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Luís Fernando Guedes Pinto e Marcia Hirota

Olhar integrado para todos os biomas é condição para o futuro

Áreas de expansão agrícola impulsionam destruição na caatinga e no cerrado

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Luis Fernando Guedes Pinto

Diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica e membro da Rede Folha de Empreendedores Sociais

Marcia Hirota

Presidente do conselho da Fundação SOS Mata Atlântica

Há cerca de 20 mil anos, a mata atlântica e a Amazônia se tocavam. Foram, ao longo de variações climáticas, se afastando pouco a pouco. No meio surgiram a caatinga e o cerrado, onde restaram algumas ilhas, ou encraves, de mata atlântica. Junto do grande contínuo de vegetação no litoral do brasileiro e em parte do interior do país, esses encraves e seus ecossistemas associados formam o bioma mata atlântica. Reconhecido como patrimônio nacional pela nossa Constituição, é protegido por uma lei especial —a Lei da Mata Atlântica.

A mata atlântica abrange 17 estados e ocupa 15% do território brasileiro, onde vivem 70% da população. Do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, além dos encraves no Ceará, Piauí, Goiás e Mato Grosso do Sul, sua diversidade é imensa, composta por formações florestais como matas úmidas, mangues e restingas do litoral, florestas estacionais, mata secas e de araucárias do interior, campos e savanas.

Parque Legado das Águas, em Tapiraí (SP), é considerado o empreendimento âncora do distrito turístico ecológico Portal da Mata Atlântica
Parque Legado das Águas, em Tapiraí (SP), é uma das joias da mata atlântica e do turismo ecológico - Luciano Candisani/Divulgação/Legado das Águas - Luciano Candisani/Divulgação/Legado das Águas

Entender essa geografia é importante para interpretarmos os dados do desmatamento em 2023. No grande contínuo —que cobre 100% de Santa Catarina, Rio de Janeiro e Espírito Santo, grande parte de São Paulo, Paraná e extensas áreas de Minas Gerais e Bahia—, o desmatamento caiu drasticamente, tanto segundo o Atlas da Mata Atlântica (Inpe/SOS Mata Atlântica) quanto o SAD Mata Atlântica (SOS Mata Atlântica/MapBiomas), ferramentas que se complementam. O Atlas monitora áreas superiores a três hectares (ha) em florestas maduras (maior estoque de carbono e diversidade), que constituem 12,4% do bioma. Já o SAD detecta desmatamentos a partir de 0,3 ha também em regiões em processo de recuperação e em estágio inicial de desenvolvimento —que somam 24% do total.

Imagem aérea mostra desmatamento em encrave da mata atlântica no município de Wanderley, na Bahia
Imagem aérea mostra desmatamento em área de mata atlântica no município de Wanderley, na Bahia - Divulgação/Thomas Bauer/SOS Mata Atlântica - Divulgação/Thomas Bauer/SOS Mata Atlântica

O Atlas registrou uma queda de 27% no desmatamento entre 2022 e 2023, de 20.075 para 14.697 ha. Em estados costumeiramente líderes na devastação, como Minas, Paraná e Santa Catarina, a redução ficou entre 57% e 86%. No entanto, o desmatamento cresceu nos encraves de Mato Grosso do Sul e Piauí. O SAD confirmou essa tendência, mas também identificou um aumento significativo nas transições e áreas isoladas no cerrado e na caatinga, principalmente na Bahia, elevando o desmatamento total de 75.023 para 80.067 ha. Na conta geral, perdemos valiosos e inadmissíveis 235 ha de mata atlântica por dia.

Os dados mostram uma convergência da boa notícia da redução do desmatamento da Amazônia e da região contínua da mata atlântica, porém confirmam o avanço da destruição na caatinga e no cerrado, principalmente em áreas de expansão de agricultura. O problema persiste mesmo com a Lei da Mata Atlântica, as crises do clima e da biodiversidade, epidemias, desastres ambientais, quebras de safra e de sabermos que o país não depende disso para crescer e se desenvolver. Pelo contrário: o desmatamento nos afasta dessa rota.

Só o fim do desmatamento e a restauração em larga escala da mata atlântica podem evitar novas tragédias e garantir a provisão de serviços ecossistêmicos fundamentais para o nosso bem-estar. O olhar integrado para todos os biomas é condição para o futuro.

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