Vape 'com gostinho' e nicotina pode viciar e levar ao tabaco, diz jovem de 14 anos

Fumante há um ano e meio, Marco está tentando parar e dá dicas para quem quer contar à família que experimentou o dispositivo

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São Paulo

Não demorou muito para a mãe de Marco S. descobrir que ele fumava cigarro eletrônico: foi no mesmo dia em que ele deu seus primeiros tragos que Marco "rodou". "Só que ela levou bem de boa, achou que era molecagem", lembra Marco. "Conversou comigo, falou que isso faz mal e que podia se tornar um vício."

E o pior é que virou mesmo. Marco tem 14 anos e hoje em dia fuma não só o vape, como são chamados os dispositivos, mas também o tabaco comum, em cigarros que ele mesmo enrola. "Realmente é um vício bem complicado, a nicotina. Eu já fumo há mais de um ano e meio, só que eu tô parando, já", diz.

O jovem Marco S., 14 anos, conta que o cigarro eletrônico o levou a fumar tabaco - Karime Xavier/Folhapress

Não se conhecem as consequências da inalação crônica do aerossol do cigarro eletrônico. As pistas, no entanto, não são boas: em altas temperaturas, o propilenoglicol (um dos componentes do vape) se decompõe e pode formar óxido de propileno, provável carcinógeno humano.

Junto dos prováveis malefícios, os médicos mapearam outra informação importante: quase 20% dos jovens entre 18 e 24 anos no Brasil já experimentaram um vape, de acordo com estudo publicado no Jornal Brasileiro de Pneumologia.

E, mesmo que seja proibido fazer propaganda dos dispositivos, todo mundo sabe que nas redes sociais esse assunto rola solto, sem qualquer restrição. Daí que, vendo gente famosa fumando, e vendo os amigos na vida real fumarem, fica complicado não sentir curiosidade.

"Da primeira vez que eu utilizei, eu estava sozinho, não sabia tragar, então não senti nada. Só que na minha segunda experiência com o vape eu já sabia tragar. Fui com meu amigo lá na Liberdade [bairro de São Paulo], a gente comprou e eu traguei", conta Marco.

"Foi uma sensação muito forte, parecia que o mundo estava caindo em cima de mim. Não era necessariamente ruim a sensação… Pensando bem, era quase de boa, até."

Marco S., em sua casa em São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

O primeiro vape que Marco comprou foi pela internet. Tinha gosto de manga. "Aqui em São Paulo, no público adolescente, o vape não se tornou uma forma de parar de fumar. Na verdade se tornou uma indústria bem maligna, que promete uma coisa inocente, infantil, sabe? Com gostinho de frutinha e tudo mais", avalia Marco.

"Mas é como uma droga, na verdade. Já tive experiências com drogas e a nicotina é a que eu nunca consegui parar, então é realmente uma droga. O efeito pode não ser tão forte, só que no seu dia a dia ela é bem impactante."

Embora estejam disponíveis online e em comércios físicos, a comercialização, importação e propaganda de todos os tipos de dispositivos eletrônicos para fumar são proibidas no Brasil.

Para ele, o alvo da indústria dos cigarros eletrônicos são os menores de 18 anos. "É tudo pra criança, e o marketing é pra criança. Eu acho que virou uma coisa bem maligna pra introduzir um vício, do mesmo jeito que o PCC [Primeiro Comando da Capital] faz com o crack. Claro, são dimensões menores, mas estão fazendo isso, sabe?".

A nicotina, substância presente em grande parte dos cigarros eletrônicos e no tabaco, ativa áreas do cérebro envolvidas com o prazer e a gratificação, aumentando os níveis de um neurotransmissor chamado dopamina, relacionado ao vício.

Quem explica é Humberto Bassit Bogossian, pneumologista do Hospital Israelita Albert Einstein. "A nicotina é uma das drogas que mais causam dependência. Em menos de 20 segundos, ela chega ao cérebro e libera substâncias químicas que provocam relaxamento e bem-estar. Por outro lado, apenas 20 minutos depois, sua ausência já pode ser sentida", diz.

Entre 20% e 30% das pessoas que começaram a fumar sentem os sintomas da abstinência depois de um mês. Bogossian lembra ainda que muitos adultos com problemas secundários ao tabagismo começaram a fumar na adolescência, como mostra uma pesquisa do Ministério da Saúde e IBGE de 2008: 80% dos fumantes brasileiros começaram antes dos 19 anos, e 20% com menos de 15.

"Com o vape, as pessoas acabam utilizando maiores quantidades de nicotina do que com o cigarro comum, por isso o risco de dependência pode ser maior. O cigarro eletrônico foi criado para o tratamento do tabagismo, mas acabou sendo usado para finalidade recreativa, o que deturpou a ideia original do dispositivo", completa o médico.

Hoje em dia, na casa de Marco, todo mundo sabe que ele fuma, e o assunto "não é mais um estigma". E o combinado é que ele só pode fumar no próprio quarto ou fora de casa, o que não é um problema para ele, que diz que curte mais fumar sozinho do que com companhia.

Ele dá algumas dicas para quem fumou vape pela primeira vez e está com medo de contar para a família. No caso de quem é muito jovem, ele chama atenção para um ponto: "Enquanto você não ganha o seu próprio dinheiro, é uma hipocrisia fumar, eu mesmo fiz isso. Não é legal você fazer uma coisa que faz mal pra você com o dinheiro dos outros, principalmente dos seus pais".

Neste caso, diz Marco, o ideal é parar o quanto antes. "Se você é um adolescente que já é maiorzinho, tem uns 16 anos e já tem noção do que faz, acho muito bom conversar e não deixar as coisas escondidas", acredita.

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