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Argentina quer ser a primeira a completar maior trilha do Brasil

Julieta Santamaria está percorrendo os 4.000 km do Caminho da Mata Atlântica, que liga o Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul

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São Paulo (SP)

Uma argentina que vive no litoral paulista se lançou em uma aventura em busca de um feito inédito: percorrer a pé os 4.000 quilômetros da trilha mais longa do Brasil, que se estende do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul.

Com uma mochila de 20 quilos nas costas, Julieta Santamaria, 25, começou em 3 de março deste ano o trajeto do Caminho da Mata Atlântica, trilha de longo curso que cruza a Serra do Mar, passando por cinco estados brasileiros e mais de 70 unidades de conservação.

Até a publicação desta reportagem, ela havia percorrido um quarto do percurso. A jornada pelos 1.000 quilômetros iniciais foi intensa: a viajante já encontrou 15 cobras, levou 16 horas para atravessar uma trilha em mata fechada, usando um facão para abrir caminho, e teve que dormir no chão da floresta.

Mulher branca usando short, camisa azulada, tênis e boné posa em frente a rio, com árvores e montes ao fundo. Ela está sorridente e coloca a mão na cabeça.
A argentina Julieta Santamaria, 25, fazendo trilha de longo curso pela mata atlântica - Arquivo pessoal

Mas o contato com a natureza e a vista que consegue admirar quando está no alto das montanhas fazem o desafio valer pena, garante.

Implementado por um conjunto de entidades do governo e da sociedade civil a partir de 2014, o Caminho da Mata Atlântica liga o Parque Estadual do Desengano, no Rio de Janeiro, ao Parque Nacional dos Aparados da Serra, no Rio Grande do Sul, e é a maior trilha contínua do Brasil.

Julieta decidiu percorrer o caminho por sugestão de um amigo. No começo, achou que ele estava brincando: apesar já ter feito várias trilhas desde que chegou ao Brasil, em fevereiro de 2023, ela sabia que embrenhar-se pelo interior da mata atlântica, atravessando sozinha um caminho tão extenso, seria um desafio muito maior.

Depois de refletir por três dias, decidiu aceitar a sugestão —para a alegria do amigo e o desespero da mãe, que segue na Argentina.

"Ela achava que eu estava louca. E ficou ainda mais preocupada depois que um colega meu disse, de brincadeira, que o máximo que poderia acontecer seria uma onça me devorar", lembra Julieta.

Dali em diante, a argentina, que, naquela época, vivia em Ilhabela, no litoral de São Paulo, treinou todos os dias durante quatro meses, com o objetivo de aprimorar o condicionamento físico e o preparo mental.

Para ganhar resistência, caminhava por duas horas pela manhã, às vezes corria à noite e, nas folgas de seu trabalho em um hostel, fazia trilhas que duravam o dia todo, em que andava até 30 quilômetros. Também pedalava e nadava.

Mulher sentada contemplando montanhas
Julieta Santamaria está há mais de 3 meses percorrendo trilha na mata atlântica - Arquivo pessoal

Os primeiros problemas começaram já no segundo dia de viagem, com um trecho desafiador, repleto de obstáculos. "Me frustrei muito. Mas tive a sorte de conseguir uma carona até a cidade mais próxima, em Santa Maria Madalena", conta.

Quando chegou ao município da região serrana do Rio de Janeiro, conheceu Chico Schnoor, coordenador geral do Caminho da Mata Atlântica. Segundo Schnoor, Julieta é a primeira pessoa que tenta percorrer o trajeto todo.

A equipe responsável pela trilha —que integra um projeto de restauração do bioma— passou a acompanhá-la e a mobilizar parceiros e voluntários para ajudá-la ao longo do percurso.

Antes disso, a argentina havia planejado sua jornada sozinha, sem conhecer as particularidades da região. Agora, recebe orientações para cumprir a viagem de forma segura. "Ter tido um início ruim acabou melhorando tudo", afirma.

Julieta também recebe ajuda de comunidades locais e diz se surpreender com a hospitalidade de todos. Pessoas que a conheceram nos primeiros dias da viagem mandam mensagem até hoje perguntando como e onde ela está.

"Já até pediram para fazer trechos da trilha comigo. Outros disseram que, depois de me conhecer, começaram a se exercitar para conseguir fazer caminhadas", relata ela, que compartilha nas redes sociais o que tem visto e aprendido pelo trajeto.

Paciência

Caminhar pelo coração da floresta lhe ensinou a ter paciência, como na ocasião em que um alerta de chuvas intensas fez com que ela permanecesse no mesmo local por uma semana, no Parque Nacional dos Três Picos, região serrana do Rio de Janeiro.

Outros momentos exigem cautela. Por exemplo, quando é pega de surpresa ao dar de cara com algum bicho peçonhento, Julieta sempre se movimenta lentamente, e o animal acaba fugindo. "Tem que ter cuidado, ir em um tempo tranquilo, sempre prestando atenção", diz.

pôr do sol
Vista de pôr do sol na trilha do Caminho da Mata Atlântica - Arquivo pessoal

Ela afirma que esquece de todos os perrengues quando está no topo de uma montanha. "São meus momentos preferidos. Parece que estou rodeada por uma almofada de nuvens, dá até vontade de pular. É muita felicidade", afirma.

A argentina está agora em Paraibuna (SP) e espera chegar em novembro ao seu destino, no município de Cambará do Sul (RS).

Para apreciar melhor as belezas da mata, teve que desacelerar o passo. No início, sentia-se ansiosa para cruzar a linha de chegada. Agora, quer aproveitar cada minuto. Às vezes, até sai da rota para passar alguns dias em uma cidade ou praia que queira conhecer.

Mulher posa com braços abertos em pico de montanha
Julieta Santamaria já percorreu mais de mil quilômetros em trilha de longo curso que cruza a Serra do Mar - Arquivo pessoal

Julieta também participa de ações do Caminho da Mata Atlântica, a exemplo de um mutirão de plantio de mudas de palmeira juçara, árvore nativa do bioma.

"Tenho aprendido muito sobre a importância da mata atlântica e de sua preservação. Vejo, em primeira pessoa, as diferenças entre os trechos preservados e os desmatados. Acho que ninguém tem a noção do quão importante a mata atlântica é para a vida humana", diz.

Quando um trecho tem muita floresta, ele tem muita água, sombra e ar. Quando você passa por um lugar desmatado, o calor te sufoca. É difícil andar.

Julieta Santamaria

Argentina que que está percorrendo uma trilha de 4.000 km na mata atlântica

Mesmo que se torne a primeira pessoa neste século a completar a trilha, Julieta gosta de pensar que muitos passos precederam os dela.

"Este era o caminho usado por nossos antepassados, os indígenas. Sinto que estou andando sobre a história."

A causa "Mata Atlântica: Regenerar e Preservar" tem o apoio da Fundação SOS Mata Atlântica

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