e sair toda suja", ela sentia todos os preconceitos enfrentados pelos catadores.

"Às vezes, corria para o banheiro da cooperativa e me dava uma tristeza danada, mas não me abati", diz ela.

Ao participar de reuniões com outros atores da reciclagem, participou de trabalhos com a Solos, startup que promove a inclusão produtiva de catadores em parceria com cooperativas, poder público e grandes empresas e é finalista do Prêmio Empreendedor Social na categoria Inclusão Social e Produtiva, e ingressou na cleantech So+ma (Social + Meio Ambiente), onde começou a ter sua vida transformada.

Tanto So+ma quanto a Solos atuam em Salvador (BA) e tiveram em parceria por dois anos. Incluída na cadeia da economia circular e hoje atuando como assistente, Nélia relata à Folha como agarrou a chance de atuar em ações socioambientais para ajudar a comunidade e atualmente cuida de dez contêineres em Salvador.

A baiana Nélia Calhau, 40, evoluiu dentro de cooperativa com suporte So+ma e atuou em parceria com a Solos, startup que mantém estratégia de lixo zero em eventos como Carnaval - Renato Stockler/Folhapress

"Minha vida deu uma guinada, em 2015, quando tinha uma lojinha de roupa, em Periperi, subúrbio ferroviário, que fica voltado para a Baía de Todos os Santos, em Salvador.

O negócio era tocado por mim e pelo, na época, meu marido, hoje, ex. A coisa não deu certo. Nem no amor nem nos negócios.

A gente se separou. De repente, me vi numa pendenga, sem dinheiro ou perspectiva. Sem saber o que fazer.

Por indicação da minha irmã, fui fazer uma diária na cooperativa de material reciclado que pagava R$ 30.

Comecei direto com a mão na massa. Material sujo, fedorento. Teve momento, confesso, de revirar o meu estômago, de me dar nojo, ânsia de vômito. Ia trabalhar limpinha, cheirosa e voltava para casa toda suja.

Percebi que as pessoas me olhavam torto. Não foi só isso, elas zombaram de mim até. Graças a minha mãe, dona Carmelia, que tristemente partiu no fim do ano passado, não desisti.

Voltamos a morar juntas depois da minha separação. Ela me incentivava. Olhava no fundo dos meus olhos e dizia: ‘Minha filha, não importa o que o povo fale. Vá trabalhar. Ficando em casa, você não tem nada. Nem os R$ 30 do dia que serão úteis amanhã’.

Sem ela, teria desistido, porque a pressão e o preconceito só aumentavam. Tinha vizinho que falava: ‘Quem te viu, quem te vê’. Riam e faziam cara de repulsa. Às vezes, corria para o banheiro da cooperativa e me dava uma tristeza danada, mas não me abati.

Logo, passei a cuidar da parte administrativa. Pagar conta, fazer cursos de reciclagem, liderança. Aprendi a administrar recursos e repassava o que tinha adquirido aos colegas.

Comecei a participar de reuniões com outros atores da reciclagem. Aí, conheci a So+ma e as meninas da Solos, mulheres também como eu.

Isso mexeu com a minha cabeça e a vaidade. Fiquei mais arrumadinha, consegui guardar dinheiro e tive outra visão sobre o ato de reciclar.

Nisso, surgiu a chance de atuar em um projeto socioambiental para ajudar a comunidade a mudar hábitos. Dentro de um contêiner, atendia a moradores que ali levavam lixo. Teve mulher que trouxe papel higiênico, usado, para reciclar.

Fui contratada, de carteira assinada pela So+ma. Virei assistente. Hoje cuido de dez contêineres pela cidade. Lido com 25 pessoas, a maioria mulher.

E imaginar que, quando entrei na Cooperativa dos Agentes Ecológicos do Paraguary, nem eu acreditava em mim.

Hoje, falo: ‘A dona da lojinha virou lixeira, cooperada e agora é supervisora’. Meu sonho é abrir a minha própria cooperativa, só com mulheres.

Melhorei financeiramente, mas o maior legado é o conhecimento, o ciclo de saber. Tive longo processo de aceitação, valorização e, é claro, empoderamento.

Aí, sim, me dei conta de que lixo é luxo. Se ele mudou a minha vida, pode transformar a de outras pessoas."

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis

Conheça os demais finalistas na plataforma Folha Social+. Vote e, se possível, doe para esta iniciativa na Escolha do Leitor até 20 de outubro em folha.com/escolhadoleitor2023.

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