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História da maconha no Brasil foi mais racista que nos EUA, diz autor de HQ

Daniel Paiva lança 'Diamba', livro sobre o proibicionismo da droga no país inspirado em obra do americano Box Brown

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Washington

Há algum tempo, o quadrinista Daniel Paiva leu o gibi "Cannabis". Essa HQ, que o americano Box Brown publicou em 2019, conta a história da proibição da maconha nos Estados Unidos. Paiva pensou —alguém deveria fazer uma versão brasileira.

Acabou que Paiva foi seu próprio alguém. Após anos de pesquisa, lança agora pela editora Brasa o gibi "Diamba", que trata da proibição da erva no Brasil. Não é uma tradução ou adaptação do livro de Brown, e sim um trabalho inspirado nele.

Página da HQ 'Diamba, Histórias do Proibicionismo no Brasil', de Daniel Paiva
Página da HQ 'Diamba, Histórias do Proibicionismo no Brasil', de Daniel Paiva - Divulgação

"A história do proibicionismo no Brasil foi ainda mais absurda e mais racista do que nos Estados Unidos", Paiva diz. Seu livro, afirma, é uma contribuição para o debate público. O lançamento coincidiu com um julgamento no Supremo Tribunal Federal sobre o caso —a votação foi interrompida no final de agosto, a um voto de descriminalizar o porte pessoal. A pauta deve ser retomada até novembro.

Uma das teses centrais de "Diamba" é que a proibição da maconha no Brasil pune os pobres e os negros de maneira desproporcional. "A guerra às drogas é um pretexto para reprimir os moradores da periferia", diz.

Na HQ, ele fala de medidas tomadas durante o século 19 cerceando não só a maconha como também o samba e outras expressões culturais associadas às populações de origem africana no Brasil.

Paiva costura sua pesquisa à história ficcional de um jovem negro preso por usar um boné com a imagem de uma folha de Cannabis. A narrativa alterna passado e presente. Isso é feito de uma maneira natural e convincente, sem confundir o leitor.

Apesar de ser seu primeiro trabalho de fôlego sobre a maconha, Paiva já produz o que chama de "quadrinhos canábicos" há mais de 20 anos. Ele faz parte de uma subcultura das HQs brasileiras que tratam do cultivo, fumo e proibição dessa erva.

Paiva publicou tirinhas na revista "Tarja Preta", por exemplo. Colaborou também com a "Sem Semente" e com o site Maryjuana. "Nenhuma outra droga tem uma cultura parecida", diz. A maconha está ligada a gêneros musicais, como o reggae.

O desafio dos tais quadrinistas canábicos, afirma, é lidar com um mercado excludente. Paiva diz que não existe censura como tal, mas que sabe que seus gibis não são bons candidatos para receber financiamento público. No passado, editais como o Proac, em São Paulo, foram fundamentais para estimular novos artistas.

Há outros obstáculos. Em 2020, a Mauricio de Sousa Produções pediu que Paiva deixasse de publicar as histórias do Boldinho. Paiva tinha criado o Boldinho como uma paródia maconheira do Cebolinha. Em vez de cinco fios de cabelo, tinha cinco folhas de Cannabis na cabeça.

Paiva acatou o pedido e retirou os desenhos do ar. Naquela ocasião, artistas se solidarizaram e criaram o movimento #FreeBoldinho —libertem o Boldinho—, fazendo suas próprias interpretações do personagem. Como tinha acabado de publicar uma coletânea, Paiva teve que remover o conteúdo de modo manual — cortou as páginas que tinham o Boldinho, livro por livro. "Foi uma automutilação", diz.

O personagem Boldinho, criado pelo cartunista Daniel Paiva inspirado em Cebolinha, da Turma da Mônica
O personagem Boldinho, criado pelo cartunista Daniel Paiva inspirado em Cebolinha, da Turma da Mônica - Reprodução

Paiva desenhou "Diamba" à mão, com papel e tinta. Diz que é desses, das antigas. As cores foram feitas no computador pela equipe da editora, que usou retículas —um efeito pontilhado— para o sombreamento. O livro está todo em tons de verde. Há outros detalhes divertidos, como as informações técnicas na última página, dizendo que o gibi "brotou" na gráfica Edelbra e que foi "bolado" em papel pólen.

O gibi tem uma coisa insatisfatória, que é o fato de não ter fim. O leitor não sabe o que acontece com o protagonista que havia sido detido por causa do boné. Esse desconforto, porém, é intencional. "Está mesmo faltando um fim", diz. Fica para quando o Brasil legalizar a maconha, sugere. "Aí vamos saber como a história acabou. Vamos saber, também, se houve reparação às classes que sofreram mais."

Diamba: Histórias do Proibicionismo no Brasil

  • Preço R$ 99,90 (192 págs.)
  • Autoria Daniel Paiva
  • Editora Brasa
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