Disco 'Casa de Brinquedos', de Toquinho, completa 40 anos e atravessa gerações

Artistas que participaram do projeto de 1983 relembram as gravações e as letras sobre os sentimentos dos brinquedos

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São Paulo

Existe uma caixa de brinquedos tão profunda que é mais que uma caixa: ela é uma casa onde moram todas as coisas com que as crianças amam brincar. Tem o robô, os heróis, a bailarina, o ursinho e tantos outros presentes que se costuma ganhar no Natal durante a infância.

Folhinha, Casa de Brinquedos
Ilustração sobre a capa do disco 'Casa de Brinquedos', que completa 40 anos - Catarina Pignato

Essa Casa de Brinquedos completou 40 anos em 2023, o que significa que muitas gerações já brincaram com o que tem lá dentro. Gente que hoje é mãe e pai, gente que ainda não cresceu tudo que tem pra crescer, gente que chegou no mundo há pouco, mas já tem suas diversões favoritas.

Quem criou essa casa foi um músico chamado Toquinho. Depois do sucesso dos dois discos "Arca de Noé" que havia lançado, em 1983 ele procurava uma nova boa ideia para mais um álbum de canções para crianças. Decidiu falar de uma casa de brinquedos, e começou a pensar em quais itens estariam nela.

"Eu fui escolhendo aos poucos, daí foi saindo uma [música], outra, outra… Vários brinquedos foram escolhidos. Todos que vinham à cabeça, eu fazia [a canção] imediatamente", conta Toquinho, 77 anos, que teve a parceria do compositor Mutinho para criar "Casa de Brinquedos", o disco que agora faz aniversário.

Primeiro, Toquinho fazia a melodia, que é a parte "tocada" da música. "Depois, eu via qual brinquedo caberia nela", lembra. Daí era hora de encaixar uma letra naquele lugar. E todas as letras deram muito trabalho, segundo conta Toquinho. As que exigiram mais dele foram "A Bicicleta", "O Caderno" e "A Bailarina".

Para esta última, ele pediu uma mãozinha para a cantora e atriz Lucinha Lins. "Ela me ajudou muito porque é bailarina, e eu precisava saber os passos certos para dizer na música. Fui na casa dela um dia para ela me ensinar essas coisas de 'plié'", brinca Toquinho.

Todos os cantores e cantoras que ele convidou para gravar as faixas acharam a ideia boa. "Imaginava a pessoa cantando e fui perguntando se queriam participar. Ninguém recusou", lembra. As canções de "Casa de Brinquedo" foram arranjadas pelo maestro Rogério Duprat.

Segundo Toquinho, é preciso ter humor para fazer canções para crianças. "Tem que achar o que há de engraçado ali. Também não se pode nunca, nunca subestimar a criança. A gente tem que acrescentar alguma coisa ao mundo dela, mas sem sair desse mundo dela. Fazer música infantil dá muito mais trabalho do que fazer canções para adulto", afirma.

No mesmo ano de 1983, a Rede Globo exibiu um especial de TV baseado em "Casa de Brinquedos". No Youtube, dá para ver vídeos com algumas das performances dos artistas, como a de Tom Zé vestido de robô, a com Simone pedalando no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, e uma com Lucinha Lins de bailarina.


Casa de Brinquedos

LADO 1

  1. ABERTURA (Toquinho-Fernando Faro), com Dionísio de Azevedo
  2. A BICICLETA (Mutinho-Toquinho), com Simone
  3. O ROBÔ (Toquinho-João Carlos), com Tom Zé
  4. A BAILARINA (Mutinho-Toquinho), com Lucinha Lins
  5. O AVIÃO (Toquinho), com Toquinho
  6. O TRENZINHO (Mutinho-Toquinho), com Roupa Nova

LADO 2

  1. OS SUPER-HERÓIS (Mutinho-Toquinho), com MPB-4
  2. O CADERNO (Mutinho-Toquinho), com Chico Buarque
  3. O MACAQUINHO DE PILHA (Mutinho-Toquinho), com Paulinho Boca de Cantor e Carlinhos Vergueiro
  4. A ESPINGARDA DE ROLHA (Mutinho-Toquinho), com Baby do Brasil
  5. A BOLA (Mutinho-Toquinho), com Moraes Moreira
  6. O URSINHO DE PELÚCIA (Mutinho-Toquinho), com Cláudio Nucci

Bicicleta
Catarina Pignato

A Bicicleta (Simone)

"Eu amo bicicleta. Desde criança eu andava muito, e era numa bicicleta maior que o meu tamanho. Era tudo improvisado porque não tinha uma bicicleta para cada filho, era uma que servia para todo mundo. Na época, eu era a mais nova das crianças", lembra a cantora Simone, que foi chamada para gravar a música sobre seu brinquedo favorito.

Um belo dia, ainda na infância, ela ganhou uma bicicleta só para ela –foi seu presente de Natal. "Eu andava muito bem, ficava em pé, de barriga, com o peito no guidão, fazia malabarismo, descia ladeira, subia ladeira. Eu amava, acho uma delícia e até hoje gosto de pedalar", diz.

A Bicicleta da música, além de falar sobre todos os momentos em que ela é legal para uma criança (ir comprar gibi e figurinhas) e para um adulto (ir trabalhar e fazer ginástica), também faz a soletração da palavra "bicicleta" em seu refrão. "É uma aula, uma coisa muito linda", afirma Simone.

Robô
Catarina Pignato

O Robô (Tom Zé)

"Quanta coisa ele conhece/Sabe a tudo responder/E o que tanto o entristece/É ser humano ele não ser", diz a música, que foi gravada por Tom Zé. O Robô é um ser incrível, que raciocina, anda, não tem dúvidas e nunca cansa. É considerado "o homem do futuro", mas isso não o anima –ele acha que não vale saber de tudo, mas não ter um coração.

"A gravação inclui alguns ecos, recurso muito usado pelas crianças e pelas crianças-poetas da nossa poesia concreta", diz Tom Zé à Folhinha. Ele lembra que "Casa de Brinquedos" foi "um passeio lúdico" de Toquinho e todo mundo que se envolveu no projeto. "Espero que os adultos também nunca deixem hibernar a imaginação."

Uma das partes mais engraçadas da música é quando ele canta com seu jeito metálico os versos "Sou robô e a vida é dura/Quando se é feito de lata/Sou sem jogo de cintura/E a minha voz é muito chata".

Bailarina
Catarina Pignato

A Bailarina (Lucinha Lins)

"Recebi a letra da música, decorei e, no dia marcado, fui para o estúdio gravar. Foi uma alegria, uma brincadeira muito grande! Havia muita gente no estúdio curtindo essa gravação. Só adultos, mas todos os adultos naquele momento pareciam crianças", lembra Lucinha Lins, que deu vida à Bailarina de Toquinho.

"É um trabalho dirigido à criança, mas que ultrapassa gerações, porque não tem pai e mãe que não adorem todas as músicas desse disco", afirma. Lucinha conta que a ideia era que a música terminasse em "fade out", ou seja, o volume vai ficando baixinho até sumir. Mas, no dia, ela mudou as coisas.

"Eu resolvi inventar umas frases, mostrando que eu estava muito cansada de ser bailarina e fui brincando com palavras, que foram sendo gravadas. Todos riam muito, até eu dizer, 'Ai meu bumbumzinho!'. Foi uma gargalhada e acabou ficando. Eu fazia papel de uma péssima bailarina. Deu muito trabalho para ficar perfeito e o resultado foi excelente."

Folhinha, Casa de Brinquedos - Avião
Catarina Pignato

O Avião (Toquinho)

Quem vive o Avião é o próprio Toquinho. "Sou mais ligeiro que um carro/Corro bem mais que um navio/Sou o passarinho maior/Que até hoje você na sua vida já viu", começa a letra.

O autor conta que, de todas as músicas do disco, essa foi a única em que fez tudo junto, a melodia e as palavras que se encaixam nela. As palavras do Avião procuram encorajar as crianças que ainda possam ter medo de voar.

"Se às vezes balanço um pouquinho/É o vento querendo brincar/Se chove chuvisco fininho/São nuvens tristonhas a choramingar", canta um trecho da canção. "Venha voar comigo, amigo/Sem medo venha voar/Em dia nublado não fique assustado/Que eu tenho radar", diz o refrão.

Trem
Catarina Pignato

O Trenzinho (Roupa Nova)

A vida do Trenzinho é bastante agitada e ele nunca tem tempo para parar. "Sempre é tanta gente pra partir, igualmente pra chegar", define, no começo da música. Ele sabe que, ao transportar tantas pessoas, acaba responsável por encontros e também separações, e também leva e traz boas e más notícias.

Mas isso não o abala: "Tanto fez como tanto faz", afirma o Trenzinho. Agora, o que o deixa chateado de verdade é percorrer sempre os mesmos trilhos. "Isso não tem fim/Já não aguento mais", lamenta o pobrezinho.

Suoer-herói
Catarina Pignato

Os Super-Heróis (MPB-4)

Esqueça a pose invencível que os heróis têm normalmente –estes aqui são mais humanos que os humanos comuns. "Lutamos contra quem vier/Baixinhos, gordinhos, gigantes/Vilões maquiavélicos, homem ou mulher/Mas temos momentos na vida/Em que somos pessoas como outras quaisquer", avisa a letra.

O Homem Aranha, por exemplo, confessa que morre de medo de altura. Batman, por sua vez, cancela uma aventura porque um botão de sua capa caiu e ele não tem uma agulha para pregá-lo de volta. E tem a Mulher Maravilha, que quebrou os dentes do namorado sem querer, quando foi lascar uma beijoca nele.

Caderno
Catarina Pignato

O Caderno (Chico Buarque)

"Quando eu fiz a letra do Caderno, eu pedi para o Chico Buarque cantar", conta Toquinho à Folhinha. "Quando ele chegou no estúdio, ele leu a letra e falou 'Mas eu não estou entendendo, eu sou o caderno?'. Falei, sim, você é o caderno, e a voz do caderno vai ser a sua voz. Então, ele entendeu a ideia da coisa e gravou."

Essa é a canção que ficou mais famosa fora do disco, e que segue tocando até hoje (já tocou até em comerciais de TV). O jeito emocionado do Caderno talvez explique a popularidade.

"Sou eu que vou seguir você/Do primeiro rabisco até o bê-a-bá", "Serei de você confidente fiel/Se seu pranto molhar meu papel", "O que está escrito em mim/Comigo ficará guardado/Se lhe dá prazer" são algumas das promessas que o Caderno faz à sua criança.

Ele só pede algo em troca: "Só peço a você um favor/Se puder/Não me esqueça num canto qualquer".

Macaco dde brinquedo
Catarina Pignato

O Macaquinho de Pilha (Paulinho Boca de Cantor e Carlinhos Vergueiro)

O Macaquinho acabou de ganhar pilhas novas e está impossível! A letra mostra todas as coisas que ele apronta: abre a torneira e sai molhando a casa inteira, desenrola o papel higiênico, entope o ralo, mistura ovo, abacaxi e marmelada com iogurte e carne assada e larga tudo lá.

Ele faz tudo isso enquanto coça a nuca e o bumbum, e vira a noite na bagunça. O Macaquinho só dá um tempo no caos quando escorrega em uma casca de banana.

Rolha
Catarina Pignato

A Espingarda de Rolha (Baby do Brasil)

Se hoje no máximo se brinca com lançadores de dardos de espuma, antigamente a tolerância das pessoas era outra, e era permitido (e às vezes encorajado) que as crianças usassem outros tipos de armamento para se divertir –naquela época, ainda não se tinha consciência dos perigos e malefícios da cultura armamentista.

As espingardas de rolha eram um brinquedo popular, e por isso ganharam uma música no disco. E, ainda que não se soubesse direito que arma não é coisa de criança, Toquinho acreditava que as arminhas de brinquedo eram inofensivas, diferentemente dos "parentes" da Espingarda de Rolha, como seu avô, o canhão, ou sua tia metralhadora e seu tio fuzil.

"De nossa família/Temos tanta mágoa/Eu e meu maninho/O revolvinho d'água/Não matar e nem ferir/Só brincar e divertir/Essa foi a nossa escolha", diz a letra.

Bola
Catarina Pignato

A Bola (Moraes Moreira)

Você já parou para pensar como se sente a bola dos jogos de futebol? Pois Toquinho pensou e escreveu a canção em que Bola conta da sorte que tem de já ter jogado com craques como Pelé, Garrincha, Tostão e Rivelino, e de ser motivo de festa sempre que balança a rede do Maracanã.

A Bola também tem amigos anônimos, como crianças do mundo todo, e nos pés dela ela pula, salta "mais que perereca", corre e rola "com satisfação". Quem gravou essa canção foi o músico Moraes Moreira, morto em abril de 2020.

Assim como acontece com outros protagonistas de "Casa de Brinquedos", a Bola também confessa uma tristeza: "Depois que acaba o jogo, ninguém mais lembra de mim", lamenta.

Urso de pelúcia
Catarina Pignato

O Ursinho de Pelúcia (Cláudio Nucci)

"Sou mais de frio do que de calor/E não preciso de cobertor/Se entro de férias vou hibernar/E quando sou branco, sou urso polar", começa a canção que dá voz ao Ursinho. Logo em seguida, ele lembra um costume da época em que o disco foi lançado, e que hoje já não é mais tão comum: o dos animais no circo.

"Danço no circo numa só pata/De monociclo, sou acrobata", conta o Ursinho, que atualmente não precisa mais trabalhar. Sua única ocupação é, como diz a música, ser um amigo de coração das crianças. "Amigo urso, não", ele avisa (amigo urso é aquele tipo traiçoeiro).

E nem mesmo alguém tão fofinho escapa de ter seus contratempos. "Mesmo sem jeito, tenho um charminho/Meu bum-bum balança quando caminho/Fui roubar mel, correndo feliz/Veio uma abelha, picou meu nariz", conta o Ursinho.

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