Descrição de chapéu drogas

Maconha: como a planta foi proibida e por que ela está sendo descriminalizada

Entre o entusiasmo liberal e preocupação conservadora, está uma erva que sempre existiu mas, nem sempre, foi vetada

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São Paulo

Na última quarta-feira (26), o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento que descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal no Brasil. A decisão não chega a legalizar a cannabis no país, mas vai na contramão das políticas chamadas proibicionistas.

Quem defende a descriminalização argumenta que pessoas pobres e negras têm sido presas com pequenas quantidades da substância e tratadas pela polícia como traficantes, enquanto outras, mais ricas, são tidas como usuárias.

Jovem fuma um cigarro de maconha durante a Marcha da Maconha, na avenida Paulista, em São Paulo
Jovem fuma um cigarro de maconha durante a Marcha da Maconha, na avenida Paulista, em São Paulo

Por outro lado, a legalização também passa hoje por recuos em vários países.

Estados americanos que haviam liberado o uso de drogas, como Oregon, voltaram atrás. A Holanda, conhecida por ser muito flexível nesse assunto, hoje procura reduzir o número de cafés que podem vender maconha em Amsterdã —e em Roterdã, sua segunda maior cidade, o prefeito já até declarou que o uso de entorpecentes levou à violência nos bairros mais pobres.

O atual movimento de descriminalização no Brasil é, portanto, mais um vaivém na história. Afinal, entre o entusiasmo dos mais liberais e a preocupação dos mais conservadores, a maconha é uma planta que sempre existiu mas cujo uso, nem sempre, foi considerado um crime.

Por que a maconha é proibida? E por que outras drogas não são?

O uso da maconha é antigo, mas não exatamente pelas características psicotrópicas da erva. O cânhamo, como são chamadas as fibras feitas a partir de cannabis, por exemplo, era usado em tecidos por ser muito mais forte que outros materiais, como o algodão. E até o século 19, era um insumo militar de primeira importância.

"Algumas drogas se difundiram tanto ao longo do tempo que o seu consumo não passou pela estigmatização. Pelo contrário, entraram na cultura geral, no cotidiano. É o caso do açúcar, do café e do álcool, que compramos normalmente no supermercado", diz Carlos Torcato, professor do Departamento de História da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte.

Ao mesmo tempo, afirma, "outras drogas ficaram restritas a grupos específicos, muitas vezes marginalizados, como a maconha, que nunca foi uma droga das elites, mas comum entre os trabalhadores, agricultores, marinheiros".

O professor conta que na América Latina, por exemplo, ela foi trazida pelos africanos e portugueses em contato no mundo atlântico e que aportaram no Brasil no período colonial, e também pelos coolies, trabalhadores indianos levados para o México, o Caribe e a América Central no século 19.

Na virada para o século 20, tanto os Estados Unidos como a China embarcam em uma "onda puritana", segundo o professor, tentando vetar o uso de qualquer substância que provocasse alteração de consciência —houve até a Lei Seca, que proibia o consumo de álcool.

Ao mesmo tempo, começava a migração mexicana rumo ao norte da América. A proibição da maconha, então, caiu como uma luva como ferramenta de controle desse e de outros grupos, incluindo a população negra, diz ele.

Já no Brasil, uma das primeiras tentativas de proibir a maconha foi o Código de Postura do Rio de Janeiro, de 1830. "Não criticava a maconha em si, mas sim um hábito de escravizados dentro do centro da cidade", conta Torcato.

A primeira lei federal de drogas do Brasil, que proibia a cocaína e a morfina e até o álcool, entrou em vigor em 1921. Uma proibição específica para a erva só veio em 1930, com a reformulação dessa primeira lei —foi quando o governo federal passou a ter um protagonismo maior na questão das drogas, inclusive com a criação de uma Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes, ainda ligada ao Ministério das Relações Exteriores.

Em 1980, esse órgão é transferido ao Ministério da Justiça, e passa a se chamar Conselho Federal de Entorpecentes. "É o marco de início da guerra às drogas no Brasil", afirma Torcato.

No Brasil dos anos 1990, o grupo musical Planet Hemp levou o papo de legalização ao debate público. Mas a opinião pública começou a se sensibilizar mais como assunto a partir de 2014, com casos que se tornaram notórios como o das dificuldades de mães que importavam óleo de canabidiol ilegalmente para tratar a epilepsia do seus filhos.

Quase dez anos depois, uma pesquisa Datafolha apontou que a maioria dos brasileiros (72%) se opõe a uso recreativo de maconha, mas apoia o seu uso para tratar da saúde.

Quais são os efeitos da maconha entre os adolescentes?

A maconha é uma substância que interfere no desempenho cognitivo, isto é, nas nossas capacidades ligadas à memória, ao raciocínio e ao juízo. Na adolescência, o cérebro ainda está em desenvolvimento, o que significa que nessa fase essas interferências podem ser potencializadas.

A revista especializada Jama Psychiatry, ligada à Associação Médica Americana, publicou os resultados de um estudo conduzido ao longo de cinco anos com 799 adolescentes da Europa com idade média de 14 anos.

Os pesquisadores chegaram à conclusão que o uso de cannabis nessa fase provocou redução acelerada na espessura cortical, em especial nas regiões pré-frontais do cérebro. Essa área está associada à nossa concentração e também à memória e ao raciocínio.

Em outras palavras, a pesquisa sugere que a maconha poderia prejudicar o desenvolvimento da capacidade de atenção entre adolescentes.

Vale dizer também que produtos derivados da maconha hoje tendem a ter maior concentração do princípio ativo THC do que em décadas anteriores. Isto é, atualmente ela é mais potente do que antes, segundo mostrou reportagem do jornal americano The New York Times. O uso intensivo, segundo a publicação, está por trás de cada vez mais episódios de vômitos, psicoses e até vícios, também entre adolescentes.

E agora, o que muda com a descriminalização?

A decisão do STF não legalizou a maconha. Mas interpretou uma lei aprovada em 2006, que já determinava que o porte de maconha para consumo pessoal do próprio usuário não seria punido com nenhum tipo de pena de prisão —apenas advertências, cursos educativos e prestação de serviços comunitários.

"Agora, o STF entendeu que, se é um crime sem pena de prisão, então não é um crime", diz o advogado criminalista Rafael Paiva. Ainda assim, "o porte de maconha é um ilícito administrativo, como avançar o sinal vermelho ou dirigir acima da velocidade permitida."

Segundo Paiva, como a maconha em si segue sendo ilegal, a polícia pode apreendê-la. Mas como não existe mais crime, afirma o advogado, as autoridades não podem mais conduzir o usuário à delegacia.

Legalizou?

Não. Após o julgamento de terça-feira, a Câmara dos Deputados oficializou a criação da comissão especial para analisar uma proposta que criminaliza o porte e posse de drogas.

"Isso pode recriminalizar o porte. E depois, a proposta também pode ser declarada inconstitucional pelo Supremo. Tudo isso ainda pode estender essa discussão por muitos anos", diz Paiva.

Com informações de Constança Rezende e José Marques

Erramos: o texto foi alterado

O Código de Postura do Rio de Janeiro é de 1830, não 1930, como publicado originalmente. O texto foi corrigido.

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