As
torres do World Trade Center no Brasil
Até
a semana passada, estimava-se em 5.900 o número de
mortos nos atentados cometidos nos Estados Unidos, personagens
de um trauma inédito na história do país.
A estatística fúnebre virou sinônimo de
vulnerabilidade coletiva e intensificou a sensação
de insegurança - até então só
imaginada pelos norte-americanos nos roteiros cinematográficos.
Em meio
à tristeza pelas vítimas e à perplexidade
geral ante os acontecimentos, o governo dos EUA declarou guerra
-e dinamitou os indicadores das Bolsas de Valores em todo
o mundo. Viu-se aqui a crise, com nitidez, no recorde da cotação
do dólar e na certeza de que o crescimento econômico,
já tímido, vai ser ainda mais tímido
no país.
Se tomarmos
6.000 assassinatos como unidade de medida de insegurança,
será possível afirmar que produzimos mensalmente
no Brasil pelo menos uma explosão no Pentágono
e nas torres do World Trade Center.
Segundo
dados do Ministério da Saúde, são registrados
no país 7.000 homicídios todos os meses.
Só
na cidade de São Paulo, segundo levantamento concluído
semana passada pelo Pro-Aim (Programa de Aprimoramento das
Informações de Mortalidade), ocorreram 3.039
homicídios no primeiro semestre deste ano; a manter-se
o ritmo, será um "atentado" por ano.
Desconte-se,
evidentemente, o fato de que os Estados Unidos foram alvo
de um atentado político que atingiu instalações
simbólicas de seu poderio, como as torres do World
Trade Center e o Pentágono. Mas, tanto lá como
cá, o resultado é, em essência, parecido:
o sentimento de que o espaço de convivência é
ameaçador -com a suspeita, fundamentada ou não,
de que possa ocorrer um ataque em cada esquina.
Nos EUA,
os 5.900 mortos vieram num dia; no Brasil, o terror é
homeopático. As pessoas iludem-se, acreditando que
se acostumam com a situação, mas, na prática,
comportam-se como reféns, vivendo em "bunkers".
Pesquisa
realizada pela Universidade de São Paulo em dez capitais
constatou que 50% dos entrevistados deixaram de sair de casa
por medo da violência.
É
natural, portanto, que estudo da Organização
Mundial de Saúde tenha classificado a violência
brasileira como "epidêmica". Nos últimos
dez anos, contabilizaram-se 600 mil assassinatos -o que equivale
a cem "atentados".
O problema
é menos a quantidade de vítimas nas cidades
brasileiras e mais a escalada da violência; daí
a percepção de que o fenômeno é
epidêmico.
Tomemos
o caso paulistano: no começo da década de 80,
havia 8 assassinatos para cada 100.000 habitantes. A proporção
agora gira em torno de 60 por 100.000 habitantes.
Para cada
morte, há milhares de tentativas de homicídio
e legiões de feridos, gente que, em maior ou menor
grau, ficou traumatizada. São Paulo bate recordes de
casos de sequestro -tragédia que ganhou ares de escândalo
nacional com o episódio que envolveu Silvio Santos.
Entre
1995 e 1998, o número de crianças e de adolescentes
assassinados saltou 21% -o homicídio passou a ser a
principal causa de morte dos jovens.
Um estudo
realizado pelo NEV (Núcleo de Estudos da Violência),
da USP, contou quantas pessoas foram punidas por terem matado
jovens ou crianças. O número não chegou
a perfazer 2% dos casos; ficou, mais precisamente, em 1,72%.
É previsível que tão escassa punição
estimule a prática de mais crimes.
Reside
justamente nisso -até mais que em razões de
simples vingança- a explicação do que
leva o governo dos EUA, deixando de lado as implicações
econômicas, a anunciar a guerra contra as nações
que abriguem terroristas, algo semelhante a tocar fogo na
casa para fritar um bife. Eles querem dar uma lição
a seus adversários para que pensem muitas vezes antes
de cometer mais um crime.
Nos EUA,
corre-se o risco de cair em sérios exageros para dar
uma satisfação pública ao país
e uma lição aos fanáticos religiosos.
O que existe por trás disso é a idéia
de que uma comunidade não pode experimentar uma vulnerabilidade
de tal magnitude.
Quando
- e se- o Brasil tiver mesmo de reduzir a sensação
de vulnerabilidade provocada pela violência urbana,
vai ter de se engajar num esforço de guerra que mobilize
todo o país.
Guerra
significa não apenas melhorar o policiamento, mas reduzir,
intervindo nas causas sociais, a possibilidade de surgimento
de "terroristas" -e isso é bem mais difícil
e demorado do que sair atirando mísseis.
PS - Até
lá, vamos oferecer todos os meses duas torres do World
Trade Center.
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