Crianças descobrem o que é inflação com gibis, gasolina e carne mais caros

'Esse ano o gibi ficou o preço de um almanaque', comenta Estela, de 9 anos

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Estela Cavalini Constantino, 9 anos, leitora assídua de quadrinhos e que está preocupada com o aumento dos preços dos gibis Adriano Vizoni/Folhapress

São Paulo

Quem anda de carro com a família já deve ter reparado: encher o tanque de combustível ficou mais caro. Desde o ano passado, o preço da gasolina vem aumentando, e em 2022 ele subiu ainda mais, o que fez com que vários adultos venham pensando se dá para trocar o carro por outros meios de transporte mais baratos.

E não foi só o combustível que aumentou. O gás de cozinha, por exemplo, também está mais caro, e a carne de boi, junto de outros alimentos, tem deixado a conta no supermercado bem mais alta.

Existe um nome para quando várias coisas ficam mais caras ao mesmo tempo: inflação. A inflação é diferente de quando apenas um ou outro item sofre aumento no preço. Quem nos ajuda a entender isso é o especialista em educação financeira Thiago Godoy, do perfil Papai Financeiro do Instagram.

"Se você vai à feira e o morango está mais caro, isso não necessariamente é culpa da inflação. Pode ser que tenha tido muita chuva e a lavoura estragou, ou mesmo porque aquela não é a época do morango. Mas, se junto com o morango o tomate, o feijão, a mensalidade da escola também subiram, isso, sim, é inflação", diz Thiago.

Estela tem 9 anos, mora em São Paulo e anda preocupada. Ela reparou que muitas coisas estão mais caras —especialmente os gibis que ela gosta de comprar.

"Eu adoro muito ler gibi, leio há mais de dois anos, e percebi que o gibi tá aumentando o preço. Ano passado custava R$ 7,90, e um almanaque custava R$ 9,90. E aí esse ano o gibi ficou o preço de um almanaque e o almanaque ficou R$ 11,90", conta.

Ela compra gibis sempre na mesma banca, perto de um parque que frequenta. Às vezes vai acompanhada do pai, às vezes, da mãe. "Gosto da Turma da Mônica e dos gibis da Magali."

Estela mostra alguns de seus gibis favoritos - Adriano Vizoni/Folhapress

Assim como muitas crianças da sua idade —e até mesmo como vários adultos—, Estela não sabe o que é inflação. "Uma coisa eu sei, que a gasolina tá muito cara. Talvez tenha a ver com isso. As coisas estão ficando mais caras. Outro dia vi na TV que antes uma cenoura custava R$ 1, e agora tá custando R$ 5", espanta-se.

Na casa dela, algumas mudanças já aconteceram por causa do aumento dos preços e da inflação. "A gente tá tentando diminuir um pouco a carne, mas, como é uma coisa que eu gosto, é complicado", conta.

"Minha mãe fala que tem que comer peixe uma vez por semana, só que eu não gosto. Outro dia ela fez frito e eu gostei mais. Tenho comido mais frango também. Acho que carne de boi é mais cara que frango, que é mais cara que peixe. Talvez o boi valha mais do que um peixe ou do que uma galinha", especula Estela.

Mas por que será que está acontecendo essa inflação agora? Thiago Godoy tenta explicar: "É como se fosse um efeito dominó. Juntou a pandemia, que paralisou várias atividades econômicas, faltaram materiais básicos para produzir produtos, tivemos a crise hídrica, que impacta no preço da energia, e juntou a questão do barril do petróleo, que está sendo negociado mais caro".

Pense assim: como é que os alimentos chegam à feira ou aos mercados? Eles precisam ir de caminhão. "O caminhão usa o óleo diesel, que é derivado do petróleo. O petróleo está mais caro. Então, transportar os alimentos da fazenda até a feira está mais caro também", diz Thiago.

Isso sem contar outros vários fatores envolvidos na "vida" dos alimentos até o prato da gente em casa, como, por exemplo, a energia elétrica que é gasta para iluminar o depósito onde eles ficam até irem para o ponto de venda.

No caso da carne, Thiago comenta que não é só a carne bovina que ficou mais cara, mas, sim, todas as proteínas animais. "A gente sente mais a carne vermelha porque ela é mais cara no geral, e vai acabar sendo mais valorizada e mais procurada. Mas é um aumento geral", fala, lembrando que bois comem ração feita de farelo de soja, e a soja é outro produto que também sofreu aumento no preço.

No caso dos gibis, a questão está no valor que se paga para imprimir as páginas, para manter a luz da fábrica acesa, e até mesmo o aluguel que o dono da banca perto do parque paga para manter seu negócio por lá.

Nos gibis que tanto adora, Estela viu há um tempo casos de crianças que ganhavam mesada. Ela, então, pediu à mãe para ganhar mesada também, e a mãe logo concordou. "Ela disse que é bom pra eu aprender a lidar com dinheiro", lembra Estela.

"Isso tem mais ou menos meio ano. Eu ganho uma mesada todos os meses pra eu comprar gibi e coisas numa papelaria que eu gosto. Uma vez, comprei uma caneta pra mim, e outro dia fui comprar a mesma caneta pruma amiga minha. Era R$ 4 e agora tava R$ 6!", diz.

"Parece que é pouco, mas não é. Na minha escola, na cantina as coisas também estão mais caras. Não é um exagero, mas tá mais caro do que antes", completa.

Estela ganha R$ 50 de mesada. Ela conta que coloca as notas em uma bolsinha pequenininha e guarda a bolsinha em seu armário. "Nunca gasto tudo. Sempre pego, gasto um pouquinho, e guardo porque, se tiver uma coisa superlegal, eu posso comprar."


Inflação tem remédio?

Embora o Brasil enfrente atualmente um aumento considerável no preço de várias coisas, o especialista em educação financeira Thiago Godoy diz que a situação não está fora de controle. "Hoje a economia do país está mais estável", garante.

Ele lembra que há 30 anos, o Brasil vivia um período da chamada "hiperinflação". "Era uma inflação descontrolada onde o dinheiro perdia valor muito rápido", explica.

Thiago se refere ao final dos anos 1980, quando talvez seus pais fossem crianças. "Naquela época a gente ia ao mercado com os pais assim que eles recebiam o salário para já comprar a compra do mês inteiro. Os preços não ficavam numa gôndola, como hoje, mas em uma etiquetinha colada no produto."

"Era comum a gente ver o funcionário marcando preços diferentes duas vezes no mesmo dia. De manhã ele marcava, e à tarde já era outro preço", conta.

Thiago diz que esse problema só foi controlado em 1994, com o chamado Plano Real. De lá para cá, até existe inflação, mas ela é bem menor do que naqueles anos. "O Plano Real foi um conjunto de reformas na economia. O dinheiro até trocou de nome. Em maio de 1994, a inflação era de até 47% ao mês. Em 1995, passou para 2%."

Ainda assim, Thiago acha importante lembrar que, mesmo quando a inflação diminui, isso não quer dizer que as coisas vão diminuir de preço, mas, sim, que elas vão ter seus preços aumentando mais devagar.

Estela e seus gibis, na sua casa em São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

"Um litro de leite hoje é com certeza mais caro do que há dez anos", exemplifica. Então, será que os gibis da paulistana Estela, 9 anos, fã da Turma da Mônica, vão custar R$ 20 quando ela completar 20 anos de idade?

"Não sabemos", responde Thiago. "Pode até ser que sim, mas aí a Estela tem que entender que o valor do salário dela também vai ser mais alto, e ela provavelmente vai conseguir comprar o seu gibi. Essa é uma boa notícia."

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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