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'Sabe o que é pagar fiado por água?', indaga educadora de morro carioca

Cintia Nogueira constata impacto de mochilas da Água Camelo, finalista do Empreendedor Social na categoria Inovação para o Século 21

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Rio de Janeiro

Ao andar pelas vielas da Pedra Lisa, no Morro da Providência, centro do Rio, Cintia Nogueira, 46, ouve dos vizinhos: "Tia Cintiah", "Cintinha". São convites para conversar, contar causos ou pedir ajuda. E a educadora escuta a todos.

É sua proximidade com os moradores da comunidade, onde nasceu e foi criada, que a fez ser escolhida, em 2021, como agente de mobilização da Água Camelo, startup que facilita o acesso à água potável.

Cintia viu o filho parar de ter dores de barriga após passar a utilizar o kit portátil da Água Camelo, uma mochila que armazena e filtra 15 litros de água - Renato Stockler/Folhapress

Apesar de a comunidade datar do século 19, ele ainda sofre com a precariedade de serviços básicos, como a falta de água potável.

Por isso, foi escolhido para receber o kit camelo, uma das soluções inovadoras de levar água para comunidades vulneráveis em periferias, no semiárido e na Amazônia.

A solução simples e barata fez da Água Camelo finalista do Prêmio Empreendedor Social 2023 na categoria Inovação para o Século 21.

Um dos diferenciais da iniciativa é o envolvimento da comunidade na implementação do projeto e na manutenção do sistema de filtragem e armazenamento portátil.

A seguir, o relato de Cintia sobre o impacto das mochilas que transportam e filtram a água na comunidade.


"Quando decidiram implementar o projeto aqui na Pedra Lisa, falaram que não tinha como ser outra pessoa além de mim. 'Porque a Cintia fala com todos, se dá com todos, a Cintia já é referência'. E é assim que gosto de ser chamada, referência. E não líder comunitária.

Meu povo me conhece desde sempre. Todas as vezes que me veem, gritam 'Cintia, Cintia' para falar de tudo. Normal, eu participo da distribuição de jantares, cestas básicas e gás.

Mas, para o trabalho da Água Camelo, eu vinha acompanhada de uma assistente social de fora. Quem fazia a ponte entre ela e os moradores era eu. Falava para eles: 'Primeiro a Água, depois a gente conversa'.

Eu moro no Morro da Previdência, na Pedra Lisa, há 46 anos. Nasci aqui, como toda a minha família. Minha avó veio de Minas Gerais e teve todos os filhos aqui. Quem vem até a Providência acha que aqui é uma comunidade só, mas são 14. E a Pedra Lisa é uma das mais vulneráveis, em todos os sentidos.

A água daqui não vem da Cedae, é de reservatório no alto do morro que precisa abastecer toda a Providência. Por isso, ela é direcionada para cá dia sim, dia não. Mas já ficamos seis dias sem água. Às vezes até dez.

A água, quando chega, faz muita espuma. Ela vem branca e depois vai clareando. No fundo do barril, que a maioria dos moradores usa, fica uma laminha amarela. É uma água suja. A Água Camelo trouxe redenção à comunidade.

Para fazer o levantamento das 75 famílias que seriam beneficiadas, peneirei bastante. O perfil era de mães solo e crianças.

Ao beber água não tratada, os primeiros a sentir sintomas são as crianças. Meu filho tinha muita dor de barriga. Eu não sabia o que era, levava ao posto, fazia exame de verme, e nunca dava nada.

Tomava remédio, né? Porque a cada seis meses precisa tomar. Depois que passou a tomar só água filtrada, me deu paz.

Para distribuir os kits, eu dizia: 'Não pegue porque seu vizinho está pegando, inveja é feio. Pegue porque você precisa, cuide-se, seja responsável'.

Na Pedra Lisa tem muita falta de água. O povo que podia comprava água mineral. Tinha gente que pegava até fiado para comprar. Sabe o que é pagar fiado por água?", indaga.

Conheça os demais finalistas na plataforma Folha Social+. Vote e, se possível, doe para esta iniciativa na Escolha do Leitor até 20 de outubro em folha.com/escolhadoleitor2023.

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