Para a minha geração, fumar era glamoroso. Estrelas de Hollywood, shows e competições esportivas patrocinados, propaganda ostensiva com jovens atraentes soprando a fumaça em seus "objetos de desejo" –como no filme "Casablanca". A indústria do tabaco investia muito para manter a glamorização.
Parte da estratégia era negar qualquer prejuízo à saúde. E a classe médica a endossava, por ignorância ou por interesses, afinal os "consultores" ganhavam bem para isso.
Entre meus colegas do curso médico a maioria fumava, nossos professores também. Muitos já se foram, mortes prematuras por diversos tipos de câncer, enfisema, doenças cardiovasculares.
Assistimos agora às mesmas investidas em relação ao cigarro eletrônico. Apresentam-no como uma alternativa menos prejudicial à saúde para aqueles que querem parar de fumar. No entanto, na prática, em países onde a venda é legalizada, o consumidor jovem é o alvo principal. Do contrário, como justificar sabores tutti-frutti e algodão-doce, embalagens sofisticadas? Verdadeiros acessórios de grife.
Escrevo de Londres e não vejo nas ruas adultos mais velhos "vaping", e sim, adolescentes. Embora a venda do produto para menores de 18 anos seja proibida, eles o encontram no comércio ilegal, até mesmo online. Desde 2018 o uso do cigarro eletrônico entre meninas de 15 anos aumentou de 10% para 21%. No mesmo período, seu uso entre crianças de 11 a 15 anos cresceu em média 10% ao ano.
Das maiores conquistas em saúde pública no Brasil está o controle do tabagismo. Há 30 ou 40 anos, tínhamos três vezes mais fumantes que o Canadá, padrão ouro na época, com 18%. Lá, o percentual de fumantes permaneceu estável. No Brasil está abaixo de 10%.
Não é à toa que o governo australiano acaba de anunciar medidas dacronianas. O produto só será vendido sob prescrição médica, em farmácias, para adultos.
Tragédia anunciada? A longevidade desses jovens poderá lhes ser roubada, como para vários de meus contemporâneos tabagistas. A evidência para tal só faz crescer.
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