Dizer adeus pode doer, mas saber se despedir das coisas e pessoas nos faz mais fortes

Psicanalista e escritor falam sobre como é deixar coisas para trás e quais lições podemos tirar destes momentos

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São Paulo

Qual foi a última vez em que você disse "tchau"? Talvez na manhã de sexta-feira ao entrar na escola, ou ontem ao se deitar para dormir. Quem sabe recentemente alguém que você conhecia morreu ou foi morar longe, ou chegou a hora de doar aquele brinquedo amado para outra criança, e assim foi preciso dar um adeus prolongado.

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Dizer tchau nunca é fácil - Viktoriia M/Adobe Stock

A vida da gente, em resumo, é cheia de despedidas. E despedidas muitas vezes nos deixam tristes porque representam o fim de alguma coisa. "Eu acho que toda despedida dói, mas pode doer diferente", diz o jornalista e escritor Sérgio Roveri, que há cinco anos se despediu de sua gatinha Lili. Ela ficou muito doente e morreu ainda jovem.

"Nas despedidas mais compridas, a gente tem um pouco mais de tempo para se preparar, mas mesmo assim é dolorido porque a gente fica torcendo para que o momento do adeus nunca chegue. A gente sempre quer um pouquinho mais de tempo ao lado daquela pessoa, bichinho ou situação que está indo embora", afirma.

Lili e Sérgio já moravam juntos fazia sete meses. Ela tinha muita energia, corria o dia inteiro, subia na persiana, escalava as redes das janelas. De repente, parou de comer e de brincar. Sergio a levou ao hospital de gatinhos e a veterinária falou que Lili tinha uma doença incurável, já em estado avançado.

"Ela disse que Lili iria viver só mais alguns meses, mas que fariam de tudo para ela ter uma qualidade de vida legal. Foi um choque, um momento muito triste, porque eu cheguei no hospital achando que não era nada e, duas horas depois, eu voltava pra casa sabendo que ali começava a nossa despedida", lembra o tutor, que escreveu um livro em homenagem a Lili, "Federica Felina - A Gatinha que Ensinou a Dizer Adeus" (Caravana Grupo Editorial).

Gata cinza e branca com coleira rosa olha para a câmera
Lili foi muito feliz e amada por seu tutor Sérgio Roveri - Arquivo Pessoal/Arquivo Pessoal

Para Christian Dunker, psicanalista e professor titular em psicanálise e psicopatologia do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), a habilidade mais importante que um ser humano pode ter é a de se separar de objetos, pessoas, lugares, momentos… Ele diz que o que nos define como pessoas são as coisas que deixamos para trás.

"A gente nasceu e foi criado para dar muito valor às ligações, a uma forma de amor que é marcada pela presença. Então, ligar-se aos outros é obrigatório, enquanto aprender a se separar é uma construção. É algo que passa pela formação de nós como indivíduos", explica.

Dunker afirma que não tem nada de errado em ficar triste com as despedidas. "A tristeza é um sentimento da mais alta dignidade. Quem não tolera a tristeza é um mimado, um bobo alegre. Quem sabe se despedir bem é quem sabe viver a tristeza, especialmente em um mundo que tem horror à morte, à finitude e às despedidas."

"Eu sempre vou me lembrar de uma frase que uma veterinária me disse: o amor é saudade também", completa Sergio, o tutor de Lili.

"Às vezes, a gente fica triste demais porque tem de enfrentar uma despedida, a gente acha que a vida não foi legal com a gente. Mas, se esta despedida está doendo, é porque a gente amou demais aquela pessoa, aquele bichinho ou aquela situação que está indo embora. E com certeza a gente foi amado de volta."

O amor pelo que se foi acompanhará para sempre a pessoa que o dedicou, diz Sergio. Ele sabe que não é fácil pensar deste modo quando a dor está forte, mas acredita que refletir sobre isso quando possível ajuda a acalmar o coração de quem está sofrendo por um adeus.

Como quando acontece, por exemplo, de nossos responsáveis decidirem que é melhor terminar o relacionamento que eles viviam e cada um passará a morar em uma casa diferente. Em casos assim, Dunker explica que é importante não confundir a despedida: ela não é um adeus à nossa mãe ou pai, mas, sim, um adeus a uma estrutura de família, um conjunto formado até então.

Uma boa maneira de lidar com este tipo de despedida é saber que ela não é o abandono de ninguém, nem vai destruir o que foi vivido até ali. Dunker sugere, por exemplo, que se guarde uma lembrança física desse tempo que ficará para trás, como um desenho, fotografia ou um objeto. "Assim, essa vida que vocês tiveram até aqui vai acompanhar vocês para sempre", diz.

A dor, afirma o psicanalista, vai diminuindo e virando apenas saudades do que foi embora. "Saiba que você é capaz de fazer essa travessia. Essa perda não será nem a primeira nem a última, e aos poucos ela vai dar lugar às descobertas do que virá de novo. Ao final desse processo de despedida, acredite: pode vir uma grande alegria."

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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