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13.ago.72/Folha Imagem
O publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira, diante de maquete das máquinas rotativas Goss, nos anos 70


Tal pai, tal Folha



Empresa saiu do limbo ao adotar um projeto autenticamente jornalístico


JANIO DE FREITAS
DO CONSELHO EDITORIAL

Vinte anos em 80. Extravagância que merecerá um champanhe. O aniversário importante provocou a confirmação de que completei imprevisíveis e quase inexplicáveis 20 anos na Folha. Quase inexplicáveis porque sua causa fundamental não está no meu trabalho, mas em uma peculiaridade que, ela sim, pode justificar uma reflexão envolvendo a coluna por mim assinada.

Entre as empresas de mídia e o jornalismo desenvolveu-se no Brasil, ao longo do tempo, um antagonismo radical e primário. O jornalismo, submetido a restrições e manipulações, transformou-se em pretexto para o comércio de espaço publicitário, quando não também de opinião, e conquista de influência para favorecer outras atividades. Na equação daí resultante, o jornalismo é secundário, com sua carga de ética e de compromisso com o destinatário.

A lógica do empreendimento jornalístico inteligente é, porém, mais sofisticada do que o primarismo empresarial brasileiro pode perceber. O jornalismo autêntico _informação descomprometida e franqueza analítica_ é e sempre será uma atração apaixonante para o público leitor/espectador, que retribui com a chave da mina: as tiragens e as audiências que são, por sua vez, o atrativo inigualável para o anunciante e a autorização para preços muito mais lucrativos pelo espaço.

Octavio Frias de Oliveira assegurou o acesso à Folha da palavra de pessoas banidas por toda a mídia


No final dos anos 50 e início dos 60, o "Jornal do Brasil" começou um empreendimento nesses moldes. Resultou muito além do esperado, mas durou pouco: as pressões e tentações seduziram para a equação vulgar. Em dia impreciso, a Folha começou a sair do limbo em que vivia e adotou a lógica do empreendimento jornalístico autêntico. A época, regime militar ainda, nem era propícia. Mas até a audácia mesma de tal empreendimento, àquela altura, de uma parte forteleceu-o como atração para a opinião pública, de outra cumpriu um papel que o regime jamais esperara.

No dia em que se escrever a história séria do regime militar e de seu encerramento, não poderá ser esquecida a contribuição da maneira determinada e corajosa com que Octavio Frias de Oliveira assegurou o acesso à Folha da palavra de pessoas banidas por toda a mídia, algumas desde antes do regime militar, algumas nem ao menos citáveis pelo simples nome. A Página 3 da Folha, em particular, cuja modalidade foi legada por Cláudio Abramo, teve no processo de abertura uma influência importante e, apesar disso, pouco conhecida. Em dado momento, o regime se viu diante da alternativa de cercear a Folha, ao preço perigoso de um retrocesso difícil, ou ceder a um desafio às regras tácitas da situação. A liberdade de imprensa começou a alargar-se.

Sou beneficiário do caráter de empresa autenticamente jornalística que Frias, pai, introduziu na Folha. Devo o primeiro passo para isso a Flávio Rangel, amigo muito saudoso, que sugeriu meu nome a Otavio Frias Filho, para uma necessidade talvez apenas momentânea. O que se passou com meu trabalho, a partir daí, não imagino que pudesse acontecer em outro jornal da chamada grande imprensa.

Disso tive demonstração espantosa logo aos primeiros dias da coluna assinada por mim. Foi um dos dois melhores furos que proporcionei à Folha. Violava o bem guardado segredo de que o general Figueiredo precisava de urgente cirurgia cardíaca e se recusava a aceitá-la. A contestação foi unânime na mídia e violenta por parte do governo e de militares (só Figueiredo se calou). A Folha ficou mal, mas fez o inesperado: não entregou minha cabeça, nem me cobrou a retificação inaceitável.

Uma semana depois, Figueiredo pedia licença para ter "o peito aberto como um frango", segundo sua descrição, nos Estados Unidos. Nenhum jornalista, militar ou político teve a hombridade de corrigir-se, já não digo desculpar-se pelos insultos. Mas o episódio foi decisivo para a coluna, dando-lhe expressão logo no nascimento, e creio ter sido o verdadeiro início dos meus 20 anos de Folha.

Já que falei em um dos dois melhores furos, o outro foi o resultado antecipado da multibilionária concorrência fraudulenta para a ferrovia Norte-Sul. A informação sobre a negociata abriu uma longa fase de trabalho nesse gênero, com a qual procurei mostrar que a volta à (semi) democracia não acabara com a corrupção, nem ao menos a diminuíra. Assim tem sido meu trabalho: feito de fases com temas e modos preferenciais, cada fase com informações e interpretação que me parecem necessárias ao conhecimento dos leitores, mas, por motivos diversos, não frequentam a mídia. Por essa natureza do meu trabalho e pelo tempo que já a fez cansada, posso dizer com toda segurança: tal pai, tal Folha.

Janio de Freitas é colunista e membro do Conselho Editorial da Folha

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