Abelhas sem ferrão podem ser bichos de estimação até para quem mora na cidade

Famílias conseguem criar insetos em quintais e até varandas, mas é preciso contar com consultoria de especialistas

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São Paulo

Elas não têm coleira nem comem sachê, também não brincam de bolinha nem dão a pata. Mas as abelhas, estes insetos pequenininhos e dedicados, também podem ser bons animais de estimação, inclusive para as pessoas que moram nas grandes cidades.

Antes de seguirmos com a boa notícia, é importante explicar que esse texto vai falar sobre as abelhas nativas brasileiras sem ferrão, um tipo diferente daquele que normalmente vem à cabeça quando se fala de colmeias, mel e afins —as nativas são menores e menos gorduchas do que suas primas africanizadas.

Indivíduo da espécie lambe-olhos (Leurotrigona muelleri) - Andre Matos/Meliponicultura.org

Pois as abelhas sem ferrão brasileiras, além de seu potencial para alegrar a rotina das famílias em ambientes urbanos, também carregam em seus corpinhos um papel importante: ao serem inseridas nesse cenário das cidades, elas ajudam a natureza a sofrer menos com o impacto do homem.

As metrópoles são habitats em que matas, rios e solo acabam destruídos para que prédios e ruas existam. Com essas mudanças todas tão impactantes são poucos os animais que conseguem sobreviver ali.

Daí que cada caixinha com abelhas nativas incluída na cidade, como colmeia na casa de alguém, colabora na polinização das plantas daquela região, já que, todos os dias, estes insetos visitam as flores, passeiam dentro delas e acabam transferindo pólen de uma para a outra, colaborando para sua reprodução.

"No apartamento da minha mãe tem uma colmeia de jataí (Tetragonisca angustula) na varanda", conta a engenheira ambiental Gabee Silva. Ela é co-fundadora do projeto Meliponicultura.org, que reúne profissionais vinculados a universidades e a projetos científicos, e que estudam animais silvestres.

"A gente presta consultoria para quem quer ter abelhas em casa. Isso porque, como elas são animais silvestres, é diferente de se adotar um cachorro ou um gato. Não tem como levar uma abelha no veterinário, por exemplo", brinca Gabee (sim, o nome dela tem um trocadilho com "bee", que é "abelha" em inglês).

"Quem vai criar precisa conhecer algumas técnicas, então é importante consultar alguém especializado para saber quais são as necessidades desse animal, aprender a identificar quando a colmeia está precisando de alguma atenção especial, se está faltando alimento etc."

As abelhas devem ser sempre seres livres, que não vão viver em cativeiro —ou seja, elas vão sair quando quiserem, e voltar para a colmeia também por vontade própria. "Elas vão passear, se reproduzir, tudo na natureza. A consultoria é também para que elas não fiquem doentes e levem essas doenças para o meio natural, causando impacto negativo", ensina Gabee.

Se a família que quer criar abelhas mora em apartamento, como a mãe da Gabee, há algumas exigências: é preciso ter uma varanda, ela não pode ser em andares mais altos que o terceiro ou quarto pisos, o sol não pode bater direto no lugar da colmeia, nem pode ter uma corrente de vento constante as abelhinhas perdem energia se voam contra o "vendaval".

Para quem mora em casa, diz Gabee, as coisas são mais fáceis ainda. "Podemos distribuir colmeias pelo quintal. Se não tiver uma sombra, colocamos debaixo de uma árvore ou de um pergolado. Também podemos fazer uma casinha e colocar lá dentro", diz.

As colmeias são caixas de madeira que simulam o oco de uma árvore, onde na natureza as abelhas construiriam sua residência. Gabee explica que, para cada espécie, é necessário um tipo de caixinha.

"As meliponas [gênero com cerca de 40 espécies], especialmente as mandaçaias (Melipona quadrifasciata), acordam muito cedo, às cinco da manhã, quando o dia começa. Se houver luz artificial por perto, elas vão entender que o dia começou, vão ser enganadas, e isso acaba causando sofrimento, o que pode até matar a colmeia", avisa Gabee.

Outra curiosidade é que, no geral, em quintais, dá para ter colmeias de espécies diferentes —elas não têm o costume de se importunar umas às outras. Quer dizer, isso quando não estamos falando das jataí.

"Essa é bem pequenininha, parece uma mosquinha, mas é superterritorialista, não gosta de ter vizinhos. Se você colocar outra colmeia do lado, ela vai brigar para proteger seu território", avisa a engenheira ambiental.

Embora as espécies nativas sem ferrão não tenham o mesmo mecanismo que as abelhas africanizadas — de "picar" os inimigos—, elas sabem sabem se defender. Se na casa ou apartamento houver cachorros ou gatos que se metam com as abelhas, elas vão dar um jeito de espantá-los.

"Esses animais são curiosos, às vezes só vão lá olhar. Mas a abelha pode se enrolar no pelo deles, por exemplo, e até mordiscar, como fazem as mandaguari (Scaptotrigona postica). Elas têm mandíbula e mordiscam com mais força."

Depois de contratar uma consultoria adequada, as famílias podem finalmente comprar sua colmeia, que custará entre R$ 200 a R$ 1.000, dependendo da espécie, de acordo com Gabee. Até existem formas de capturar indivíduos na natureza, com ninhos-iscas, mas só os especialistas devem fazer dessa forma.

Na colmeia, virão centenas de animais. "A abelha é um ser social, não tem como fornecer só uma. Vem todo o conjunto, com rainha e operárias, é uma colmeia viva e estabelecida", ensina a engenheira.

Como aprendemos na escola, o mel é um produto que as abelhas fabricam como alimento para elas mesmas, fornecendo energia para que consigam voar. O pólen, por sua vez, também enche suas barrigas, mas de outra forma: ele é um tipo de proteína que as ajuda a crescer, formando a estrutura de seus corpos.

"O excedente desse mel produzido é que nós, humanos, podemos pegar. Não é um roubo", brinca Gabee. "Mas por isso é necessário aprender sobre elas com consultores, para que se entenda a quantidade certa desse excedente sem causar impacto na colmeia", diz.

Abelhas nativas sem ferrão produzem bem menos mel que as africanizadas, que chegam a 25 quilos por ano em cada colmeia.

"A jataí (Tetragonisca angustula) dá cerca de 800 mililitros de mel por ano, enquanto a mandaguari (Scaptotrigona postica), que é bem produtiva, pode chegar a quatro litros. Mas, no meio urbano, como tem menos disponibilidade de alimento, elas acabam produzindo ainda menos."

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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