Itamar Vieira começou a escrever aos 7 e conta que concursos literários o ajudaram a 'se abrir'

'Escrever é se aventurar. E não ganhar não tira pedaço de ninguém', ensina autor de 'Torto Arado'

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São Paulo

Era uma vez um menino que escrevia histórias sobre borboletas. No outro dia, ele criava enredos para mais insetos, e inventava contos sobre grilos e escaravelhos. Na semana seguinte, era a vez dos amores da escola virarem uma trama ingênua e delicada. Daí, um dia, muitos anos depois, ele já crescido e tornado homem escreveu um livro chamado "Torto Arado", e a vida dele mudou para sempre por causa da sua escrita.

O nome do menino é Itamar Vieira Junior. Ele tem 43 anos e é autor de um dos livros mais famosos e elogiados da literatura recente, que fala das irmãs Bibiana e Belonísia em uma fazenda na Bahia. Lançado em 2019 no Brasil, "Torto Arado" ganhou o Prêmio Jabuti de 2020 e agradou a vários leitores, sendo vendido a muitas pessoas.

Retrato de Itamar Vieira Junior, autor do livro 'Torto Arado' - 13.jan.2021-Raul Spinassé/UOL

"Eu tentava replicar da maneira mais bonita e simples a vida dos adultos nesse universo das crianças", lembra Itamar sobre a época em que, por volta dos 7 anos de idade, já criava suas primeiras histórias.

Os pais de Itamar faziam questão de que os filhos tivessem a melhor educação que o pouco dinheiro à época podia oferecer. "Para minha mãe, todo o tempo disponível que eu tivesse, que não fosse na escola ou na hora da brincadeira, ela queria que eu o dedicasse às tarefas", conta Itamar.

Ele não se lembra se em algum momento deixou de fazer alguma lição de casa para se dedicar à sua ficção, mas de todo modo houve um dia em que a mãe encontrou os papéis e não gostou do que viu. "Talvez ela tenha achado uma grande bobagem, não sei, mas ela ficou decepcionada, brava mesmo. E, naquele momento, pensei que ia continuar a escrever, mas ia esconder, para ninguém reclamar comigo."

O que antes era encantamento, diz Itamar, se transformou em vergonha, e ele nunca mais mostrou seus textos às pessoas, nem mesmo às mais próximas. "Não sabia como elas iam reagir quando lessem, talvez reagissem como minha mãe, achando que eu era um menino bobo", conta.

Itamar se tornou um adolescente tímido. Demorou até a vida adulta para se sentir seguro e voltar a apresentar o que criava. E foi nos concursos literários que começou a se abrir de volta para o mundo, enviando seus textos para que fossem avaliados.

O primeiro concurso que Itamar venceu foi por volta dos 20 anos de idade. Ele trabalhava em um supermercado empacotando as compras dos clientes, ali na beira do caixa. No fim do ano, o mercado lançou uma competição de redações, e Itamar se inscreveu.

"Escrevi sobre o tempo do Natal, quando a gente encontra a família e sonha com um mundo melhor. Ganhei o prêmio. Era uma cesta de Natal e tinha um peru dentro", lembra, rindo.

Uma década depois, Itamar mandou um livro de contos para um concurso —foi escolhido vencedor de novo. "Foi meu primeiro livro. Depois, aconteceu a mesma coisa com meu segundo livro, e depois com 'Torto Arado'. Eu não tinha editora para publicar [o livro] e o único concurso aberto quando terminei de escrevê-lo era um prêmio em Portugal chamado Leya", conta.

"Em todos esses concursos a gente concorre de maneira anônima, ou seja, escolhe um nome falso, um pseudônimo, e põe na história. O jurado lê todas, decide qual é a melhor, e procura então saber quem escreveu, olhando em um envelope onde tem o nome de verdade da pessoa."

O pseudônimo de Itamar Vieira Junior era "Terra". "Seis meses depois de mandar 'Torto Arado' para esse prêmio recebi a notícia de que eu tinha vencido. E pronto, tudo começou", narra.

Ao longo do ano há sempre concursos literários divulgados na internet para escritores de todas as idades, e atualmente há um específico para crianças de até 12 anos promovido pelo Clube de Leitura Quindim. Para participar deste, é preciso ser assinante —os planos custam a partir de R$ 39,90 mensais— e enviar a história até o dia 15 de abril (o regulamento está disponível no site do clube).

Página do livro que inspira o concurso literário para crianças do Clube de Leitura Quindim - Divulgação

"No fundo, e nem tão fundo assim, somos todos contadores de histórias. Ao contar uma história, resgatamos nossas memórias culturais e afetivas, movimentando toda uma vivência, e comunicando quem somos", acredita Renata Nakano, diretora geral e idealizadora do Clube Quindim.

Ela diz que vai ser "desafiador e interessante" escolher os dez finalistas e eleger entre eles um vencedor, que terá sua história publicada em um livro de verdade e levará para casa um troféu de capivara, a mascote do Quindim.

O escritor Itamar Vieira dá dicas para quem vai participar de seu primeiro concurso. "Primeiro a gente precisa gostar da nossa história. Nem tudo que vou escrever vou ter vontade de publicar, talvez esteja só me exercitando. Mas, se gosto e acho que ela merece participar do concurso, então eu mando", ensina.

"Um concurso é uma maneira de fazer com que as pessoas leiam o que a gente escreve, e avaliem. E não ganhar não tira pedaço de ninguém. E, se ganhar, é uma coisa muito boa, a gente vai ficar feliz."

Para ser um bom escritor, Itamar acredita que é preciso ser antes um grande leitor. "Ler me ensinou a escrever. Se a gente quer ser médico, a gente vai para uma universidade estudar com outros médicos. Se a gente quer ser escritor, a gente vai aprender com os escritores, lendo o que eles escreveram."

"Também é preciso conhecer o mundo, as coisas, ir para o parque observar as pessoas, ver a chuva, os pássaros. Tudo isso entra nas coisas que a gente escreve."

Embora tenha sido muito premiado e lido, Itamar diz que até hoje não tem certeza de que sabe escrever bem —e ele acha isso bom. "Assim vou ter humildade para ouvir opiniões e vou ser movido desde o começo por esse sentimento de dúvida. E isso me desafia a escrever", explica ele, que lançará seu novo livro "Salvar o Fogo" em abril.

"Cada história é um começo, e a cada história vou ser desafiado a contá-la até o fim. Isso me ajuda. Escrever é se aventurar também."

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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