'Nossa missão é tirar os animais do sistema alimentar', diz diretor de Mercy for Animals

ONG propõe diminuir em 35% a produção de alimentos de origem animal até 2035

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A imagem mostra uma fileira de galinhas em gaiolas, com várias aves visíveis, cada uma com cristas vermelhas. As galinhas estão em um ambiente fechado, e há teias de aranha visíveis ao longo das estruturas metálicas. Na parte inferior da imagem, há uma linha de ovos brancos dispostos em uma bandeja.

Galinhas confinadas são alvo de investigação da Mercy for Animals, que relata milhões de animais em condições degradantes - Divulgação/Mercy for Animals

São Paulo

"Abate brutal’, ‘A vida secreta dos frangos’ e ‘Indústria de porcos’ são documentários produzidos pela organização MFA (Mercy for Animals) que expõem o sofrimento de animais no sistema alimentar. As cenas são difíceis de digerir, muitas vezes narradas em primeira pessoa por infiltrados em fazendas e frigoríficos.

"Uma vez que as pessoas sabem como seu alimento é produzido, elas podem rever decisões de consumo", diz George Sturaro, 41, diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas da MFA.

Mobilizar a opinião pública e pressionar a indústria a assumir compromissos de bem-estar animal é uma das táticas da ONG criada há 25 anos por um jovem ativista de Ohio (EUA) para o fim da exploração animal.

Outra é uma transição alimentar: diminuir em 35% a produção de alimentos de origem animal no Brasil até 2035. E aqui a motivação tem menos a ver com a comoção pelos bichos. "Um terço das emissões de gases de efeito estufa no mundo estão relacionadas ao sistema alimentar e à pecuária", diz Sturaro.

Um homem está posando com os braços cruzados. Ele tem cabelo escuro e barba. Está usando uma camiseta preta com a palavra 'Liberade' e um desenho colorido. Ao fundo, há uma imagem de uma vaca e um fundo azul.
George Sturaro gerenciou investigações da Mercy for Animals a campo e atua em prol de mudanças em legislações por bem-estar animal - Aline Fiallo

"35% até 2025" é a proposta principal da ONG —e uma das mais votadas— no Plano Clima Participativo, iniciativa interministerial que convida a sociedade civil a opinar até 10 de setembro na construção da política climática do país.

"A gente não está falando que até 2035 todo mundo tem que ser vegano. Falamos em uma dieta sustentável e saudável."

Em entrevista à Folha, George Sturaro detalha o que viu nas investigações da MFA e como a mudança de dieta pode contribuir para reduzir os efeitos da mudança climática.

Você esteve nas investigações que a ONG conduz em fazendas, frigoríficos e abatedouros. Como é esse trabalho? Os investigadores agem de forma secreta. Eles não estão fazendo nada ilegal, não infrigem nenhuma lei. No entanto, documentam algo que as indústrias não querem que as pessoas saibam. Como os animais são abatidos? Como é a vida de uma galinha ou de uma mãe porca presa em uma gaiola? E a vida dos bezerros na indústria do leite? Uma vez que as pessoas sabem como seu alimento é produzido, elas podem rever decisões de consumo.

O que vocês descobriram nessas investigações? Vimos galinhas confinadas em gaiolas do tamanho de uma folha de papel sulfite. Elas não conseguem andar ou abrir as asas. Tem a prática de manter porcas em gaiolas durante a gestação, depois o corte do rabinho sem analgésicos, a remoção das presas. Descobrimos que camarões têm seus olhos cortados no início da vida para que ganhem peso. Eu vi muita, muita coisa.

E o que mais te chocou? É difícil dizer o que mais corta o coração porque todos os animais sofrem. Uma das práticas que mais me abalam é a exportação de animais vivos. Você tira o boi da fazenda no interior, coloca em um caminhão horas sob sol e chuva, depois embarca em um navio amontoado em baias. Tem agitação do mar, calor, superlotação, doenças. Ele desce e será morto sem nenhuma preocupação em reduzir seu sofrimento.

Em posse dessas informações e fazendo pressão sobre a indústria, que conquistas a MFA já obteve? Conseguimos que importantes redes varejistas assumissem o compromisso de vender apenas ovos de galinhas não criadas em gaiolas. São 180 empresas no Brasil. Marcas como Carrefour, McDonald's e Starbucks estão assumindo compromissos de bem-estar animal nas suas cadeias de fornecedores. Umas mais ambiciosas, outras menos. A atuação de organizações de proteção animal encorajou o Ministério da Agricultura a criar, em 2020, uma regulamentação de bem-estar animal na cadeia da carne suína. Articulamos projetos de lei como a proibição de produção e comercialização do foie gras e a proibição da exportação de animais vivos. E estamos com dez propostas no Plano Clima Participativo.

Uma dessas propostas é a de substituir 35% dos alimentos de origem animal consumidos no Brasil por alimentos de origem vegetal até 2035. Exatamente. Entre as mais de mil propostas apresentadas, essa é a quinta mais votada. Tem COP no Brasil ano que vem e iniciativas como o Plano Clima Participativo vão orientar nossas políticas climáticas até 2035.

E como essa proposta de ter, digamos, uma refeição do dia livre de carnes contribuiria para reduzir os impactos da crise climática? Se a gente quer atingir a meta do Acordo de Paris de manter a elevação da temperatura global até 1,5 ºC, precisamos de medidas ambiciosas. E essa é uma delas. Porque um terço das emissões de gases de efeito estufa no mundo estão relacionadas ao sistema alimentar e à pecuária. A produção de carne, ovos e leite exige desmatamento para plantio de grãos, pasto e fertilizantes nitrogenados. Uma dieta rica em vegetais contribui para todos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.

E como seria essa transição alimentar? Transformar a maneira como grandes empresas produzem alimentos, reduzir o desperdício e mudar a dieta. Tem uma dimensão econômica, política e cultural. O Brasil pode liderar essa transição, ser o país que vai fornecer insumos para essa nova indústria.

O que são essas proteínas alternativas que vocês indicam para substituir a carne? Propomos uma dieta à base de plantas. Leguminosas podem oferecer todas as proteínas de que a gente necessita. Tem diversas opções de produtos à base de plantas que imitam produtos de origem animal, como hambúrgueres, linguiças e embutidos. Existe uma base científica robusta a favor dessa mudança alimentar, endossada pela Organização Mundial da Saúde.

Manifestantes em protesto a favor da aprovação da PL 31/2018, que proibe o transporte e a exportação de animais vivos
Manifestantes em protesto a favor da aprovação da PL 31/2018, que proibe o transporte e a exportação de animais vivos

Vocês incentivam o veganismo? A gente não está falando que até 2035 todo mundo tem que ser vegano. Veganismo é mais do que dieta, é uma filosofia de vida. Falamos em dieta sustentável e saudável. E o que é sustentável ambientalmente? É comer menos carne.

O Brasil está no Mapa da Fome da ONU. Com quase 40 milhões de pessoas sem conseguir fazer todas as refeições diárias, essa proposta pega? A mudança de dieta é uma das maneiras mais assertivas de garantir segurança alimentar. A produção de alimentos de origem animal não é eficiente. Desperdiça terra, alimento, água. Para produzir um quilo de carne, precisa de oito a dez quilos de milho ou soja. E o custo da terra é o custo do alimento. Se as pessoas comerem mais vegetais, vai sobrar alimento, vai sobrar terra, vai baratear a produção.

A MFA aproveita o argumento das mudanças climáticas para ampliar sua atuação? Nossa missão é promover um sistema alimentar que não explore animais. A gente fala do movimento de libertação animal. Tirar os animais do sistema. Essa era a nossa missão há 25 anos e é nossa missão hoje. O que muda são as oportunidades para avançar.

George Sturaro, 41
Gerenciou o Departamento de Investigações da Mercy for Animals no Brasil e é diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas da ONG. Atua para reduzir o número de animais explorados para produção de alimentos e para abolir práticas que causam sofrimento animal. Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi professor em cursos de graduação e especialização.

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