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Lalo de Almeida/Folha Imagem
Entrada da sede da Folha, no centro de São Paulo, com as rotativas usadas até 1995 para imprimir o jornal, o que hoje é feito no Centro Tecnológico Gráfico Folha, em Tamboré


Apoio a diretas amplia peso político do jornal



Direção percebe inclinação da sociedade por mudanças e decide fazer campanha


ANDRÉ SINGER
DA REPORTAGEM LOCAL

No final de novembro de 1983, uma pequena reunião entre os três principais dirigentes da Folha tomou uma decisão de grande utilidade para fixar a imagem do jornal como o veículo impresso de maior peso político no país. A conversa ocorreu na sala do publisher do jornal, Octavio Frias de Oliveira, localizada no 9º andar do prédio da Barão de Limeira, centro de São Paulo. Além do dono da sala, estavam presentes o secretário do Conselho Editorial, Otavio Frias Filho, e o editor responsável, Boris Casoy.

O publisher ligou uma luz vermelha para indicar à secretária a determinação de que o encontro não fosse interrompido. Frias Filho expôs então a idéia que cogitava havia algumas semanas: a Folha deveria empreender uma campanha pelas eleições diretas para presidente da República. "Otavio contou que havia conversado com muita gente naqueles dias e sentia um clima efervescente em relação ao assunto", diz Casoy.

Mas os sinais das ruas eram contraditórios. No dia 27 de novembro, uma manifestação conduzida pelo PT em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo, fora considerada um fracasso.

Evolução segue o plano traçado: o de criar um jornal crítico, pluralista e apartidário


Havia apenas 15 mil pessoas presentes (em cálculos imprecisos); o governador de São Paulo, Franco Montoro, com medo de ser vaiado, preferiu ir ao Jóquei Clube; uma confusão de palavras de ordem misturava o anseio de votar para presidente ao repúdio a uma possível invasão norte-americana na Nicarágua.

Nada indicava que aquele seria o início da mais importante campanha popular da redemocratização. "Naquela época, eu ainda estava com o movimento estudantil na cabeça", conta Frias Filho, que estudou direito na Universidade de São Paulo (USP) entre 1976 e 1980. "Durante vários anos, participava de assembléias de manhã e ia para o jornal à tarde."

Talvez a proximidade com o ambiente de manifestações de rua contra o regime militar tenha permitido ao secretário do Conselho Editorial perceber que, apesar do fiasco do evento no Pacaembu, havia algo no ar. A sensação de que havia uma onda nova apanhou também o repórter Ricardo Kotscho, que cobria os movimentos sociais desde a segunda metade dos anos 70.

De acordo com Casoy, algum tempo depois da reunião do 9º andar, Kotscho apresentou à Direção do jornal a proposta de a Folha empunhar a bandeira das diretas.

No outro lado da cidade, o Palácio dos Bandeirantes dava mostras de que poderia engajar-se em uma cruzada pelas diretas. O apoio dos governadores de oposição escolhidos um ano antes seria crucial, não só pela liderança e pelo peso institucional como por inclinar a máquina dos Estados na direção da campanha.

Avanço da oposição favorece mudança
Com os governos de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro na mão, entre outros, os partidos oposicionistas tinham tirado a legitimidade do Colégio Eleitoral, que deveria escolher o novo presidente em janeiro de 1985. Consta que, tendo em vista esse quadro, Montoro e Tancredo Neves, governador de Minas, chegaram a um acordo sobre a necessidade de pressionar o Congresso para aprovar uma emenda apresentada, sem nenhum barulho, em março de 1983, que previa eleições diretas em 15 de novembro de 1984.

Havia dúvidas, contudo, sobre o quanto Tancredo estava, de fato, engajado na perspectiva de uma campanha popular. "O Tancredo articulou a própria candidatura no Colégio Eleitoral desde o início do movimento", afirma o presidente nacional do PT, José Dirceu.

Entre o final de dezembro e o começo do ano de 1984, estabeleceu-se, nas páginas do jornal, um tenso diálogo entre a Barão de Limeira e o Bandeirantes. Montoro sempre fora visto na Redação como um político hesitante.

"Quando, alguns meses antes, propus que a Folha apoiasse a proposta das diretas lançada pelo Montoro, quase fui escorraçado", conta o jornalista João Russo, então editor de Política. Mais tarde, depois de adotar a proposta de Frias Filho e entrar em campanha, a posição se inverteu, e o jornal passou a pressionar o governador para que o movimento tivesse, de verdade, um caráter popular.

No dia 18 de dezembro, um editorial de primeira página revela esse clima de impaciência. Intitulado "Chega de letargia", cobra uma ação mais decidida no sentido de tomar as ruas. A resposta não demora. Em seguida, é fixada a data de 25 de janeiro, aniversário de São Paulo, para aquele que seria o verdadeiro marco zero da empreitada, o comício da Sé. Na verdade, houve um grande ensaio geral, em Curitiba, em 12 de janeiro, mas o 25 de janeiro simbolizou o início da explosão. "Quando voltei de Curitiba, avisei a Redação: preparem-se porque a coisa pegou", recorda o jornalista Carlos Brickmann, na época repórter especial do jornal.

Tamanho da multidão fica impreciso
A manifestação da Sé foi catártica. Não apenas pelo número de presentes, sobre o qual até hoje há dúvidas. Sem metodologia científica para definir a quantidade de gente que foi até lá, calculou-se a multidão em 300 mil. O diretor do Datafolha, Mauro Paulino, estima que, na verdade, devem ter sido 100 mil. "É impossível fazer um cálculo preciso sem ter verificado a densidade na hora", diz Paulino.

A Folha começara a fazer pesquisas de opinião pública em 1983, sob a coordenação do sociólogo Reginaldo Prandi, da Universidade de São Paulo (USP). Prandi elaborou uma metodologia para medir opiniões e intenção de voto de modo rápido e sem perda da precisão científica.

Em 1984, o departamento de pesquisa do jornal recebe o nome de Instituto Datafolha _ hoje uma empresa do Grupo Folha_e começa a tornar-se a principal referência em levantamentos eleitorais no país. "Na eleição de 1989, só nós cravamos, no primeiro dia, que Lula iria para o segundo turno. Isso consolidou o trabalho do instituto", diz Antonio Manuel Teixeira Mendes, que foi o diretor do Datafolha entre 1985 e 1991 e hoje é superintendente da Empresa Folha da Manhã, que edita a Folha.

A medição científica de aglomerações humanas só começaria a ser feita pelo Datafolha em 1985. No entanto qualquer que tenha sido o número exato de gente na praça da Sé, foi o caráter suprapartidário do evento que tornou o 25 de janeiro especial. "O meu pai considerava aquele o momento mais importante da sua vida política", afirma André Montoro Filho, secretário do Planejamento do Estado de São Paulo.

"De fato, a chave da articulação foi Montoro ter decidido que não era candidato. Com isso, ganhou legitimidade para conduzir um movimento que não o beneficiava", afirma o empresário Roberto Gusmão, então secretário de Governo do Estado de São Paulo.

Daí para frente, as Diretas-Já percorreram o país, e os comícios cresceram até chegar às grandes manifestações de 10 e 16 de abril, no Rio e em São Paulo.

"A Folha é uma antes das diretas e outra depois", diz Kotscho. Para ele, com a campanha, o jornal consolidou o trabalho que começara alguns anos antes. Entre 1978 e 1982, o jornal havia adotado uma série de posições importantes, como a defesa da anistia e da convocação de uma Assembléia Constituinte, que iriam refletir-se depois na imagem de ser o veículo mais identificado com a volta da democracia ao país.

Com a derrota da emenda Dante de Oliveira, por 22 votos, foi possível aferir a identidade que os leitores haviam estabelecido com o jornal. Frias Filho lembra-se de que o editorial de primeira página "Cai a emenda, não nós", publicado em 26 de abril, o dia seguinte à frustração, foi o que teve maior repercussão de todos os que escreveu. "Vinha gente até o jornal só para nos cumprimentar", diz.

O engajamento com as diretas explica, em parte, o curso da Folha na segunda metade dos anos 80. Sob o comado de Frias Filho, que assume a Direção de Redação em maio de 1984, foram marcas distintivas da linha editorial o repúdio à eleição de Tancredo Neves pela Aliança Democrática no Colégio Eleitoral e, morto Tancredo, a posição dura com respeito ao governo do seu vice, José Sarney (1985-1990).

Quando vista em perspectiva, a evolução da Folha no período apenas segue o plano traçado desde 1974: o de criar um jornal pluralista, crítico e apartidário. O sentido geral dessa atitude pode ser resumido na seguinte frase do publisher Octavio Frias de Oliveira: "O papel do jornal é dizer a verdade, custe o que custar".

Como a verdade nem sempre é agradável, a Folha depois das diretas não é um jornal tão simpático quanto o dos dias em que uma parte significativa dos cidadãos vestia amarelo e o jornal também. Na doença de Tancredo, cuja gravidade o jornal foi o primeiro a anunciar, houve quem achasse a Folha cruel.

"Certa manhã, uma vizinha tocou a campainha em casa para dizer que o jornal estava tirando toda a esperança do povo", conta o jornalista Clóvis Rossi, integrante do Conselho Editorial.

Apesar de obstinado na crítica à manobra que prorrogou o mandato de Sarney por mais um ano, o jornal não se furtou a apoiar todos os planos econômicos do governo aliancista. "O argumento era que alguma coisa precisava ser feita contra a inflação", diz Marcelo Coelho, ex-editorialista e membro do Conselho Editorial.

Mesmo o congelamento de preços, adotado pelo Plano Cruzado e hoje considerado uma medida contrária aos pontos de vista do jornal, foi apoiado na época. "Lembro-me de que um editorialista demonstrou que o congelamento havia sido decretado quando os preços estavam mais desalinhados, e ninguém deu importância. O fundamental era fazer algo", conta Coelho.

Com as diretas para presidente, que o jornal queria para 1984 e vieram só em 1989, termina um ciclo do país e do jornal. A transição para a democracia significou para a Folha a passagem para a condição de jornal mais influente do Brasil. A partir da posse de Fernando Collor de Mello, em março de 1990, outros seriam os desafios.

Leia mais:
  • Getulistas destroem máquinas da Folha
  • Militares ameaçam suspender circulação
  • Polícia Federal invade a sede da Folha
  • Tal pai, tal Folha
  •  Textos citados

    Editorial: Chega de letargia
    Editorial: Cai a emenda, não nós


    Primeira Página com foto de ato pró-diretas na praça da Sé
    Tancredo Neves comemora vitótia no Colégio Eleitoral
    Charge de Angeli sobre as diretas publicada em 23/1/84

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