Descrição de chapéu escalada

Brasileira subiu o Everest com dinheiro da venda de 130 toneladas de recicláveis

Aretha Duarte nasceu na periferia de Campinas e é a primeira negra latino-americana a chegar ao topo da montanha mais alta do mundo

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Aretha Duarte no Everest Gabriel Tarso

São Paulo

Aretha é boa em multiplicar coisas. O barraco de madeira onde ela morava na infância, por exemplo, ficava muito maior porque Aretha transformava sua rua em quintal. O dinheiro, contadinho, aumentava com os chicletes e chocolates que ela vendia na escola. E, quando ela chegou no topo da montanha mais alta do mundo, Aretha se multiplicou em milhões, como se várias outras pessoas estivessem ali com ela.

Na manhã do dia 23 de maio de 2021, Aretha Duarte se tornou a primeira mulher negra latino-americana a chegar ao cume do Everest, montanha que se divide entre o Nepal e a China, e que tem 8.848 metros de altitude —um prédio de 10 andares tem 30 metros de altura em média, para se ter ideia.

Aretha Duarte trançou os cabelos antes da expedição e acredita que essa imagem tenha despertado o sentimento de representatividade em pessoas negras - Gabriel Tarso

"Era só eu, mas eu não estava sozinha. Eu me sentia imparável porque eu representava uma legião de pessoas, era muita gente chegando no topo comigo", lembra Aretha, que meses antes da expedição de subida fez trancinhas no cabelo, o que ela acha que multiplicou ainda mais o impacto positivo de sua conquista.

"Aquela imagem da mulher negra com tranças gerava representatividade. Depois, quando tirei, soltava o cabelo e todo mundo via que eu usava black power. Recebi depoimentos de professores dizendo que meninas na escola foram à aula pela primeira vez com o cabelo solto depois de ver notícias sobre mim."

Aretha também teve retorno positivo de coletivos de mulheres e homens negros que praticam atividades ao ar livre, felizes porque ela os representava no topo do mundo. "Até meu bairro na periferia, o Jardim Capivari, finalmente entrou no mapa", conta.

Filha de migrantes pernambucanos, Aretha Duarte tem 39 anos. Nasceu e cresceu em Campinas, perto do aeroporto de Viracopos. É a filha caçula dos três filhos de uma mãe cozinheira e um pai ferreiro armador.

Quando era pequena, gostava de jogar bolinha de gude e futebol, e de soltar pipa e peão. Ia bem em matemática, e conseguiu fazer o dinheiro das vendas de doces crescer a ponto de comprar um fogão e uma máquina lava-roupas para a casa da família. Um dia, comprou um brinquedo.

Foi a primeira entre os pais e irmãos a fazer faculdade. Escolheu educação física porque era apaixonada por esportes e, no segundo ano do curso, foi levada por um professor a uma palestra sobre montanhismo. "Fiquei muito empolgada, mas descobri que aquela atividade era muito cara para mim, e não tinha como praticar", diz.

Conseguiu uma vaga como assistente de guia da mesma empresa que fez a palestra, mas mesmo assim os topos das montanhas do mundo ainda pareciam muito distantes. Para visitar como turista um desses picos, é preciso gastar milhares de reais, e Aretha não tinha esse dinheiro.

"Um dia, em 2019, eu estava acessando uns arquivos e vi uma foto do Everest. Fiquei tocada. Era uma imagem do Vale do Silêncio, uma parte do monte em que as pessoas pareciam formiguinhas lá longe caminhando, umas barracas amarelas montadas. Pensei em como somos pequenos em relação à natureza e quis muito estar lá", lembra.

Foi aí que Aretha recuperou seu talento de empreendedora na infância e traçou um plano: ela venderia material reciclável até juntar a quantia suficiente de reais para subir até a pontinha mais alta do Everest.

"O condicionamento físico para ir até lá eu já tinha, e o conhecimento técnico também. Já tinha visitado sete países fazendo experiência em alta montanha, tinha estado no topo do Aconcágua [montanha na Argentina] quatro vezes. Só faltava o dinheiro mesmo", conta.

Aretha passou 13 meses trabalhando nisso todos os dias, sem descanso. Trocou o carro popular por uma caminhonete, para ter mais espaço para carregar as sucatas. Passava em condomínios e empresas de Campinas e cidades vizinhas recolhendo material.

"Era muita carga e muito pesada, eu tinha que cuidar da minha condição física para aguentar o esforço", lembra Aretha, que contou com voluntários tanto para juntar os recicláveis quanto trabalhando como nutricionistas e "mentores", que cuidavam das suas emoções.

Aretha juntava quilos e quilos de materiais recicláveis, que conseguia em empresas e condomínios de Campinas e cidades vizinhas - Arquivo Pessoal

Com 500 kg recolhidos todos os dias, Aretha concluiu sua multiplicação: 130 toneladas de material reciclável no total, que lhe renderam cerca de R$ 140 mil. No programa do Luciano Huck, no quadro The Wall, ela arrecadou mais quase R$ 60 mil. E, com ajuda de patrocinadores, juntou os R$ 400 mil de que precisava.

Na caminhada até o cume, Aretha sofreu queimadura na córnea, princípio de edema no pulmão, foi vítima de machismo e sentia ansiedade frequentemente. Lutou para se proteger do frio intenso, da falta de oxigênio. Ligava por WhatsApp para a mãe e o namorado sempre que sentia medo.

Foi difícil, ela lembra. Mas, quem se lembra lá do começo do texto? Aretha era "imparável", e caminhou 15.197 quilômetros em linha reta, subiu os 8.848 metros e conseguiu da manhã de 23 de maio de 2021 finalmente realizar seu grande sonho.

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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