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Um clássico do marketing político
ALON FEUERWERKER
especial para a Folha
Reler vinte e tantos anos depois o livro Citações
do Presidente Mao Tse-tung foi como fazer um percurso com a partida
na política e a chegada na história.
Três décadas atrás, o Livro Vermelho (sua
capa era vermelha) era o símbolo mais universal do sangrento extremismo
político, econômico e intelectual que, liderado por Mao,
havia tomado conta da China Socialista sob o rótulo de Grande Revolução
Cultural Proletária. A Revolução Cultural, como ficou
conhecida, foi uma revolução na revolução,
o último estertor de comunismo puro chinês antes da morte
do próprio Mao em 1976 e da virada do país para a economia
de mercado, sob o comando de Deng Xiaoping.
Associated
Press
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Cópias
do "Livro Vermelho" em antiquário de Xangai
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Se o leitor não conhece a história, vale pelo menos ver
O Último Imperador, do cineasta italiano Bernardo Bertolucci.
Ou vale ler as Citações. Na Internet, há
uma edição portuguesa (Minerva) no catálogo da Livraria
Cultura (www.livcultura.com.br). Sai por R$ 12,32.
Foi lida para este artigo a versão em espanhol: Citas del
Presidente Mao Tse-tung (1966, Ediciones en Lenguas Estranjeras,
Pekin, 333 págs.). Em 33 capítulos, desfilam trechos de
Sobre a Prática, Sobre a Contradição,
Sobre a Guerra Prolongada, Sobre o Tratamento Correto
das Contradições no Seio do Povo etc.
É quase um manual de auto-ajuda para revolucionários. Reúne
citações retiradas da extensa obra política de Mao,
líder da Revolução Chinesa e construtor, com Deng
Xiaoping, da China moderna. Quando Mao entrou em cena, nos anos 20, a
China vinha de (a ordem é cronológica):
1. Ser subjugada e retalhada de maneira humilhante pelas potências
ocidentais no século 19.
2. Uma revolução democrática, conduzida pelos nacionalistas
do Kuomintang, do líder Sun Yat-sen.
3. Uma repressão sangrenta do Kuomintang contra levantes nas grandes
cidades de seus antigos aliados comunistas.
Mao assumiu a liderança do Partido Comunista da China quando o
centro de gravidade das ações do PC se deslocou da cidade
para o campo. Destroçados nos grandes centros urbanos, os comunistas
mergulharam no imenso, atrasado e superexplorado campesinato chinês.
De lá tiraram o apoio político e as energias que os levariam
ao poder em 1949, após a Longa Marcha, a resistência ao invasor
japonês na Segunda Guerra Mundial e a vitória militar final
sobre o Kuomintang do sucessor de Yat-sen, Chiang Kai-chek, que viria
a fundar a China Nacionalista na ilha de Formosa.
Essa sequência de fatos explica por que os aspectos políticos,
históricos e militares estão tão misturados na obra
de Mao, em particular no Livro Vermelho.
Fica mais fácil compreender por que O poder nasce do fuzil
e O imperialismo e os reacionários são tigres de papel,
duas passagens do livro, acabaram famosas. Era a época da certeza
da vitória final do socialismo sobre o capitalismo e o imperialismo,
e da fé convicta na luta armada como instrumento supremo de transformação
da sociedade.
Hoje, isso tudo é história. Menos pelo tempo decorrido,
mais pela completa e absoluta hegemonia do capitalismo no mundo após
o desmanche da União Soviética, no início desta década.
Mao e sua obra devem ser analisados com distanciamento, longe das paixões
da luta política. Numa análise fria, o Livro Vermelho
pode ser considerado um clássico do marketing político.
Antigamente o nome era outro: agitação e propaganda.
O desafio de Mao era interconectar e fazer convergir para objetivos políticos
comuns e desejáveis (para ele) uma população de mais
de meio bilhão de pessoas (na maioria recém-saídas
de um sistema com fortes traços feudais), um exército poderoso
e um partido vindo de liderar uma revolução vitoriosa.
A tarefa era hercúlea. Processos históricos marcados pela
incorporação de grandes massas ao mercado e à política
criam a necessidade de oferecer aos milhões de novos cidadãos
também o pão do espírito, inclusive explicações
simples e esquemáticas sobre realidades complexas e intrincadas,
cujas condicionantes últimas estão fora do alcance do homem
comum, empenhado na própria sobrevivência.
Mao Tse-tung não foi um teórico da ciência política.
Foi um líder de sucesso. Chegou ao poder e nele ficou até
morrer em setembro de 1976. A leitura do livro, ao expor o modo como ele
via sua relação com as massas, ajuda a entender o porquê
dessa longevidade.
Diferentemente dos comunistas russos, Mao relativizava a autoridade do
partido sobre o povo e sobre a sociedade. Os críticos leninistas
de Mao cansaram-se de acusá-lo de subestimar a importância
do partido de vanguarda, de fazer uma política própria e
personalista junto ao povo chinês.
Mas o fato é que Mao Tse-tung sempre pôde contar com o povo
para isolar e abater os adversários políticos, que só
conseguiram erguer a cabeça após sua morte.
Alon Feuerwerker, 44, é diretor de Novos Produtos
do UOL. Foi editor de Economia, Opinião e Esportes e secretário
de Redação da Folha
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